Para manter nota alta no Enem, escolas de BH pedem que pais transfiram de instituição estudantes com baixo rendimento. Especialista condena a prática e diz que para o jovem é um trauma
Junia Oliveira
O discurso é de combate ao bullying, formas de violência física, verbal e psicológica, mas em Belo Horizonte escolas particulares estão esquecendo o que ensinam em sala de aula para pôr em prática uma realidade de pressão e cobrança sem limites. A linha tênue entre a indisciplina e a deficiência de aprendizagem é a principal defesa de diretores e orientadores que, diante de estudantes com baixo rendimento escolar, “convidam” os meninos a deixar as instituições. Pais e profissionais da área de educação denunciam: a prática é comum nas escolas que figuram no ranking das melhores da capital, segundo as avaliações de desempenho promovidas pelo governo federal. Em nome da qualidade, excluem os alunos com as menores notas. Especialistas alertam que as consequências psicológicas são graves.
O Estado de Minas recebeu denúncias de vários pais – para não expor os filhos, preferiram o anonimato ou optaram por não citar o nome das instituições. O empresário Roberto Francisco de Souza relata como a orientadora de um dos colégios considerados “modelo” revelou a seleção interna dos estudantes. Depois de vários problemas com professores, ele decidiu tirar a filha, na época com 11 anos, da escola. A mulher, sem entender os motivos, disparou: “Aqui selecionamos sim os alunos e aqueles que não servem para nós convidamos a sair. A gente mostra que aqui não é o lugar dele. Não estou entendendo a sua atitude porque este não é o caso da sua filha”.
A pedagoga Jane Patrícia Haddad afirma que a maioria dos casos atendidos hoje na sua clínica é de estudantes excluídos pela escola. Nos últimos dois anos, ela calcula um aumento de pelo menos 40% na procura. Segundo Jane, a prática ocorre em maior proporção nas escolas que mantêm lista de espera e naquelas pertencentes ou ligadas a entidades religiosas. As consequências são terríveis, indo de pais que não encaram mais o filho, adolescentes que se agarram às drogas na tentativa de aliviar a pressão e até meninos que atentam contra a própria vida.
“Nossa educação está diante de um grande dilema. Ou vai atender totalmente o mercado e, com isso, tratar os alunos como objetos, ou ela convoca a família a pensar junto. Está na hora de nos perguntarmos qual o papel das escolas. E por que se fala tanto em parceria escola-família? Realmente ela ocorre?”, questiona Jane. “Venho me deparando com crianças que têm tudo materialmente, sem contar suas agendas cheias de aulas particulares, psicólogos e tantas outras atividades ou encaminhamentos feito pela escola. A questão é: por que crianças e jovens ‘não aprendem’? Eles não aprendem ou não querem apreender? Percebo uma ausência de sentido de vida para eles.”
ENEM – Para a pedagoga, os filhos se veem forçados a atender um desejo dos pais e, muitas vezes, são malsucedidos nessa tarefa. “Um rótulo colado numa criança pode miná-la para o resto da vida”, adverte. Ela lembra que a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é o novo filão dos estabelecimentos de ensino. “Uma escola que classifica alunos entre bom/ruim, fraco/forte, certo/errado e exige deles resultados quantitativos não sabe dizer a que veio”, ressalta.
A psicóloga Cristina, de 43 anos, tirou o filho, hoje com 14 anos, de uma escola religiosa quando ele estava no 5º ano do ensino fundamental por causa da dificuldade do menino em acompanhar o ritmo e da falta de atenção da equipe de educadores. Recentemente, ela evitou novo problema, ao assistir a uma palestra para o exame de seleção de outro conceituado colégio situado em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH.
“Uma das coisas que ressaltaram é a posição da escola no Enem e a importância de subir nesse ranking. Com isso, perde-se o foco de ensinar o aluno e investir na formação humana. Jogam uma série de conteúdos em cima dos meninos e não têm o menor interesse em olhar para quem não está nesse perfil”, relata. “Muitos pais querem que a criança continue naquela escola mesmo sofrendo, porque o nome daquela instituição no âmbito social é muito importante. Mas essas crianças e adolescentes acabam se tornando extremamente ansiosos e perdidos, assim como os pais. E a escola, no fim, fica como se não tivesse culpa de nada.”
EXCLUSÃO – Relatos de estudantes mostram que o convite para deixar a escola é uma prática conhecida e se tornou uma espécie de “submundo” dentro das próprias instituições. Não faltam alunos que dizem saber da existência, mas nunca terem se deparado com um caso concreto. Na maioria das vezes, tudo é feito de forma velada. Num telefonema ou numa conversa pessoal, os pais são surpreendidos pela fala dos educadores de que o filho vem apresentando rendimento abaixo do esperado. Algumas vezes, a notícia é associada ao anúncio de uma dispersão durante as aulas ou desatenção. Por fim, o ultimato: para não perder o ano, o melhor é transferir aquele estudante “para uma escola onde ele possa se desenvolver melhor”.
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Achei pertinente e realista esta reportagem.
Estou passando esta situação no colégio modelo Pedro II em BH, o qual só me apresenta problemas do meu sobrinho (q é como meu filho).
O colégio tentou expulsá-lo de forma velada, inventando que o colegiado havia assim decidido. Contudo, tal voto nao foi realizado de forma licita e eu não aceitei.
Meu sobrinho nao é nenhum aluno brilhante, ele esta longe disto, mas nao vejo o colégio, em momento algum se empenhando em ensinar, em ajudar, em cumprir o papel de escola.
Ele tem sérios problemas de comportamento, mas ele carrega um histórico familiar pesado e faz acompanhamento psicológico. Ele tem apoio em casa e eu o acompanho semanalmente na escola.
É um menino que nao da nenhum trabalho em casa, só na escola que se sente rejeitado desde o primeiro dia de aula, é que nao estuda.
Nao sei qual postura adotar diante desta escola, que ao se deparar com um aluno que precisa de apoio, simplesmente opta por expulsá-lo e nem ao menos tenta ajudá-lo.