Hoje, a mercantilização da vida e a financeirização da natureza manifestam-se como expressões do capitalismo neoliberal que, em escala mundial, avança violentamente sobre as populações, cerceando seus direitos, impedindo o acesso ao meio ambiente saudável necessário à sua sobrevivência e reprodução e provocando a desterritorialização. Trata-se de um sistema que depende da ampliação das desigualdades de classe, gênero, raça e etnia para garantir a sua acumulação. Em nome do acúmulo de poder e riqueza, corporações industriais e financeiras se colocam acima do Estado de direito, pressionando para que sejam efetivadas mudanças nas legislações e a criação de políticas públicas em países e setores que possibilitem o desenvolvimento de novos mercados.
No Brasil, observamos a vigência deste modelo historicamente imposto, principalmente, pelas Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), com a conivência das elites nacionais. Neste sentido, as IFMs travaram esforços para garantir a desregulação e privatização das políticas públicas, o consequente esvaziamento dos espaços representativos e participativos e a perda de direitos fundamentais da população. Esta situação se aprofunda nas diversas esferas políticas e áreas de atuação das organizações-membro da Rede Brasil, como a saúde, educação, meio ambiente, cultura, comunicação e outros direitos, como energia, saneamento, habitação, transportes e etc.
A recente aprovação do novo Código Florestal é um exemplo emblemático dessa perversa lógica. Além de legalizar a expansão criminosa do agronegócio, hidronégocio e da pecuária, cria instrumentos, a favor do lobby ruralista, para a especulação da natureza, como a criação de títulos de compensação pela destruição da biodiversidade (os Certificados de Reserva Ambiental – CRA). Trata-se de um precedente perigoso que se reproduz agora em novas leis em tramitação, como o marco regulatório da mineração, os projetos de leis sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) e Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). Estas legislações se relacionam com a ampliação de negócios econômicos e financeiros calcados na compensação pela degradação socioambiental via mercantilização do ar, água, biodiversidade e até de valores culturais na forma de papéis negociados nas bolsas de valores. Este processo só se faz possível através do aprofundamento das relações de expropriação e exploração, do aumento da dependência das populações ao mercado e do aprofundamento da criminalização da resistência.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se apresenta como um ator central no atual padrão de acumulação no Brasil, sendo responsável pelo conjunto de violações de direitos associados aos megaprojetos e pelos conflitos socioambientais em todas as regiões do Brasil e de outros países, notadamente na América Latina e Caribe e na África Lusófona. Paralelamente, os fundos e produtos verdes, lançados como parte da política socioambiental do BNDES, estão em consonância com as diretrizes financeirizadoras do clima e da natureza, também propagadas pelo Banco Mundial.
Internacionalmente, as IFMs se fortalecem e se capitalizam com o aprofundamento do processo neoliberal. Apesar de estarem na causa das crises, elas apresentam ao mundo as mesmas falsas soluções já experimentadas nos países do Sul Global. Tanto é que, hoje, na Europa, a política está sendo substituída e sequestrada pelo FMI e pelo sistema financeiro em espaços que definem, de forma assimétrica, a política econômica global, como o G20. Ao mesmo tempo, as IFMs renovam constantemente o seu papel em países como o Brasil. Atualmente, priorizam empréstimos diretos aos estados e municípios e o investimento em assistência técnica aos Ministérios e outros órgãos da União, de modo a formatar os conceitos, as metodologias e as políticas a serem implementadas pelo Estado. A “economia de baixo carbono” proposta pelo Banco Mundial e os empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para as políticas urbanas são alguns exemplos.
É nesse contexto que a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais reafirma, como horizonte estratégico da sua atuação, o enfrentamento das instituições financeiras no coração do capitalismo como parte da luta contra hegemônica por transformação social.
Tendo como paradigma transversal a defesa e promoção dos direitos e a justiça ambiental, reconhecemos ser fundamental o combate ao patriarcado e ao racismo, que estruturam as possibilidades de exploração capitalista.
Celebramos assim, a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) sobre a determinação de paralisar as obras de Belo Monte, que receberia o maior empréstimo da história do BNDES. Esta atitude evidencia a necessidade de se fazer cumprir a legislação em vigor e reconhecer os direitos dos povos indígenas, constantemente flexibilizados no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A Rede Brasil declara-se solidária à luta das populações indígenas e tradicionais na defesa de seus direitos coletivos sobre a terra e o território, assim como dos movimentos urbanos em luta por dignidade e contra os despejos forçados. Portanto, rechaçamos também as afrontas federais aos direitos territoriais dos povos realizadas por meio de manobras como a PEC 215 e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU).
Reivindicamos a urgente reconfiguração dos espaços políticos deliberativos, que devem ser ampliados e qualificados para garantir a capacidade da sociedade organizada de constranger e confrontar o modelo hegemônico violador e negador de direitos, além de disputar o papel do Estado no sentido de promover mudanças, por exemplo, nas políticas que regulem o sistema financeiro, e não o contrário.
Colocamo-nos como ator político disposto a continuar somando forças com os coletivos que realizam mobilização social na defesa de um projeto de sociedade que promova a distribuição dos recursos públicos de forma descentralizada e que valorize as experiências contra hegemônicas como modos de existência.
Desse modo, a Rede Brasil reafirma, neste período de convergência das lutas populares, a incidência sobre o Financiamento ao Desenvolvimento como o objeto central da sua atuação, através do monitoramento, reflexão crítica e mobilização frente:
1) a todos os impactos e violações de direitos causados pelos projetos e políticas das IFMs e do BNDES, fortalecendo as lutas populares pelos Direitos Humanos e da Natureza e por Justiça Ambiental;
2) ao impacto das Instituições Financeiras e do BNDES sobre a formulação e influência nas políticas públicas nacionais e na economia global que resultam no aprofundamento do modelo neoliberal e consequentes crises sistêmicas e oportunidades de acumulação financeira;
3) à financeirização da vida através da economia verde, com consequências nas disputas territoriais, e à privatização dos direitos e espaços públicos;
4) aos megaeventos e megaprojetos industriais e urbanos, fortalecendo a mobilização das comunidades atingidas, em especial do setor extrativo/mineiro e energético, no Brasil e América Latina;
5) à criminalização de todas as formas legítimas e justas de resistência e enfrentamento às violações sistemática de direitos.
Diante do exposto, a Rede Brasil assume o compromisso de:
– envolver e sensibilizar seus membros através de estratégias políticas de comunicação, formação, mobilização, descentralização, regionalização e troca de experiências;
– fortalecer o processo de mudança e repactuação política interna;
– fortalecer o processo de convergência das lutas sociais no Brasil.
Entendemos que a resistência contra hegemônica ao sistema financeiro no atual modelo de desenvolvimento e o monitoramento crítico das instituições financeiras, nos 17 anos de atuação da Rede Brasil, têm somado às lutas por direitos e transformação social em um caminho por mudança nos rumos do país. Nesse sentido, juntamos forças às experiências de agricultura familiar, agroecologia, turismo comunitário, economia justa e solidária e outras que integram as lutas pela garantia de direitos à vida, terra, água e território. Unimo-nos às agricultoras e agricultores familiares, populações tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, povos que sofrem com a exploração do trabalho, que são vulnerabilizados pela violência e confinados às periferias das cidades, mulheres, estudantes, servidores públicos e tantos outros que permanecem escrevendo a história de resistência contra a mercantilização da vida.
Luziânia, 17 de agosto de 2012
Organizações e coletivos da sociedade civil presentes na IX Assembleia da Rede Brasil:
* Organizações-membro da Rede Brasil:
01 – Ação Educativa
02 – Amigos da Terra Brasil – ATB
03 – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT
04 – Associação Brasileira de ONGs – Abong
05 – Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – Abia
06 – Associação Civil Alternativa Terrazul
07 – Associação Global de Desenvolvimento Sustentado – AGDS
08 – Attac Brasil
09 – Care Brasil
10 – Centro de Assessoria Multiprofissional – Camp
11 – Centro de Cultura Luiz Freire
12 – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Acre – Cddhep
13 – Centro de Estudos Ambientais – CEA
14 – Centro de Pesquisa e Assessoria – Esplar
15 – Centro Josué Castro
16 – Coletivo Leila Diniz
17 – Confederação Nacional dos Bancários – Contraf/CUT
18 – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação – CNTE
19 – Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro – Corecon/RJ
20 – Ecologia e Ação – Ecoa
21 – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase
22 – Federação Nacional dos Urbanitários – FNU
23 – Fórum da Amazônica Ocidental – Faoc
24 – Fórum da Amazônia Oriental – Faor
25 – Fórum Brasileiro de Orçamento – FBO
26 – Fórum de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Mato Grosso do Sul – Formads
27 – Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará
28 – Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad
29 – Fundação Viver Produzir e Preservar – FVPP
30 – Greenpeace
31 – Instituto Brasil Central – Ibrace
32 – Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas – Ibase
33 – Instituto de Estudos Sócio-Econômicos – Inesc
34 – Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana – IPEH
35 – Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul – Pacs
36 – Instituto Mais Democracia
37 – Instituto Pólis
38- Instituto Socioambiental – ISA
39 – Instituto Terramar
40 – International Rivers
41 – Justiça Global
42 – Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
43 – Movimento de Articulação de Mulheres da Amazonia – Mama
44 – Rede Alerta Contra o Deserto Verde
45 – Rede Cerrado
46 – Rede Mata Atlântica
47 – Rede Pantanal
48 – Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
49 – Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro
50 – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém
51 – Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia – Só Direitos
52 – Terrae Organização da Sociedade Civil
53 – Visão Mundial
* Organizações convidadas:
01 – Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa – Ancop/Comitê DF
02 – Conselho Indigenista Missionário – Cimi
03 – Fern
04 – Fundação Heinrich Böll
05 – Fundação Friedrich Ebert – FES
06 – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – Ippur/UFRJ
07 – Ministério Público Estadual – MPE-PA
08 – Oxfam
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