Brasileiros viram escravos na Itália

Missão do governo identifica que 10% das vítimas de tráfico de pessoas no país são exploradas em trabalhos domésticos

Renata Mariz

Brasília – Embora o tráfico de seres humanos esteja normalmente associado a atividades sexuais, a cada 10 brasileiros vítimas do crime na Itália, pelo menos um é explorado no trabalho doméstico em condições análogas à escravidão. A constatação preocupa a missão do Brasil que está atualmente em Roma e Milão para tratar do tema. De um total de 128 brasileiros que nos dois últimos anos receberam apoio do governo italiano por terem sido traficados, pouco mais de 10% cuidavam de afazeres domésticos dentro de residências em condições insalubres e sob ameaças. A maior parte atuava com programas sexuais.

O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, que integra a comitiva brasileira na Europa, explica que os casos de trabalho escravo em ambiente doméstico são ainda mais difíceis de combater. “As pessoas estão dentro de casas, de apartamentos, em um ambiente privado, em que o nível de dificuldade de detecção do problema é muito elevado”, destaca Abrão. Além dele, que representa o Ministério da Justiça, fazem parte da missão brasileira integrantes da Secretaria de Direitos Humanos, da Secretaria de Políticas para Mulheres, da Polícia Federal e do Ministério das Relações Exteriores.

A vulnerabilidade dos gays, lésbicas, travestis e transexuais foi outro ponto ressaltado durante as visitas que estão sendo feitas pelo grupo brasileiro na Itália. Em um relato colhido ontem, uma transexual de Foz do Iguaçu (PR), que se apresenta com o codinome Kelly por temer represálias, denunciou uma máfia que trafica travestis e transexuais de todo o mundo para a cidade de Pisa, na Região Central da Itália. Ela afirmou que o grupo tem gente em São Paulo e no Paraná. Devido às revelações, Kelly foi incluída em um programa de proteção do governo italiano.

No roteiro denunciado há retenção de passaportes, jornadas exaustivas, agressão, cárcere privado e repasse do dinheiro recebido. Kelly contou às autoridades brasileiras e italianas que chegava a trabalhar durante toda a madrugada. Embora soubesse, quando convidada para a Itália, que iria se prostituir, nunca imaginou que seria no regime de escravidão. “Parte das vítimas tem consciência de que prestará serviço sexual no outro país. A existência ou não do consentimento não vem ao caso. O que determina o crime de tráfico de pessoas são os fatos posteriores”, esclarece Abrão.

O Brasil já fez missões semelhantes em Portugal, Espanha e Suíça — países com grande número de vítimas identificadas, ao lado da Holanda. A Itália também está no mapa do tráfico de brasileiros para fins de exploração sexual ou trabalho escravo. A comitiva do Brasil discutirá ações conjuntas com as autoridades italianas para fechar o cerco contra o crime. As 128 vítimas brasileiras identificadas nos últimos dois anos no país europeu, explica Abrão, foram resgatadas em ações policiais da Itália, que oferece apoio a elas. “Já temos uma parceria intensa, mas vamos fechar outras questões”, diz. Hoje, a missão continuará os trabalhos em Milão.

Ditadura Parte da missão brasileira se ocupará da digitalização dos arquivos da Fundação Lelio e Lisli Basso, criada na Itália em 1973, sobre a ditadura militar no Brasil. No período, organizações internacionais começaram a relatar violações de direitos humanos no país em documentos preservados pela fundação. Entre outros, há relatórios do Tribunal Russell 2 (criado na década de 1970 para denunciar regimes totalitários na América Latina), do 1º Congresso Nacional da Comissão Brasileira pela Anistia (realizado em São Paulo em 1978) e do Tribunal Permanente dos Povos. O acervo ficará disponível ao público e deve ser guardado no Memorial da Anistia, que será construído no Bairro Santo Antônio, Zona Sul de Belo Horizonte.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.
http://impresso.em.com.br/app/noticia/cadernos/politica/2013/03/01/interna_politica,69033/brasileiros-viram-escravos-na-italia.shtml

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