O jornalismo catarinense televisivo peca pela indigência. Assisti ontem as notícias sobre a reunião do prefeito César Junior e a reitora da UFSC, Roselane Neckel, acerca da velha pauta da duplicação das ruas que dão acesso à UFSC pelo Pantanal e pela Carvoeira. Como sempre, a informação é totalmente desconectada da história. Não há contexto, não há recuperação do tema desde suas origens. O tom das reportagens passa a impressão de que a UFSC se nega a doar parte do terreno e, portanto, é contra o progresso da região e contra as pessoas que vivem em engarrafamentos gigantes.
Ora, a questão da duplicação das ruas de acesso à UFSC é um tema velho e muitos debates já foram feitos sobre isso. Estudos de todo o tipo já foram apresentados e a maioria deles mostra que duplicar as referidas ruas não resolve o problema. Quem circula pelas vias todos os dias sabe que, nos horários de pico, um via de cada ponto (Pantanal e Carvoeira) ficam entupidas. Se duplicarem e inverterem as mãos, duas vêm e duas vão, o resultado é zero a zero. De manhã serão duas vias entupidas e de tarde as outras duas. É uma coisa tão óbvia.
Também há estudos que propõe toda uma reformulação do entorno do campus, inclusive impedindo que os ônibus urbanos entrem na universidade. Haveria um terminal nas vias fora da UFSC. Outro absurdo completo, uma vez que tornaria a vida dos que não têm carro e precisam usar o transporte coletivo um verdadeiro inferno. Principalmente os alunos da noite que precisariam atravessar o campus nos seus pontos cegos, de escuridão. São coisas super malucas as propostas que já apareceram para “resolver” a situação caótica causada pelo binômio excesso de carros x falta de planejamento.
Durante as dezenas de debates que já aconteceram as soluções também foram apresentadas, principalmente pelas pessoas que sofrem o trânsito. Caso vingue a ideia de duplicação, uma das vias tem de ser só para ônibus, e precisa ter também uma boa ciclovia. É o único argumento válido para essa insanidade. Se uma das vias for exclusiva pode ser que as pessoas optem pelo ônibus e deixem o carro em casa. E numa faixa exclusiva os coletivos terão muito mais mobilidade. Também é loucura tirar os pontos de ônibus que estão espalhados pelo campus. Jogar para um ponto externo só traz benefícios para os que tem quatro rodas como pernas. A maioria dos estudantes terá mais problemas de locomoção, tendo de atravessar o campus inteiro para pegar o ônibus.
O que a UFSC quer, quando se nega a simplesmente entregar o terreno, é garantir que o projeto seja para garantir a efetiva mobilidade. O que não dá é trazer como argumento – como dizia uma repórter aparentemente indignada – o fato de que se não for assim “vamos perder 11 milhões do PAC”.
Ora, as pessoas não podem ser colocadas diante dos 11 milhões com a faca na cabeça dizendo: Ou usa-se agora ou não o teremos. Há que se pensar bem no uso desse dinheiro. Ele pode servir para engordar as empreiteiras e construtoras que estão sempre a mamar as verbas do governo, fazendo obras inúteis, ou a gente pode planejar bem o que realmente vai melhorar a vida de quem precisa circular na região do campus da UFSC. Se o dinheiro for embora, outro virá. Não é para isso que os governantes existem?
Então, por favor, não me venham com chantagens! Que os governantes as façam, isso não é novidade. Mas, ouvir os repórteres comprarem essa balela sem qualquer reflexão crítica é de matar. A função do jornalismo deveria ser a de mostrar toda a trajetória dessa polêmica e os projetos que foram produzidos, para que a população pudesse conhecer e julgar.
A UFSC nunca negou ceder o terreno.O que se quer é que essa cessão não seja apenas para resolver a vida dos gigantes do cimento. Ou a prefeitura apresenta um projeto realmente bom ou que fique como está. Porque, em Florianópolis, há uma estranha maldição. Toda vez que fazem uma grande obra para “melhorar”, assim, no afogadilho, a coisa piora. Vide o transporte “desintegrado”.
Que a população não se deixe enganar com as chantagens da mídia e do poder. A melhoria só pode vir se a cidade inteira optar por priorizar o transporte coletivo e o uso da bicicleta. E isso não pode ser feito com obras paliativas aqui e ali. A cidade toda tem de ser preparada isso. O que significa uma mudança radical em toda a engenharia de trânsito.
Mas, pelo que vejo, ninguém fala disso.
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