Complexo Industrial de Suape: os limites do desenvolvimento. Entrevista especial com Heitor Costa

O Estado de Pernambuco está agindo “fora da lei diante da construção de Suape a qualquer preço”, aponta o físico

O polêmico projeto do Complexo Industrial de Suape, instalado no estado de Pernambuco em 1975, durante a ditadura militar, tem recebido críticas de ambientalistas e pesquisadores, porque se baseia na “concentração de investimentos” e causa inúmeros problemas ambientais e sociais. De acordo com o físico e professor da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Heitor Costa, Suape foi construído a partir de “uma decisão autoritária” e desde o início foi contestado.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele questiona o “boom” da economia pernambucana, que cresce por causa dos investimentos no Complexo Industrial de Suape. Segundo ele, “os índices macroeconômicos do estado indicam que a economia vai bem. Entretanto, não estão bem aqueles que deveriam ser os maiores beneficiários”. E ressalta: “Esse crescimento não tem se convertido em melhorias para a classe trabalhadora no estado”.

De acordo com o pesquisador, desde 2007 até 2014 serão investidos cerca de 60 bilhões de reais na ampliação de Suape, montante que, em sua avaliação, “poderia ser mais bem aplicado e distribuído em empreendimentos descentralizados, menores, sustentáveis, atingindo um número maior de municípios e pessoas”. Ao comentar as implicações sociais e ambientais causadas pela ampliação de Suape, Costa enfatiza que a “concentração industrial de empresas utilizando combustíveis fósseis em um território de 13.500 hectares é o maior dos erros, pois certamente provocará graves agressões ambientais para a terra, água e o ar, além de afetar a saúde das pessoas com doenças características deste ambiente de muita liberação de gases tóxicos, e que também são causadores do efeito estufa”.

Heitor Scalambrini Costa (foto abaixo) é graduado em Física pelo Instituto de Física Gleb Wattaghin da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, mestre em Energia Solar, pelo Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, e doutor em Energética, pelo Commissariat à I’Energie Atomique – CEA, Centre d’Estudes de Cadarache et Laboratorie de Photoelectricité Faculte Saint-Jerôme/Aix-Marseille III, França. Atualmente leciona na UFPE, onde coordena os projetos do Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis – Naper, e do núcleo de Soluções em Energia e Design – Sendes. É integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA e da Articulação Antinuclear Brasileira – AAB. Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Por que e em que contexto histórico, político e econômico surgiu o Complexo Industrial de Suape?

Heitor Scalambrini Costa – Suape é uma palavra da língua dos indígenas caetés, que significa “caminhos sinuosos”, e serviu para dar nome ao estuário de “rios e mangues de muitas curvas”. Em plena ditadura militar, foi o governador de Pernambuco, Eraldo Gueiros, o idealizador do Complexo de Suape, que hoje leva o seu nome. Indicado pelo general presidente Emílio Garrastazu Médici, lançou a pedra fundamental do porto-indústria de Pernambuco em 30 de abril de 1974. O projeto inicial previa a implantação de uma unidade de refino e de estaleiro. Uma lei estadual de 7 de novembro de 1978 criou a empresa Suape Complexo Industrial Portuário para administrar as obras ali desenvolvidas. Nessa época o governador do estado era Moura Cavalcanti (1975 a 1979), indicado pelo então general presidente Ernesto Geisel.

O complexo de Suape é administrado pelo governo de Pernambuco e está localizado a 40 km de Recife, na região metropolitana, no município de Ipojuca (população: 81 mil habitantes), na foz do rio Ipojuca. Sua área é de 13.500 hectares e abrange terras também do município do Cabo de Santo Agostinho (população: 185 mil habitantes). Nos primeiros anos, praticamente muito pouco do que se previa em Suape foi construído. A história começou a mudar a partir da segunda metade da década de 1990, quando então, os investimentos aumentaram ano a ano.

Desde sua concepção esta obra foi contestada. Em 1975, Suape sofreu duras críticas de intelectuais pernambucanos que, em um manifesto [1] de grande repercussão, acusaram o projeto de nascer de uma decisão “autoritária”, sem participação e discussão da sociedade pernambucana, e ameaçar o florescente turismo de um “patrimônio artístico” criado pela natureza. As questões ambientais ainda não tinham muita repercussão nesta época. Todavia as críticas feitas há mais de 37 anos ainda estão bem atuais frente à realidade encontrada nesta megalomaníaca obra.

IHU On-Line – Como avalia o desenvolvimento do Complexo de Suape ao longo das três últimas décadas?

Heitor Scalambrini Costa – Como dito anteriormente, só a partir do final da década de 1990 o complexo portuário industrial começou a tomar a forma que tem hoje com a chegada de massivos investimentos.

A crítica ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Estado baseia-se na concentração de investimentos neste empreendimento. Segundo dados oficiais, de 2007 a 2014 serão investidos no Complexo mais de 60 bilhões de reais, recursos públicos e privados. Montante que poderia ser mais bem aplicado e distribuído em empreendimentos descentralizados, menores, sustentáveis, atingindo um número maior de municípios e de pessoas. A atração e o incentivo para que indústrias “sujas” [2] se instalem em Suape foi outro erro da proposta desenvolvimentista predatória, assim como a questão da empregabilidade de mão de obra local, que deixa muito a desejar, e a qualidade dos empregos ofertados por estas indústrias (a indústria civil é a principal responsável pelos empregos). A atração dos investimentos privados é um capítulo à parte, pois a sociedade pouco conhece dos benefícios fiscais que não serão arrecadados, além da flexibilização das leis ambientais feita pelo órgão responsável para que tais empreendimentos pudessem ser instalados em Pernambuco.

Implicações da concentração industrial 

Sem dúvida, a concentração industrial de empresas utilizando combustíveis fósseis, em um território de 13.500 hectares, é o maior dos erros, pois certamente provocará graves agressões ambientais para a terra, água e o ar, além de afetar a saúde das pessoas com doenças características deste ambiente de muita liberação de gases tóxicos, e que também são causadores do efeito estufa.

Experiências vividas em outras partes do planeta demonstraram a devastação do meio ambiente e o aumento de doenças nas populações que habitam o entorno de complexos industriais. Um exemplo clássico no Brasil foi a cidade de Cubatão (58 km de SP), que ficou conhecida como a cidade dos “bebês sem cérebro”. De 1978 a 1984, foram registrados vários nascimentos de crianças anencéfalas. Era tida também como uma das cidades mais poluídas do país. Foi imediata a relação de que as emissões das indústrias fosse o principal fator para o crescimento de casos de anencefalia, além de outras doenças respiratórias encontradas em maior escala na região.

Não se pode continuar fingindo não saber que o uso de combustíveis fósseis tanto como matéria prima quanto na geração de energia elétrica, e em outras atividades – da produção ao transporte –, é a principal causa do aquecimento global, com consequências diretas nas mudanças climáticas e assim na intensificação de fenômenos como inundações, estiagens, extinção de espécies, entre outros. Além de liberarem grandes quantidades de óxido de nitrogênio, enxofre, metais pesados, particulados, altamente perigosos à saúde humana.

O progresso desejado não é fazer obras e privilegiar a parte econômica em detrimento de pessoas, comunidades, ecossistemas e do meio ambiente. Há que mudar o paradigma do lucro para a qualidade de vida da população. Enquanto isso não ocorrer, o crescimento atual torna as populações mais pobres, aumentando os custos mais rapidamente do que os benefícios, além de cada vez mais destruir a natureza e a própria humanidade.

IHU On-Line – Como o Estado de Pernambuco se posiciona diante do Complexo Industrial de Suape?

Heitor Scalambrini Costa – A estratégia do governo de Pernambuco é transformar Suape em um “hub port” (porto distribuidor de cargas) do Nordeste. Em Pernambuco, o crescimento econômico a qualquer custo vem sendo empregado e alardeado pelos órgãos governamentais, pela imprensa, por setores da academia e pelos dirigentes sindicais governistas, como a redenção do Estado, a salvação “da lavoura”. Não faltam números, estatísticas e trabalhos acadêmicos para fundamentar o surgimento do “Eldorado” do Brasil.

Toda esta panaceia é creditada à implementação do Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros – Suape, empreendimento cuja concepção e realização são publicamente contestadas desde o lançamento da pedra fundamental. Os argumentos no manifesto dos cientistas pernambucanos contrários a sua realização, utilizados há 37 anos, permanecem presentes na realidade atual, prevendo danos e impactos sociais, culturais e ambientais que atingiriam mais diretamente as populações nativas do seu entorno e o ecossistema.

Vivencia-se uma situação análoga a tantas outras que ocorrem no país, e que dizem respeito ao modelo predatório adotado de desenvolvimento. Quem paga pelo “progresso” a nível local são as populações nativas, obrigadas a saírem de suas moradias, criando grandes problemas sociais. Também o meio ambiente, onde são despejados produtos tóxicos e suprimida a vegetação, com reflexos na vida animal, nos rios e riachos.

Crescimento econômico

Constata-se que a sociedade deixou-se hipnotizar pelo crescimento econômico a todo custo (expresso em maiores valores monetário do PIB, que não leva em conta os custos ambientais). E o que se verifica é um conflito entre o interesse econômico predominante e o interesse coletivo da população, do meio ambiente com seus ecossistemas, enfim, de todas as manifestações no plano da vida. Nesse embate, sem a participação da sociedade, o dinheiro tem vencido inexoravelmente.

Para atender à demanda de espaço para os grandes empreendimentos, a desocupação deste território pelo Estado tem ocorrido de forma truculenta, sem negociação “amigável” com os moradores. Muitas vezes, recorre-se às “milícias armadas” para a execução dos processos de reintegração de posse contra os pequenos produtores rurais. A chamada “negociação” para definir a indenização a ser paga e acertos nos detalhes da saída dos moradores é uma farsa. Denúncias e mais denúncias são constantes, algumas divulgadas pela mídia, mas nada é feito. Sem dúvida, um dos motivos dessas expulsões arbitrárias está na sobrevalorização e na especulação do preço da terra, que é muito disputada por grupos empresariais.

Desapropriação de terras

O processo de “desapropriação” tem se caracterizado por expropriação e esbulho com a Constituição Estadual e com o Marco de Reassentamento Involuntário – MRI do Projeto Pernambuco Rural Sustentável – PRS, cujo objetivo é o tratamento das questões que envolvem a mudança ou perda involuntária do local de moradia, a perda de renda ou meios de subsistência, em decorrência da implementação de projetos.

Artigos da Lei Magna e as diretrizes do MRI/PRS estão sendo violados social e ambientalmente. Por exemplo, o artigo constitucional 139 diz que o Estado e os municípios devem promover o desenvolvimento econômico, conciliando a liberdade de iniciativa com os princípios superiores da justiça social, com a finalidade de assegurar a elevação do nível de vida e bem-estar da população. O artigo 210, que trata da proteção ao meio ambiente, também é desrespeitado, assim como o artigo 211, que veda ao Estado, na forma da lei, conceder qualquer benefício, incentivos fiscais ou creditícios a pessoas físicas ou jurídicas que, com suas atividades, poluam o meio ambiente. Portanto, podemos afirmar que o Estado está “fora da lei” diante da construção de Suape a qualquer preço.

IHU On-Line – Quais são as implicações ambientais de Suape? Fala-se em impactos marinhos por causa da movimentação dos navios. A questão da sustentabilidade foi considerada durante a construção do Complexo?

Heitor Scalambrini Costa – O complexo industrial portuário de Suape abriga e planeja para futuro próximo um conjunto de instalações industriais poluidoras e de alto risco, que aumentará substancialmente a probabilidade de ocorrências de desastres com vazamentos e derramamentos de petróleo e derivados. Tais instalações são classificadas como indústrias sujas. Entre elas destaca-se os estaleiros navais (dois planejados e dois em funcionamento), termelétrica a gás natural (já em funcionamento) e a óleo combustível (termelétricas Suape II e Suape III), a Refinaria de Abreu e Lima, que terá sua própria termelétrica, indústrias petroquímicas, e o parque de tancagem para armazenamento do óleo.

Sabemos que consumir derivados de petróleo significa devolver para a atmosfera, sob a forma de gases e particulados, uma massa enorme de carbono e outros elementos como enxofre e nitrogênio, que foram retirados desse meio há milhões de anos. Esta quantidade de carbono, jogado artificialmente na atmosfera, constitui em um dos fatores de agressão à natureza promovida pela indústria do petróleo. As agressões ocorrem em todas as etapas dessa indústria.

Segundo estudo realizado pela Academia de Ciências dos Estados Unidos, as atividades navais são responsáveis por 33% dos vazamentos de petróleo no ambiente marino, 12% dos acidentes com petroleiros. Nas instalações terrestres e descargas urbanas, os acidentes chegam a 37%.

Implicações do petróleo 

Em particular, quando o petróleo chega a uma refinaria inicia-se uma nova etapa, que se caracteriza por elevados riscos à saúde e de agressão à natureza: a indústria do refino é das mais intensivas na utilização de dois insumos caros à humanidade: água e energia. E a água que utiliza, ao menos no Brasil, ainda é descartada contendo grande quantidade de óleo, além de outras matérias orgânicas e metais. Por serem grandes consumidoras de energia e, em geral, por serem autossuficientes neste insumo, as refinarias são grandes consumidoras de petróleo e seus derivados, constituindo-se em grande agressora da atmosfera.

Todo receio de um desastre com derramamento de petróleo e derivados em Suape é justificável. E o alerta é necessário visto que tal acidente afetaria o ecossistema marítimo, colocando em xeque o futuro de comunidades costeiras onde milhares de famílias vivem da pesca, além de, é claro, afetar as atividades econômicas do turismo da região. Há menos de 10 km do balneário de Porto de Galinhas e de outras lindas praias do litoral sul, um vazamento de óleo poderia afetar drasticamente toda aquela região.

IHU On-Line – Quais são as implicações sociais do Complexo Industrial de Suape para as comunidades que habitam seu entorno?

Heitor Scalambrini Costa – Para estes moradores, da área rural, a construção de Suape é um pesadelo, uma verdadeira catástrofe. Mais de 15 mil famílias estão sendo expulsas de suas propriedades rurais, as quais o governo insiste em dizer que são suas. Há controvérsias jurídicas a respeito da posse da terra onde está localizado o complexo de Suape. A ocupação das terras está sendo discutida com advogados defensores dos moradores. Mas enquanto prevalecer a decisão de que as terras são da empresa Suape, os moradores que ali vivem há mais de 50 anos serão tratados como posseiros, como “invasores”. E como tal, no processo indenizatório, serão ressarcidas somente as benfeitorias realizadas.

Com a valorização da terra no entorno de Suape (o hectare chega a custar atualmente um milhão de reais), o ataque sobre estes antigos moradores tem sido implacável. Registra-se um processo de negação de um desenvolvimento que traga benefícios para as comunidades mais humildes, vítimas das alterações promovidas por empreendimentos que sacrificam meios de vida. Tudo isso está sendo feito sem consultas prévias à população.

Impactos laterais

Vale aqui também mencionar as repercussões para as cidades próximas do Complexo: Ipojuca Cabo de Santo Agostinho, que tiveram de abrigar este enorme contingente de trabalhadores (em torno de 50 mil pessoas) que vieram de outros estados e outras regiões do país. Outras cidades próximas como Escada, Moreno, Jaboatão dos Guararapes sofrem as consequências do fenômeno da prostituição, exploração sexual, estupros e gravidez precoce de crianças e adolescentes.

Vinculado à tragédia de centenas de meninas marcadas por uma vida de desamor e pobreza, está o nascimento de outras tantas crianças frutos de gravidez precoce e indesejada, que vêm ao mundo já marcadas pelo abandono. Essas crianças têm sido chamadas de “filhos de Suape”.

O governo estadual e as prefeituras têm conhecimento do fato, mas fazem vista grossa ou, no máximo, campanhas formais, que em nada mudam a situação. Há inclusive o discurso reproduzido por ONGs que atuam na região, de que é uma coisa natural, compreensível e benéfica, já que tantos homens vindos de várias partes do país estão habitando alojamentos precários e distantes de suas famílias e, portanto, precisam de “diversão”. A vulnerabilidade dessas crianças também se dá no aspecto da exposição a doenças sexualmente transmissíveis, principalmente  Aids. A própria secretaria estadual de saúde já admite como preocupante a estreita relação entre exploração sexual e contágio por DST e Aids nessa região.

IHU On-Line – Qual é a situação dos trabalhadores do Complexo de Suape? No ano passado eles realizaram algumas greves. A tensão entre os trabalhadores e empresários continua?

Heitor Scalambrini Costa – Verifica-se uma desagregação social por causa do deslocamento de milhares de pessoas que, saindo do seu ambiente social, ficam longe de seus familiares. Para esses trabalhadores, em sua grande maioria com trabalho temporário, não existe uma única diversão que não seja o bar e a prostituição. Não há escolas, cinemas, outros meios que possibilitam o lazer e sua integração social. Os salários são baixos (pedreiros ganham em torno de mil reais, e os ajudantes R$ 780,00). A jornada de trabalho e alta e eles são superexplorados. O que acontece em Suape é semelhante a acontecimentos que estão ocorrendo nas grandes obras do país: as empreiteiras contratadas tratam os trabalhadores como objetos de lucros astronômicos. O PIB em Pernambuco cresce, mas a massa de salários não.

Os baixos salários aliados às condições precárias de trabalho têm levado a protestos e paralisações frequentes. A falta de organização legítima dos trabalhadores nos canteiros de obras possibilita o surgimento de sindicatos estreitamente ligados a empresários. Acordos salariais sem a concordância de uma das partes (dos trabalhadores) têm levado a recorrentes manifestações, greves e revoltas nos canteiros de obra de Suape. Muitas delas são violentas, com queima de carros e ônibus e enfrentamento com a polícia de choque.

O mais recente episódio ocorreu no dia 9 de agosto, onde os trabalhadores da refinaria Abreu e Lima e das petroquímicas em construção se rebelaram contra o sindicato (dito representativo da categoria), pela assinatura de um acordo salarial indesejado pela maioria dos trabalhadores. Suape se transformou neste dia em um campo de batalhas, que foi mostrado pela mídia como algo relativo a uma briga entre sindicatos que almejam terem como sindicalizados um maior número de trabalhadores, e assim terem acesso a um maior volume do imposto sindical para seus cofres. Este fato é real, mas a motivação maior são os baixos salários e as precárias condições de trabalho a que estão submetidos.

IHU On-Line – As pessoas que são favoráveis a Suape argumentam que ele desempenha um papel importante para a economia do Nordeste. Entretanto, também causa vários problemas sociais. É possível equacionar essas contradições?

Heitor Scalambrini Costa – Sem dúvida constatamos hoje um “boom” na economia pernambucana. Os índices macroeconômicos do estado indicam que a economia vai bem. Entretanto, não estão bem aqueles que deveriam ser os maiores beneficiários.

Todavia, temos insistido em mostrar que esse crescimento não tem se convertido em melhorias para a classe trabalhadora no estado e que se trata um crescimento só para alguns. Uma parcela importante dos trabalhadores já percebeu isso. Daí o aparecimento de greves, principalmente dos operários da construção civil, que pôs às claras a situação de brutal exploração a que estão submetidos nos canteiros de obras de Suape.

O progresso desejado não é fazer obras e privilegiar a parte econômica em detrimento de pessoas. Crescimento econômico não se conjuga com desenvolvimento humano. Há que mudar o paradigma da voracidade do lucro para o progresso humano, que implica na melhoria da qualidade de vida das pessoas (educação, saúde, transporte, saneamento, moradia, segurança, lazer). Enquanto isso não ocorre, o crescimento atual e o consumo desenfreado tornam as populações mais pobres, aumentando os custos mais rapidamente do que os benefícios, além de cada vez mais destruir a natureza e a própria humanidade.

IHU On-Line – Por que os geógrafos repudiam o complexo?

Heitor Scalambrini Costa – Por iniciativa de professores geógrafos da Universidade Federal de Pernambuco presentes no XVII encontro da categoria, realizado em Belo Horizonte de 22 a 28 de julho deste ano e que contou com a presença de mais de três mil pessoas do Brasil e de alguns países da América Latina, foi aprovado uma moção de repúdio referente ao processo de retomada da terra dos moradores do entorno de Suape pelo governo do estado e a empresa Suape. A moção aprovada, reescrita abaixo, explica por si só este posicionamento.

“Repudiamos a forma como ocorreu o repasse das terras do Engenho do Tiriri, no município de Cabo de Santo Agostinho, para Suape/Governo do Estado de Pernambuco. O processo teve início em 1964 com um decreto presidencial tornando a área de interesse social para fins de reforma agrária incorporada ao patrimônio do Incra. Ao longo dos anos, o IBRA (atual Incra) realizou diversos contratos de comodato com a Cooperativa de Tiriri com uma cláusula resolutiva expressa em que, caso estas terras não fossem repassadas aos cooperados em lotes de 10 ha, haveria o cancelamento do contrato. A direção da Cooperativa Tiriri não repassou os 10 ha aos cooperados e vendeu ao Governo do Estado/Suape. Assim apoiamos o ‘Declaratório de Nulidade’ e o cancelamento imediato das arbitrárias e ilegais desapropriações ocorridas.”

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Heitor Scalambrini Costa – Urge repensarmos este projeto de crescimento predatório em curso no Estado de Pernambuco e discutirmos democraticamente alternativas que utilizem fontes renováveis de energia, menos agressoras ao meio ambiente e à saúde pública. Como resolver os problemas básicos que efetivamente afetam a maioria da população? Com educação, saúde, saneamento, moradia, segurança. Enquanto se privilegiar a indústria “suja” dos séculos XIX e XX, o governo federal sufocará as indústrias do século XXI, cortando em 22% as verbas de ciência e tecnologia. É esta lógica que deve ser combatida e modificada.

Não podemos mais aceitar a ideia de que é necessário fazer o “bolo crescer para depois dividi-lo”. O século XXI está cheio de desafios que requerem soluções ousadas, inovadoras. Os problemas de hoje são distintos daqueles do século passado; logo as soluções não podem ser as mesmas.

Devemos refletir também quanto ao papel das universidades públicas na discussão do desenvolvimento ordenado e justo. Em vários casos relatados em nosso país, criticas têm sido feitas pelo uso inapropriado e abusivo do conhecimento científico para embasar Estudos de Impacto Ambiental. Verdadeiros escândalos do ponto de vista científico refletem um problema maior nos processos de licenciamento ambiental brasileiro, que é o vínculo indiscriminado entre empresas de consultoria ambiental, universidades e empreendedores. Nestes “estudos” apresentados por estes “escritórios” são desconsiderados ou desmerecidos os estudos sérios realizados por pesquisadores das universidades da região. Um debate necessário volta à tona: que desenvolvimento queremos? Essa é a questão fundamental neste momento.

NOTAS

[1] Manifesto: No dia 5 de abril de 1975, o semanário Jornal da Cidade (ano II, no 24, 6-12.4.75), do Recife, hoje extinto, trouxe manchete de capa, com os dizeres: “Cientistas lançam manifesto contra o complexo de Suape”. O Manifesto, redigido por Clóvis Cavalcanti, economista-ecólogo, professor da UFPE e pesquisador do Inst. Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, e subscrito por: Renato S. Duarte, Professor do Mestrado em Economia e da Faculdade de Ciências Econômicas da UFPE, Roberto M. Martins, Coordenador do Curso de Mestrado em Sociologia da UFPE, Nelson Chaves, Professor Titular da Faculdade de Medicina da UFPE, José Antônio Gonsalves de Mello, Professor Titular de História da UFPE, Renato Carneiro Campos, Diretor do Departamento de Sociologia do Inst. Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, João de Vasconcelos Sobrinho – Chefe da Estação Ecológica de Tapacurá e Titular da Disciplina de Ecologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

[2] Indústrias “sujas”: são aquelas indústrias com maior potencial poluidor, mais intensivas em recursos naturais e energia. Principais exemplos: indústria petroquímica, refinaria, estaleiro, siderurgia. Sem dúvida, o “desenvolvimento” prometido pelos governantes pernambucanos está longe de ser um desenvolvimento sustentável.

http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/512442-complexo-industrial-de-suape-os-limites-do-desenvolvimento-entrevista-especial-com-heitor-costa

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