Além dos questionamentos sobre como se comportará o país com falecimento do presidente, nova eleição acontece em breve
Por Marina Terra | Enviada especial a Caracas
Dez, vinte, até trinta horas foi o tempo que venezuelanos esperaram na fila para ver o corpo de Hugo Chávez. Desde o traslado do presidente, falecido em 5 de março, para a Academia Militar, em Caracas, dezenas de milhares de pessoas protagonizaram cenas de forte devoção ao líder que, por 14 anos, governou o país.
E nesta sexta-feira (15/03), no trajeto até o Museu da Revolução, no bairro de 23 de Janeiro, mais demonstrações de amor. Apesar da inquestionável lealdade desses apoiadores, alimentada pelas transformações levadas a cabo no país desde 1999, fica a questão sobre como irá se comportar a Venezuela sem a presença física de Chávez.
Desde antes do falecimento do presidente, quando ainda se recuperava da quarta e última cirurgia contra um câncer, Nicolás Maduro assumiu a figura de liderança do país. E agora, após ser cumprida a vontade de Chávez, de que ele fosse o candidato do oficialismo em caso de nova eleição, o atual presidente interino assumiu a função de dar continuidade ao processo de transformação social iniciado pelo mentor.
“Chávez deixou um país no qual, desde a primeira eleição dele, nada ficou intacto. Devemos ter consciência do vazio que ele deixa”, afirma a Opera Mundi Francisco Ruiz Tirado, diretor do venezuelano Centro de Estudos Políticos e Estratégicos Aluvião. Para ele, a necessidade imediata não é a “de substituí-lo, mas de avançar mais organicamente” nas novas bases geradas pelo chavismo. É preciso, diz, criar “uma vanguarda que garanta tanto a qualidade desse processo, como a estabilidade política.”
De fato, há uma Venezuela anterior e posterior a Chávez. As profundas transformações sociais foram seguidamente corroboradas por distintos organismos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas). Pela primeira vez, parte dos abundantes recursos provindos do petróleo – a Venezuela possui as maiores reservas do mundo – foi revertida para melhorias sociais. “Chávez pôs na mente das maiorias a ideia de que suas vidas eram ruins porque lhes estavam roubando o que era deles”, escreveu Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisas Datanálisis.
As “missões” foram tão bem sucedidas que até mesmo Henrique Capriles, seu adversário na última eleição, prometeu aos eleitores que iria não só mantê-las, como aumentá-las. Como resultado desses projetos, foi erradicado o analfabetismo e diminuída a desigualdade social – a Venezuela apresenta a sociedade com melhor repartição de renda da América do Sul –, além do estabelecimento do mais acelerado padrão de crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do subcontinente.
Também a impressionante diminuição da pobreza. De acordo com a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina da ONU), em 1999 — ano em que Chávez assumiu o país — 49,4% da população vivia abaixo da linha da pobreza, e em 2012, 29,5%.
Estabilidade
No entanto, mais além dessas marcas, o presidente foi responsável por despertar uma elaborada consciência política entre a população, tanto entre seguidores como opositores, que começaram a participar de forma mais intensa do debate nacional e a utilizar as ferramentas democráticas existentes. Mas essa estabilidade estaria garantida?
“A direita venezuelana e internacional se encarregou de criar uma matriz de opinião, de que nada resta a Maduro que seguir um roteiro criado por Chávez. É uma forma de estigmatizar, ou de desqualificar, de tergiversar o papel que desempenhava o presidente”, opina Ruiz Tirado. “Não tenho dúvidas quanto ao caráter irreversível do processo revolucionário, mas sim como as coisas serão recompostas, sem ele”, complementa.
Para León, o chavismo “trabalhará duro” para agregar valor sobre seu líder e “para consolidar sua simbologia”. Ele afasta qualquer possibilidade de instabilidade: “Não há porque ela existir. A chave da estabilidade estava na convocatória das eleições, o que aconteceu”. Ruiz Tirado vai mais além e analisa que a campanha eleitoral terá “o símbolo da tragédia e da dor, o que não pode ser evitado, mas temos muitas ferramentas constitucionais que servem de antídoto para preservar a democracia venezuelana.”
Eleição
A campanha para a eleição presidencial terá, oficialmente, somente dez dias e, pelas declarações de ambos os lados desde o registro dos candidatos do oficialismo da oposição, promete ser intensa. “Será uma campanha mais agressiva em comparação com a anterior. Porque a candidatura de Maduro significa a continuidade, mas também um início de uma nova etapa, em que será preciso refletir bastante. Não para conseguir votos, mas pensar como as coisas serão feitas sem Chávez”, defende Ruiz Tirado.
Na opinião de León, o objetivo da campanha de Capriles será desmontar o binômio Chávez-Maduro, para se concentrar no último. Tanto é verdade que a maior parte dos ataques desferidos pelo candidato opositor, desde antes da morte do presidente, foi direcionada ao rival. No entanto, observa Rui Tirado, “para ninguém é segredo que Maduro deve ganhar a eleição, até com mais votos do que Chávez.”
Denúncias sobre desabastecimento, aumentos de preços, insegurança e críticas à desvalorização da moeda nacional, o bolívar, devem protagonizar a tônica do discurso opositor, afirma León. Para o diretor do venezuelano Centro de Estudos Políticos e Estratégicos Aluvião, a estratégia se baseia na vontade de produzir um cenário de desestabilização no país.
“O que tem a ver com nossos meios de comunicação privados, que irão colocar sobre Capriles toda a capacidade de influência. Se eles não conseguiram durante o golpe de 2002, ou junto à elite pretroleira da PDVSA, a chamada meritocracia, com a sabotagem petroleira, irão pela via da desmoralização do chavismo”, conclui Ruiz Tirado.
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http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/27842/venezuela+sem+chavez+os+desafios+apos+a+morte+do+presidente.shtml