A prefeitura de Belo Horizonte pretende “desconcentrar” a cidade, através da permissão de verticalização em outras áreas, criando opções de comércio e serviços. Em tese, a criação ou reforço de novas centralidades é alternativa recomendável. No entanto, a população teme que as alterações propostas sirvam, mais uma vez, à especulação imobiliária e consequente adensamento dessas regiões, intensificando os problemas de tráfego e a demanda por serviços públicos, hoje insuficientes. O artigo é de Jurema Rugani.
Jurema Rugani (*)
Em 2010, após décadas de verticalização e adensamento resultantes de permissiva legislação urbanística, a revisão do Plano Diretor – lei 9.959/2010 – de Belo Horizonte estabeleceu coeficientes de aproveitamento mais restritivos, num esforço para controlar o crescimento da cidade. Carente de um sistema de transporte público eficiente e de equipamentos públicos de saúde e lazer em escala compatível, o município se ressente da excessiva dependência em relação à região do centro tradicional, área correspondente ao projeto original de Aarão Reis para a cidade fundada em 1897. Dotada da melhor infraestrutura urbana do município e bem servida de equipamentos sociais, não é por acaso que a região centro-sul, articulada em torno do hipercentro, seja ainda tão atrativa aos investimentos imobiliários, resultando na paisagem verticalizada dos nossos dias.
Agora, a administração pública pretende “desconcentrar” a região, através da permissão de verticalização em outras áreas da cidade, criando opções de comércio e serviços. Em tese, a criação ou reforço de novas centralidades é alternativa recomendável, visando ao equilíbrio das funções e atividades urbanas. Devemos nos perguntar, porém, se as condições básicas para essa descentralização ou “desconcentração”, como quer a prefeitura, estão sendo observadas.
Durante as reuniões públicas dos planos diretores regionalizados (confira neste endereço) – cuja falta de ampla divulgação recebeu duras críticas da sociedade – os representantes das associações de bairros e entidades deixaram claro o desejo de conhecer e participar do processo de discussão e projeto das áreas destinadas às operações urbanas consorciadas, definidas ao longo dos principais corredores de transporte desde a última revisão do plano diretor. E foram explícitos quanto às demandas de cada bairro, priorizando serviços e equipamentos sociais, apesar de os técnicos da prefeitura sempre repetirem que aquelas reuniões não se destinavam a reconhecer esse tipo de demanda, mas apenas onde se poderia adensar e preservar. Com segurança, praticamente toda a população presente às reuniões manifestou-se contrária a novos adensamentos em suas regionais, por razões já conhecidas: falta de transporte adequado e mobilidade, serviços e equipamentos sociais insuficientes ou inexistentes, e compromisso quanto à identificação e proteção do patrimônio ambiental e cultural local.
Na Audiência Pública realizada em 28 de junho deste ano, foi apresentado pela secretária municipal adjunta de Planejamento Urbano, Gina Rende, um sumário da metodologia e a relação das reuniões realizadas nas regionais, sendo omitidos os resultados – diagnósticos e proposições, que receberam significativas contribuições da sociedade.
Importante ressaltar que a proposta do Executivo apenas abre a possibilidade de “junto a grandes edifícios residenciais, construírem-se opções de comércio e serviços em geral” (Estado de Minas. Prefeitura quer mais arranha-céus na capital. 23/07/2012). Quem garante que os diversos serviços e equipamentos reclamados pelos bairros e regionais serão implementados? Ao que se sabe, não foi manifestado pela administração, em nenhum momento, a intenção de construir hospitais, escolas, praças (apenas no Barreiro está sendo construído um centro hospitalar); fala-se apenas em centros de compras, o comércio comum que normalmente se encontra associado aos usos mistos. A população teme que as alterações propostas sirvam, mais uma vez, à especulação imobiliária e consequente adensamento dessas regiões, intensificando os problemas de tráfego e a demanda por serviços públicos, hoje insuficientes.
Tem razão o temor da sociedade. Sob o pretexto da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em 2011 o Executivo conseguiu aprovar uma “flexibilização” da lei de uso e ocupação do solo, aumentando o coeficiente de aproveitamento para até 5, sem deixar claros os limites para sua aplicação. Embora (sob a pressão da sociedade) recuando do texto original, o Executivo tem aprovado, em repetidas condições de excepcionalidade, diversos projetos em áreas de proteção ambiental e em ADEs [Áreas de Diretrizes Especiais], cujos parâmetros mais restritivos não permitem a construção de edificações verticalizadas.
Além disso, a questão da mobilidade continua a ser tratada de forma paliativa – como a proposta dos BRTs [Bus Rapid Transit] nos corredores que dão acesso à região da Pampulha e ao estádio do Mineirão –, apesar das pesquisas apontarem que mais de 70% da população é usuária do transporte coletivo. Pedestres, coletivos e uma frota de 1,5 milhão de veículos particulares em circulação disputam diariamente o espaço de ruas e avenidas. A sempre reclamada expansão do metrô – que atende cerca de 200 mil passageiros/dia, embora já com recursos assegurados pelo governo federal, arrasta-se há quase 30 anos. Falta de interesse da municipalidade ou interesses contrariados de alguns setores?
Mais ainda: o Executivo aprovou um projeto de ocupação da Granja Werneck – área de relevante importância ambiental, com mais de 200 nascentes e 64 córregos –, onde serão construídas cerca de 70 mil habitações. A Mata do Planalto, situada na região Norte, também tem sido alvo de reiteradas tentativas de mudança de legislação e ocupação pelo setor imobiliário e da construção civil, sob os protestos da população local. São estes – a Granja e a Mata – os últimos remanescentes de vegetação nativa ainda existentes no município, e que deveriam permanecer como áreas de proteção ambiental.
Paralelamente, o diário oficial do município e matérias veiculadas em blogues trazem notícias sobre licitações para contratação de estudos de viabilidade e de impactos para as áreas de Operação Urbana Consorciada (OUC) Barreiro, Antônio Carlos, Pedro I e Andradas. Contrariamente às solicitações feitas durante as reuniões públicas do plano diretor regionalizado, a população em geral não tem conhecimento desses desdobramentos, muito menos do conteúdo dos estudos. O que se sabe, de fato, é da pressa que o poder público tem buscado imprimir a esses processos. E participar não é, simplesmente, anuir ao que vem pronto, muito menos quando não atende às expectativas da população.
(*) Jurema Rugani é arquiteta e urbanista, membro do Fórum Agenda 21/MG.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20771