Maciel Cover e Sérgio Botton Barcellos*
Após ser aprovado na Câmara dos Deputados, sob-relatoria da jovem deputada Manuela D’Avila (PCdoB/RS) o Estatuto da Juventude está em discussão no Senado Federal, na Comissão de Assuntos Sociais, que é presidida pelo Senador Paulo Paim (PT/RS). Depois de tramitar por mais algumas comissões no Senado, o texto irá para o plenário, e sendo aprovado, voltará para a Câmara dos Deputados, onde poderá tramitar em algumas comissões. Sendo aprovado na Câmara, o texto será sancionado e então a juventude brasileira terá, pelo menos em legislação, uma série de direitos próprios às pessoas entre 15 a 29 anos e o caminho para a criação de um conjunto de leis especificas que poderão auxiliar no desenvolvimento dos seus projetos de vida seja nas cidades, como no meio rural.
O texto que foi aprovado na câmara, intitulado PL 4592/04, e que no Senado é chamado de PL 98/2011 ainda pode ser aprimorado. O Estatuto da Juventude é a lei que deve auxiliar na consolidação dos direitos da juventude brasileira, junto com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 42/2008, mais conhecida como PEC da JUVENTUDE, que incluiu o termo JOVEM no Capítulo VII da Constituição Federal, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Para tanto, o Estatuto passará por discussões em audiências públicas com a sociedade civil e também debates previstos no plenário das casas legislativas nos estados.
No atual texto do Estatuto da Juventude, em relação à juventude rural existem duas menções: uma quando se refere ao transporte escolar, que é necessário, mas que remete a um projeto de esvaziamento das escolas do campo, e outro artigo que se refere à inserção produtiva da juventude nos mercados de trabalho e econômico.
Se pensarmos que é estratégico para o país ter um projeto de desenvolvimento social no qual viabilize os projetos de vida na agricultura familiar e camponesa, bem como que promova a soberania alimentar do povo brasileiro, faz-se necessário que o Estatuto tenha em seu conteúdo questões relativas ao: direito a terra; o fortalecimento da educação do campo; o apoio a uma agricultura livre de agrotóxicos; a consolidação de relações trabalhistas que promovam a dignidade dos assalariados rurais; o direito ao esporte, lazer, acesso a equipamentos culturais e a saúde apropriadas à diversidade dos modos e contextos de vida dos e das jovens que vivem no espaço rural brasileiro.
Evidencia-se que cerca de 2 milhões de pessoas deixaram o meio rural nos últimos anos (2000-2010), sendo que 1 milhão da população que emigra estão situados em outros grupos etários (crianças, adultos e idosos) e cerca de 1 milhão são pessoas em idade considerada jovem, isto é, metade da emigração do campo para a cidade é do grupo social etário considerado jovem. Segundo o PNAD (2011) das cerca de 8 milhões de famílias que residem no meio rural, 6,5 milhões sobrevive com até 3 salários mínimos e apenas 147 mil famílias sobrevivem com uma renda de mais de 10 salários mínimos e até mais de 20 salários. Trata-se apenas de um dos demonstrativos da desigualdade social que ainda temos no meio rural brasileiro.
Ainda, os índices mais baixos de alfabetização, de ensino formal e de acesso ao ensino superior estão entre os jovens do campo. A lógica de trabalho e de vida do campo é diferente da cidade, portanto deve ser respeitada e um projeto de educação formal que respeite e seja apropriado ao contexto de vida das pessoas deve considerar isso. A lamentável constatação de que nos últimos 10 anos foram fechadas mais de 37 mil escolas no campo, é um alerta para que se pensem meios institucionais de garantir o sistema público de educação do campo e não que os/as camponeses/as tenham que sair do meio rural para acessar o sistema de ensino. Desse modo, é essencial e necessário que o Estatuto da Juventude considere a interface e o fortalecimento da Educação do Campo.
A estatística e o reconhecimento de que somos o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo atinge diretamente os e as jovens do campo, que por falta de opção na maioria dos casos, muitas vezes são manipuladores/as e lidam diretamente com os venenos. Se a população de maneira geral consome em média5 litros anuais de agrotóxicos que estão inseridos na alimentação, podemos somar aos jovens do campo uma quantidade a mais, por trabalharem neste sistema. Assim, é importante que no Estatuto da Juventude, sejam observadas estas questões e que sejam formuladas iniciativas que permitam ao país uma transição para técnicas consideradas sustentáveis, dignas e saudáveis de produção agropecuária associadas à agroecologia.
Entende-se que seja necessário refletir e elencar alguns pontos para provocar o debate sobre o Estatuto da juventude e a juventude rural. Exemplo disso é que, por mais que a legislação trabalhista ofereça uma suposta proteção social aos trabalhadores rurais, os freqüentes casos de trabalho análogo a escravidão nos indicam que é necessário combater a desigualdade social, para que as pessoas não precisem se submeter a essa relação de trabalho. Dessa maneira, o Estatuto da Juventude poderia ser um instrumento jurídico, por exemplo, a orientar que todos os recursos recolhidos de multas trabalhistas dadas às empresas que estivessem explorando trabalho de maneira ilegal, fossem revertidos em políticas públicas para a juventude.
Que a juventude precisa ter voz, espaço e vez, isso também parece ser consensual e discurso de muitos (as), mas isso não será consentido ou dado, mas terá que ser disputado e conquistado nas mais diversas esferas da sociedade cotidianamente, inclusive nos governos, organizações e movimentos sociais. Esse processo terá que passar pelas organizações e movimentos sociais no sentido de indagarem-se sobre qual o grau de autonomia e organização política necessária a curtíssimo prazo, para gerar mobilizações e reivindicar um espaço mais apropriado que expresse as demandas do conjunto da juventude rural no Estatuto da Juventude.
Percebe-se que a conjuntura e o arranjo de forças políticas no governo, bem como o atual estágio de mobilização social na sociedade não possibilitarão um Estatuto com um conteúdo mais ousado, isto é, que seja um documento que remeta a questões de fundo, que desestabilizem o sistema social e econômico vigente que expulsa do campo, explora, oprime e mata a juventude. Ou ainda, ser um documento que assegure os percentuais e fundos orçamentários necessários, por parte do Estado, para políticas públicas de juventude efetivas. Todavia, garantir a aprovação deste Estatuto pode ser considerado um grande passo, de uma longa caminhada que ainda há pela frente, para que as e os jovens conquistem sua autonomia e emancipação em conjunto com outros grupos geracionais e sociais no Brasil.
*Maciel Cover faz doutorado em Ciências Sociais no PPGCS/UFCG-PB e atua na assessoria da Pastoral da Juventude Rural; Sérgio Botton Barcelos faz doutoradoem Ciências Sociaisno CPDA/UFRRJ e atua na assessoria da PJR.