As organizações e comunidades que compõem a Rede Justiça nos Trilhos estão pedindo a nossa solidariedade contra a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, que, se efetivada, atingirá povos indígenas, quilombolas e diversas comunidades tradicionais. Escrevem elas:
Após pelo menos dois anos de repetidas denúncias, três importantes entidades do Maranhão decidiram levar o problema à Justiça, e há cerca de três semanas a Justiça Federal no Maranhão determinou a paralisação das obras de construção de uma segunda ferrovia em paralelo à Estrada de Ferro Carajás. Isso confirmou o entendimento de que o processo de licenciamento vinha sendo conduzido pelo IBAMA de maneira ilegal, causando prejuízos ao meio ambiente e às mais de 100 comunidades que vivem as margens da EFC, entre indígenas, quilombolas, assentados, núcleos urbanos e rurais.
A Ação Civil Pública foi proposta pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), pelo Conselho Indigenista Missionario (CIMI) e pelo Centro de Cultura Negra do Maranhao (CCN). A Defensoria Pública da União já pediu para ser admitida como parte, ao lado das entidades.
No ultimo dia 06 de agosto a empresa Vale S.A. interpôs recurso ao Tribunal Regional Federal, tentando cassar rapidamente a liminar. Até o momento esse recurso não foi julgado, mas a questão é urgente, pois se a liminar for cassada, muito provavelmente a licença sairá nas próximas semanas e já não haverá tempo de reverter o quadro. Hoje, o jornal “O Globo” traz, no último parágrafo de uma matéria, declaração de Murilo Ferreira, presidente da companhia, dizendo que “o caso deve ser julgado ainda essa semana”.
As entidades e as comunidades não têm condições de fazer as mesmas gestões que os advogados e funcionários da companhia devem estar fazendo. Por essa razão, pedimos a solidariedade de vocês, com o envio de uma carta de apoio ao Desembargador, solicitando que mantenha a decisão do Juiz de primeira instância.
Este Blog, inteiramente solidário, acaba de enviar a carta abaixo ao Desembargador. E pedimos a todas as pessoas que puderem e quiserem apoiar que também o façam, encaminhando este ou textos semelhantes para o e-mail [email protected].
Excelentíssimo Senhor Desembargador CARLOS MOREIRA ALVES
Assunto: Agravo de instrumento nº. 48794-67.2012.4.01.0000
Diante da manifestação pública do Presidente da companhia Vale S.A., Sr. Murilo Ferreira, publicada na edição do jornal “O Globo”, de 17/8/2012, Caderno Economia [1], segundo a qual “o caso deve ser julgado ainda essa semana”, sugerindo que representantes da companhia possam estar fazendo pressões para apressar esse julgamento, vimos manifestar a V. Exa. nossa opinião para que, quando V. Exa. vier a apreciar a questão, considere a possibilidade de que seja mantida a decisão do juiz da 8ª. Vara Federal do Maranhão, que observou a necessidade deregularização do processo de licenciamento ambiental antes de se dar continuidade às obras de duplicação da Estrada de Ferro Carajás.
Conforme afirmado pelo douto magistrado, a realização das obras seguindo as regras básicas de licenciamento ambiental é medida indispensável para a preservação dos direitos de pelo menos 100 (cem) comunidades urbanas e rurais, povos indígenas, quilombolas, assentamentos da reforma agrária, que vivem a uma distância igual ou inferior a 500m da linha de ferro.
Preocupamo-nos também com as espécies de animais e vegetais e os recursos hídricos que compõem áreas de preservação permanente, unidades de conservação e reservas biológicas, ecom o patrimônio histórico e cultural presente também em sítios arqueológicos, todos impactados ou potencialmente impactados pelas obras de construção de uma nova ferrovia para escoamento do minério de ferro do Sudeste do Pará à costa maranhense, em São Luís.
Por tudo isso faz-se necessário um verdadeiro EIA-RIMA, completo, ao qual seja dada a devida publicidade e debate público por meio de audiências públicas regulares e de consulta prévia às comunidades tradicionais, de tal forma que os impactos sejam ao máximo antevistos e as medidas de mitigação e compensação sejam definidas o mais criteriosamente possível.
Como bem asseverou o MM. Juiz da 8ª. Vara Federal no Maranhão, se a Constituição brasileira impõe a realização de criterioso estudo de impacto ambiental (art. 225, p. 1º., IV) e a regulamentação excepcional existente (Res. CONAMA 349/2004) não permite considerar a obra em questão como empreendimento ferroviário de menor potencial de degradação ambiental,deve ser afastada, pelo Poder Judiciário, qualquer possibilidade de escolha do modelo de licenciamento com base em juízos de discricionariedade.
A Ação Civil Pública proposta pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pelo Centro de Cultura Negra (CCN), com pedido de ingresso no polo passivo já apresentado pela Defensoria Pública da União, visa reestabelecer a legalidade do processo de licenciamento, evitando a ocorrência de danos irreparáveis ao meio ambiente e às populações situadas na área de influência do empreendimento.
A decisão do MM. Juiz da 8ª. Vara Federal reafirmou o que vem sendo dito ao longo dos últimos meses e anos pelas comunidades, movimentos sociais, universitários, grupos de religiosos eorganizações da sociedade civil do Maranhão e do Pará, e por técnicos da Fundação Cultural Palmares e do próprio IBAMA: os estudos realizados pela Vale são insuficientes, pois têm desconsiderado, por exemplo, a existência de dezenas de comunidades quilombolas ou de pelo menos dez unidades de conservação.
As obras ameaçam também povos indígenas. O território indígena Mãe Maria, no Estado do Pará (povos Gavião), é cruzado pela EFC. As obras tendem a provocar impactos também sobre as terras indígenas Caru (Guajajara e Awá-Guajá), Alto Turiaçu (povos Urubu Ka’apor, Timbira e grupos de Awá-Guajá nômades e isolados) e Pindaré (povo Guajajara e algumas famílias de Guaranis). Os Awá são considerados internacionalmente como a tribo indígena mais ameaçada do mundo, sendo atualmente objeto de campanha capitaneada pela Survival International em sua defesa.
Conforme já declarado reiteradamente pela Vale S.A, nas comunicações a seus investidores, a companhia aguardada a Licença de Instalação para duplicação integral da EFC ainda para o segundo semestre deste ano de 2012.
Não nos parece legítimo que os planos de uma empresa privada, baseados nos interesses de seus investidores, em sua maioria estrangeiros, e no ritmo de crescimento dos países consumidores de minério de ferro, como a China, imponha-se sobre os ditames da Lei e do Direito. Nesse sentido, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, não resta alternativa senão confiarmos no discernimento do Poder Judiciário, como guardião da aplicação da lei, cuja intervenção faz-se fundamental para evitar danos irreparáveis a milhares de cidadãos e cidadãs brasileiras.
Dessa maneira, contando com a sensibilidade e serenidade de Vossa Excelência, subscrevemos esta carta de solidariedade, na esperança de um julgamento justo, que venha reafirmar a defesa da vida, do patrimônio ambiental, histórico e cultural, dos povos originários e de todos os demais seres humanos já inevitavelmente condenados aos impactos dessa obra de grande envergadura.
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Nota:
[1] Disponível em http://oglobo.globo.com/