por Raquel Rolnik*
Na semana passada, o governo de Honduras assinou um acordo com uma empresa dos EUA para iniciar a construção das chamadas Regiões Especiais de Desenvolvimento. Na prática, o governo está entregando estas áreas para empresas transnacionais estrangeiras que nelas deverão construir “cidades modelo”, ou “charter cities”.
Trata-se de áreas “recortadas” do espaço institucional e político do país, convertidas em uma espécie de território autônomo — com economia, leis e governo próprios — totalmente implementado e gerido por corporações privadas. Idealizado por um pesquisador norte-americano, este modelo de cidade foi recusado por muitos países, inclusive pelo Brasil — Ufa! — antes de ser aceito em Honduras, através de uma mudança da Constituição aprovada em janeiro deste ano.
Organizações da sociedade civil, incluindo grupos indígenas cujos territórios podem estar inseridos nas zonas “liberadas”, vêm criticando o projeto, que consideram catastrófico, e já acionaram a Suprema Corte de Honduras, alegando inconstitucionalidade.
Versão extrema de um liberalismo anti-Estado e pró-mercado, o fato é que este modelo, na verdade, exacerba uma lógica privatista de organização da cidade, já presente em várias partes do Brasil e do mundo, como é o caso dos condomínios fechados, das leis de exceção vigentes sobre áreas onde se realizam megaeventos esportivos, dos modelos de concessões urbanísticas, entre outros exemplos possíveis.
A ilusão de uma sociedade sem Estado, teoricamente livre da burocracia, da corrupção e do abuso de poder, é na verdade a ditadura do consumo e do poder absoluto do lucro sobre a vida dos cidadãos. Imagina se essa moda pega…
*Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.