Neste ano, dezenas de haitianos atravessaram 4,1 mil km de Brasileia, no Acre, a Encantado, no Rio Grande do Sul, para onde foram recrutados a trabalho. Mas esse é apenas um dos caminhos percorridos pelos caribenhos, que se espalharam pelas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. No primeiro semestre, 2.311 haitianos entraram no mercado de trabalho brasileiro de forma legal. Esse número de autorizações de trabalho para haitianos foi 424% maior que em igual período de 2011, segundo o Ministério do Trabalho (MTE). Tudo indica que a experiência tem sido positiva.
Na Odebrecht, 133 haitianos trabalham hoje na construção das usinas hidrelétricas de Teles Pires e Santo Antônio. Já em Encantado, cidade a 148 km de Porto Alegre, uma cooperativa de agricultores espera desde março cerca de oitenta haitianos para trabalhar no abate de suínos e na industrialização de produtos alimentícios.
A chegada desse contingente levou empresas de vários Estados ao Acre e Rondônia, principais portas de entrada dos haitianos, na tentativa de recrutar os trabalhadores. A procura foi tão grande que a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) do Acre criou um cadastro de empresas à espera dos imigrantes. Segundo Nilson Mourão, responsável pela pasta, 37 trabalhadores do país caribenho estão “disponíveis”, mas seu encaminhamento não é arbitrário.
A Sejudh exige que haja uma apresentação das condições do trabalho oferecido e há uma avaliação sobre a compatibilidade do perfil dos trabalhadores com as vagas. Em contrapartida, o governo brasileiro facilitou a concessão de vistos humanitários a esses haitianos, o que lhes permitiu tirar CPF e carteira de trabalho. “Nós apenas recebemos as empresas. Elas precisam vir aqui [ao Acre], entrar em contato direto com os imigrantes e conversar sobre o trabalho, salários, condições de habitação e responder às suas perguntas. Também cabe a elas providenciar o envio de passagens e conduzir os haitianos até o local de trabalho”, explica Mourão.
De acordo com o secretário, a Sejudh notifica o MTE sobre as contratações realizadas e não é raro que os próprios Estados busquem informações sobre essas contratações. “Em julho, recebemos uma delegação de parlamentares do Rio Grande do Sul que vieram identificar as empresas do Estado que contrataram haitianos para verificar, lá, se não há exploração dos trabalhadores”, diz.
A construção civil é o destino da maior parte dos haitianos que chegaram ao Acre. Em março deste ano, a mineira Urb Topo foi até o Estado recrutar 28 haitianos para a construção de uma galeria para uma fábrica de cimentos em Cuiabá. O salário médio na obra era de R$ 750, equivalente ao de qualquer brasileiro que exercesse a mesma função – na maioria, ajudantes de pedreiro. Os trabalhadores também não precisavam ter gastos com alojamento e alimentação.
O calor e a vontade de trabalhar em grandes centros urbanos fez com que apenas dez entre os 28 haitianos concluíssem a obra, em junho, conta Áureo César, gerente de recursos humanos da empresa. Mas esse abandono parece ser a exceção. César diz que a adaptação ocorreu bem, mas a empresa não teve onde absorver os trabalhadores após o fim do serviço. “Recebi ligações de empresas perguntando como eles eram. Sempre disse que, na média, eram profissionais muito mais responsáveis que os brasileiros. Se tivesse onde alocá-los, eu os contrataria”, afirma.
Desde janeiro, 222 haitianos foram incorporados às obras do Grupo Odebrecht pelo país. Apenas para as usinas de Teles Pires, no Mato Grosso, e Santo Antônio, em Rondônia, 142 foram contratados, dos quais nove desistiram, restando hoje 133 nas duas obras. A empresa foi até Brasileia, no Acre, onde os haitianos se concentraram aos cuidados da Sejudh, fazer apresentações sobre o trabalho que tinham a oferecer e alertar para alguns inconvenientes das obras. “Precisamos explicar todos os detalhes. Enfatizamos, por exemplo, o fato de Teles Pires ser uma obra interiorizada. A cidade mais próxima da obra está a 140 km”, diz Enio Silva, diretor de pessoas e organização da Odebrecht.
A empresa adaptou um programa de formação que já era usado antes em outros canteiros do país para capacitar como pedreiros e carpinteiros os haitianos que se destinavam à construção das usinas. Houve um cuidado com o aprendizado do idioma, que no início representava uma dificuldade na adaptação. “No treinamento do português, usamos tudo o que faria parte do seu dia a dia de trabalho: placas de sinalização, equipamentos de segurança, ferramentas de trabalho”, explica Silva.
A adaptação ao novo país, ao emprego e ao idioma não foram impedimento para que os haitianos se destacassem. Em três meses, alguns começaram a ser promovidos. Desde janeiro, 23 subiram de cargo – o que representa 17% do total de haitianos no grupo.
O salário inicial nessas obras está em torno de R$ 900, segundo Silva, mas o haitiano Jean Emile Despeignes, de 30 anos, que já tinha trabalhado como encanador na República Dominicana antes de chegar ao Brasil, recebe cerca de R$ 1,5 mil, dos quais envia mensalmente R$ 1 mil para sua família no Haiti, onde estão seus dois filhos. Despeignes atravessou a fronteira do Peru com o Acre pagando US$ 200 dólares a um coiote. “Voltar? Eu penso em voltar para visitar minha família, que deixei lá, mas vou ficar aqui no Brasil para prestar serviço. Trabalho para ajudar a minha família”, diz, ainda com uma pequena dificuldade no idioma.
O trajeto da maior parte dos haitianos que chegaram ao Brasil pela região Norte começa na República Dominicana, país que faz fronteira com o Haiti. Os caribenhos desembarcam em Lima, capital peruana, de onde seguem por via terrestre até Iñapari, cidade localizada na fronteira tripla entre Bolívia, Peru e Brasil. A passagem para o território brasileiro muitas vezes é conduzida pelos coiotes, como o que levou Despeignes ao Acre.
Mourão, secretário de direitos humanos no Estado, diz que essa rota foi fechada desde que o governo brasileiro cessou a concessão de visto a haitianos na fronteira. Segundo a orientação, todo o processo deve ser conduzido na capital do país, Porto Príncipe. No entanto, ele conta, mais de cem haitianos estão sem assistência à espera de liberação na fronteira peruana, já que não têm autorização para fazer a travessia.
Enquanto isso, Sandra Lucca, supervisora de recursos humanos da Dália Alimentos, indústria localizada em Encantado (RS), aguarda o chamado da Sejudh do Acre para recrutar haitianos. Foi no boca a boca que ela soube que empresas da região tiveram sucesso com essa experiência. Sua cooperativa, que tem 1,6 mil funcionários, encabeça a lista de espera da secretaria. “Não temos disponibilidade de mão de obra na região. Nossa cidade tem em torno de 22 mil habitantes, mas outras grandes empresas estão por perto disputando a mão de obra disponível. Por isso, tentamos fora do Estado”, diz.
São 80 vagas oferecidas para trabalhar no abate e corte de suínos para exportação. Uma unidade distinta da empresa oferece trabalho na industrialização de leite em pó. “Para esses postos, há uma exigência de qualificação maior, pois é necessário o manejo de máquinas, mas temos disponibilidade para treinar esse pessoal”, diz Sandra. Ainda assim, ela está à procura de profissionais desde março.
Na mesma situação está Edson Dias, diretor da Vila Nova Construtora, da região metropolitana de Curitiba. “Empresas da região me indicaram a contratação de haitianos. Fui até Porto Velho, mas eles já tinham sido contratados”.
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http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=70033
Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.