Por Samir Oliveira e Natália Otto – Sul 21
Conhecida pela disposição em debater a profissão, a prostituta Monique Prada acredita que a regulamentação das casas de prostituição está gerando discussões na sociedade e tirando as garotas de programa da invisibilidade. “A regulamentação nos tira debaixo do tapete. Há alguns anos, jamais imaginaria que isso seria possível”, afirma.
Nesta entrevista ao Sul21, Monique Prada fala sobre a profissão e defende uma maior organização entre as garotas de programa. Mas reconhece que há um longo caminho a ser percorrido e denuncia as perseguições que as prostitutas sofrem quando começam a tentar politizar a profissão. “É uma profissão onde, quanto menos tu falas, melhor”, critica.
Monique também rebate os posicionamentos de feministas contra a prostituição e entende que, para além da crítica, é preciso fornecer alternativas concretas a quem deseja deixar a profissão.
Sul21 – Quando tu começaste?
Monique Prada – Sempre tive muita curiosidade, mas comecei aos 19 anos. Por conta de um casamento, parei por um tempo. Retornei há uns quatro anos.
Sul21 – Qual teu objetivo ao ingressar na prostituição?
Monique – Ofereciam um salário mínimo e meio por dia. Eu ganhava um salário mínimo, mais 10%, por mês. Foi uma escolha fácil, comecei a trabalhar em uma das primeiras agências do ramo.
Sul21 – Hoje, com bastante experiência na área, o que tu pensas sobre a profissão?
Monique – Não vejo como uma profissão, vejo como uma passagem. Não é algo que se deve fazer por muito tempo. Conheço muita gente desse meio, talvez eu seja uma das pessoas que mais conhece a área no Rio Grande do Sul. E, nesse período, posso dizer que conheci menos de dez pessoas que conseguiram concluir o que desejaram, que entraram na prostituição, ficaram um tempo, conseguiram completar estudos e sair. É uma profissão da qual se sai pela aposentadoria por idade ou por morte. A intenção é sempre ficar pouco tempo, mas não há um caminho de saída. E eu não vejo alguém se preocupando em criar esse caminho.
Sul21 – Por que não se consegue sair?
Monique – Cada caso é um caso. Mas, em geral, espera-se ganhar muito dinheiro na prostituição. E ninguém ganha o suficiente. E também não se consegue estudar. Tu acabas ficando presa ao teu trabalho, ao teu telefone. Tem muita universitária que faz programa, mas tem pouca garota de programa que consegue estudar. Tenho amigas que não têm o primeiro grau completo. Ninguém que eu conheço consegue economizar uma grande quantia de dinheiro para sair da profissão. Um outro caminho para parar é conseguir um casamento. Talvez seja o mais comum, mas não é uma alternativa que dê independência à mulher. Muitas vezes, a prostituta se casa e continua reproduzindo uma relação de inferioridade, como se ainda devesse alguma coisa ao homem. O ideal é conseguir trocar de profissão através da formação. Casamento não é emprego. Hoje se fala muito sobre regulamentar as casas de prostituição, mas ninguém encontra um caminho para tirar as pessoas disso, principalmente as que estão na rua.
Sul21 – Tu falaste que é muito difícil juntar uma grande quantia de dinheiro. Muitas pessoas acreditam que é uma profissão fácil, utilizada para conseguir muito dinheiro.
Monique – Quem está nas ruas ganha menos ainda. Se tem uma ideia de que será possível ter uma vida luxuosa. Há um incentivo à essa ideia de glamour da prostituição, principalmente a partir da Bruna Surfistinha. A mídia também glamouriza muito. Lembro de uma minissérie antiga em que a Malu Mader interpretava uma acompanhante. As meninas acham que vão conseguir comprar o que quiserem. Não é bem assim, existe um preço. Não é uma profissão como outra qualquer. É preciso ter uma estrutura emocional acima da média para conseguir sair disso ilesa.
Sul21 – Os cachês cobrados são muito baixos?
Monique – Depende. Eu cobro o topo do mercado, de R$ 200 a R$ 300 por hora. É pouco, considerando que há um investimento enorme em maquiagem e academia. Mas essa não é a realidade da maioria, que costuma cobrar bem menos. Uma vez, eu e mais cinco ou seis garotas de programa combinamos de subir os cachês ao mesmo tempo. Houve uma revolta, nos acusaram de formação de cartel e nos ameaçaram com processos.
Sul21 – Foi uma tentativa de organização? Como é a relação entre colegas? Há uma noção de unidade ou é cada um por si?
Monique – É cada um por si. Não apenas pela concorrência, mas porque não temos tempo para nos reunirmos. Tínhamos um fórum, mas é complicado, começam a nos perseguir. Meu site já foi infectado por vírus. Se começarmos a ficar muito unidas, dá problema. É uma profissão onde, quanto menos tu falas, melhor. E também há uma distância entre as meninas da rua e as que estão na internet. Quem está na rua acha que a nossa rotina é mais leve. Isso dificulta a organização da categoria, que poderia trazer mais segurança e conhecimento entre nós.
Sul21 – Os clientes temem uma organização das prostitutas?
Monique – Os clientes organizados têm medo que a gente se organize. Existe um fórum que está no ar há uns 10 anos, é até interessante. Quando ele surgiu, o cliente não tinha nenhuma segurança, pois as agências colocavam fotos de meninas de fora do Brasil. Mas hoje o fórum não tem mais essa função. Hoje os motoristas das meninas – que, na verdade, são seus agenciadores – ficam postando fotos para queimar outras garotas.
Monique – O trabalho de quem está em site é bem tranquilo, marcamos os programas por telefone e vamos até os motéis, que possuem segurança. Não conheço nenhum caso de morte por cliente. Normalmente, a morte é pelos namorados das meninas. Teve um semestre em que eu perdi minha melhor amiga e outras sete meninas foram mortas por seus companheiros em Porto Alegre. A única segurança que as gurias realmente têm são os motéis. Quem está na rua está desamparada. Tem o pessoal que vende droga, os namorados e o pessoal que assalta na volta. Então elas estão muito mais vulneráveis em relação aos clientes e aos namorados.
Sul21 – E como é em relação às casas de prostituição?
Monique – O problema das casas é que não há nenhuma garantia de que a menina vá receber, por isso o projeto do Jean Wyllys é importante. Não adianta fingir que as casas não existem. Mesmo em casas de luxo, só se recebe no final da semana.
Sul21 – Como tu vês a relação dos donos das casas com a prostituta? É uma relação de exploração?
Monique – Depende do caso. Uma casa que cobra R$ 200 pelo encontro e paga somente R$ 80 para a menina é exploradora. As casas precisam existir – sem elas, muita gente não ia conseguir trabalhar. Mas da maneira que elas existem hoje, não são boas para quem trabalha. O projeto de regulamentação fixa que 50% da renda do programa fica com a garota. Acho uma boa medida. Com a regulamentação, a menina poderá cobrar o que a casa lhe deve. Hoje, se a casa não quiser pagar nem um real no final da semana, a pessoa não recebe. A garota não tem a quem recorrer.
Sul21 – Com a regulamentação, seria possível, na prática, mudar essa realidade? O que garante que os donos das casas cumpram a lei?
Monique – Temos mecanismos para fazer com que respeitem a lei. Acredito que, com a regulamentação, muitas casas irão quebrar, pois terão que repassar os custos para o cachê.
Sul21 – Como tu vês os argumentos das feministas radicais, que afirmam que a regulamentação da prostituição naturaliza o conceito de exploração da mulher, como objeto, pelo homem?
Monique – Eu não admito a prostituição como ela ocorre hoje. Eu alugo meu tempo, não vendo meu corpo. Tem gente que insiste nessa ideia de vender o corpo. Nesse caso, a prostituição institucionaliza o patriarcado? Mas eu te pergunto: e se nós desaparecêssemos? Se todas as mulheres que fazem programa desaparecerem, o patriarcado desaparece junto? Não. É preciso mudar a forma como a prostituição é vista, porque ela não vai acabar. É preciso dar consciência às mulheres para mudar essa situação. O primeiro passo é mostrar às meninas que elas não são obrigadas a fazer tudo que os clientes pedem. Elas não sabem disso. É preciso dar a elas a consciência de que elas também têm direitos e autonomia sobre o próprio corpo. Essa mudança só pode vir de dentro da categoria.
“ Se elas são vítimas, que façam com que deixem de ser vítimas através de ações positivas” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – As feministas, em geral, costumam enxergar a prostituta como uma vítima.
Monique – As pessoas falam como se a menina tivesse somente aquela possibilidade, como se fosse uma coitada. Mas não dizem como dar outras possibilidades a ela. Se só existe essa possibilidade, essas pessoas estão cometendo um crime ao querer tirar a menina da prostituição sem oferecer nenhuma outra alternativa. Fecha-se todas as casas e as meninas voltam para suas cidades natais, com o estigma de ter saído de lá para ser prostituta. É isso? Se elas são vítimas, que façam com que deixem de ser vítimas através de ações positivas.
Sul21 – Mas tu concordas com o conceito de vitimização?
Monique – Não. Todos somos vítimas de alguma coisa. A menina que sai do fim do mundo para trabalhar em Porto Alegre como babá é uma vítima. Às vezes, as meninas entram na prostituição sem a consciência do que isso significa. Apenas dizer que elas são vítimas sem dar outras alternativas não ajuda em nada.
Sul21 – Outro argumento contrário à prostituição critica o estabelecimento de uma relação mercantil em torno do sexo.
Monique – Por que não se pode cobrar por sexo, se todo mundo pode fazer sexo sem cobrar? É um argumento moralista. Quando colocam esse argumento para mim, algumas mulheres pensam que o homem é um bobinho, um coitado induzido a fazer sexo comigo porque eu coloco meu anúncio em algum site. O homem pode escolher se quer sair comigo ou não. Esse tipo de pensamento põe o homem e a mulher em posições babacas. O sexo é, quase sempre, um jogo de poder. Mesmo quando não envolve dinheiro, há alguma negociação em torno do sexo. Tem o pensamento de que dando mais para o marido, ele será mais feliz ou obediente. O sexo sempre é utilizado para manipular alguma coisa.
Sul21 – Como tu vês a necessidade de políticas públicas para a categoria?
Monique – Precisamos de políticas públicas, especialmente em relação à saúde e educação. Sabemos que precisamos estudar, mas não sabemos como. Sabemos que precisamos encontrar outros caminhos, mas não sabemos como. A regulamentação ajuda porque nos tira de baixo do tapete. Eu fico dando check-in no Foursquare aqui e ali para mostrar que estou entre vocês. É preciso tirar as prostitutas debaixo do tapete para que possa ser feito alguma coisa em relação a nós. Somente o debate em torno da regulamentação já está nos dando mais visibilidade. Há alguns anos, jamais imaginaria que isso seria possível.
Sul21 – Tu falas abertamente sobre a profissão, mas não parece haver muitas prostituas dispostas a este debate.
Monique – Temos medo, inclusive de trabalhar menos. Eu acredito que trabalho menos quando me exponho mais. Conseguimos debater alguma coisa pela internet, até pelo Twitter, mas é difícil. Algumas prostituas enxergam esse tipo de movimento como uma atitude contra o homem. Entendem que não podem ir contra o homem, senão não irão receber. É difícil convencê-las a debater.
Sul21 – A tua vida mudou desde que tu começaste a falar abertamente sobre a profissão?
Monique – Meu público alvo mudou e percebi uma reação concreta a mim no fórum. É proibido falar de mim lá, nem contra, nem a favor. Eu não existo. É uma reação muito clara. Se começamos a nos organizar, nos tornamos um problema para alguns clientes e para quem acha que a discussão da prostituição é prejudicial. Essa clareza de posição a meu respeito dá um pouco de medo nas outras meninas, que preferem não falar muito comigo. Toda vez que começo a conversar demais com uma menina, surgem comentários negativos sobre ela.
Sul21 – Com o debate em torno da regulamentação, tu te sentes mais disposta a falar?
Monique – As prostitutas estão na mídia, elas existem, isso já é algum ponto. E as redes sociais ajudam muito. Mas ainda é complicado. Me convidam para eventos, mas prefiro não aparecer. Imagina, então, as outras meninas. No ano passado, me convidaram para um evento. A ideia era ir para um debate, mas algumas pessoas entenderam errado. Acharam que eu estava lá para animar o evento. Não sou animadora de eventos. A partir daí, parei um pouco de me expor.
Sul21 – É possível criar uma entidade que organize as prostitutas em Porto Alegre?
Monique – Com muita dificuldade. Vejo o NEP (Núcleo de Estudos da Prostituição) como uma organização muito fechada. Precisamos de algo mais moderno. Não seria uma organização contra os homens, seria um caminho para debates sobre educação e saúde, por exemplo. Vínhamos tendo conversas, havia reuniões na minha casa, mas, de repente, um vírus infectou meu site e todo mundo ficou com muito medo. Para conseguir organizar essa entidade, precisaríamos de um apoio maior, de fora da categoria, de alguma força governamental, talvez da academia. Seria importante que alguém comprasse essa briga, mas não vejo muitas condições para que isso se concretize.
Monique – Isso acontece. Tem clientes que não saem com meninas que comentaram no fórum que saíram com clientes negros. E algumas meninas dizem que não saem com negros por questão de gosto pessoal. Mas não é gosto pessoal, é racismo. Ninguém rejeita clientes gordos, por exemplo. E quando os clientes negros ligam para marcar um programa, eles costumam avisar que são negros, porque estão acostumados com o preconceito. Tive um cliente que conheci na vida pessoal. Ele só tinha namoradas loiras, falava mal das mulheres negras, era racista. Mas, quando ligava para a agência, só queria saber das “novidades negras”. Isso é racismo, tem a ver com questões de dominação, é um resquício da senzala.
Sul21 – Como tu vês a lei sueca, que criminaliza a prostituição e seus clientes?
Monique – É outra situação. Entendo que não há suecas se prostituindo. Lá, há uma relação direta entre prostituição e tráfico de mulheres, especialmente romenas e latinas. Lembrando que a prostituição não é exclusivamente feminina. Seria bom se pudesse ser encarada como algo feito por mulheres e por homens também.
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Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.