A falta que eles fazem

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas ocupa terreno na Vila Pinho: política de primeira classe

João Paulo

O começo da campanha eleitoral tem mostrado que o debate público foi totalmente tantalizado pelas estratégias da mídia. Não há política, há política midiática. A situação é gravíssima, sobretudo num tempo de grande desprestígio da política e das questões sociais. Num cenário de desmobilização, a substituição dos debates pela lógica do espetáculo, que em última instância toca as campanhas adiante, pode entronizar o reino do cinismo sob a capa do realismo eleitoral. Já que todos mentem e o discurso precisa ser avaliado por sua eficácia, vale a mentira mais bem embalada.

Há um mal-estar na política. A má notícia é que está apenas começando, com tendência a se ampliar à medida que as novas gerações forem sendo alimentadas num contexto de corrupção e impunidade. Mas há uma boa notícia decorrente da situação. Como no campo da psicologia o mal-estar cobra do sujeito projetos de superação do caos aparente, o descrédito com a política tradicional pode incentivar novos modos coletivos de subjetivação.

O casamento recente entre meios de comunicação e política, que no primeiro momento se alimentava no poder democratizante da imprensa, foi se tornando um espetáculo voltado para a competição. As eleições, hoje, em seu enquadramento midiático, são cobertas como shows, com scripts previsíveis, pautas artificiais, jogadas de efeito. Sai o jornalismo e entram os animadores de auditório, deixam a cena os assessores políticos para dar lugar aos marqueteiros, o conteúdo é desbancado pela forma.

A opinião pública, entendida classicamente como um consenso instável entre os vários discursos ativos na sociedade, migrou dos grupos sociais para os meios de comunicação e destes para o jogo de interesses econômicos e políticos que sustentam a própria mídia.

O caldo indistinto de opiniões servidas ao público, nesse sentido, além de não qualificar o debate, cria um jogo maniqueísta entre o moderno e o arcaico, ditado por valores ideológicos que são tomados como verdadeiros. Todos conhecem os comentaristas que vocalizam o que querem que seja a opinião pública. Não é outro o motivo do divórcio entre imprensa e sociedade, que faz mal para os dois lados. O público não se reconhece no que vê nos meios de comunicação; a imprensa perde prestígio e poder de mobilização.

Na Europa

Nesse processo, mais que discutir projetos ampliados e grandes linhas políticas (esquerda e direita, liberdade e igualdade, revolução ou reforma, social ou econômico) talvez seja o momento de recuperar os atores que ficaram de fora do debate. Excluídos por um jogo perverso que os criminaliza de forma despudorada, os movimentos sociais são hoje o único caminho viável para a repolitização responsável e plural da sociedade brasileira.

E não só no Brasil. Na Europa, como identificou recentemente o filósofo Jürgen Habermas, no livro Sobre a constituição da Europa, a crise surge para o cidadão quase sempre estirpada de seu contexto, como se se tratasse apenas de uma decisão técnica mais ou menos sofisticada. Talvez por isso, diagnostica Habermas, “falte ar” para a política no que concerne a projetos tão amplos como a unificação do continente. E receita: “Talvez as motivações por ora ausentes possam apenas ser geradas de baixo, a partir da própria sociedade civil”.

O que se percebe hoje na Europa é uma crescente dificuldade entre a articulação de projetos nacionais e da Comunidade Europeia. No caso das crises, tanto os países que sofrem, como a Grécia e a Espanha, como os que sustentam a política econômica na Zona do Euro, trocam a perspectiva comunitária pelo antigo nacionalismo. Os países em crise não querem se submeter ao receituário recessivo que sempre prodigalizaram ao Terceiro Mundo; os países ricos não se sentem comprometidos em ajudar seus pares da CE, em razão da pressão interna e de seus próprios calendários eleitorais e de seus pagadores de impostos.

Cá entre nós

O que a situação política da Europa tem a ver com a eleição municipal brasileira? Há pelo menos dois vínculos importantes, um teórico e outro prático. No campo da teoria, o que se passa na Europa e no chamado Primeiro Mundo é o mesmo que se observa no Brasil. Vivemos, cá como lá, uma recomposição dos valores sociais e, com isso, de sua tradução no processo político convencional.

A descrença na política como instrumento por excelência de aprimoramento social é um sintoma grave da crise do modelo econômico que, nas últimas décadas, prescindiu de apoio popular. O neoliberalismo, hoje, não é apenas inviável, mas irresponsável. A crise mostrou que sua face mais severa, que é piorar a vida dos pobres, já foi ultrapassada e hoje marca a classe média, que não mais se reconhece em suas bandeiras de véspera (como acusar o sistema de proteção social de onerar a sociedade).

A similitude prática entre Europa e Brasil é mais prosaica: somos, hoje, contemporâneos dos mesmos problemas. Durante muitos anos, havia uma gradação que dividia o mundo. O que valia para a Europa não se aplicava nos países do Terceiro Mundo. Para ficar no mesmo exemplo das políticas de proteção social, o que era consentido nos países centrais (gastos de até 20% do orçamento público) caía significativamente (para menos de 4%) quando se tratava de países pobres que queriam receber recursos de fundos como o FMI. Hoje, como se vê, a política previdenciária e de saúde pode decidir a eleição nos EUA.

Nossa eleição municipal de Belo Horizonte e dos municípios mineiros carrega todas essas consequências. Não se trata de decisão menor ou subsidiária, mas de processo político que responsabiliza toda a nossa carga de civilização, afinal, é na cidade que a vida anda. Por isso, a recuperação do verdadeiro jogo político passa pela valorização das novas bandeiras e pela incorporação dos verdadeiros atores da sociedade. A dor da gente não sai no jornal.

Quem quiser fazer política pode dar um tempo na mídia de espetáculo e nos comitês de campanha, nos horários de TV e rádio, nos comentaristas manjados que se exibem em sua miopia antipática e procurar sua turma no olho da rua. É lá que tudo começa e acaba.

Os movimentos sociais podem salvar a pátria.

http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/pensar/2012/08/25/interna_pensar,48286/a-falta-que-eles-fazem.shtml

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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