MS – Após ataque em Paranhos, indígena permanece desaparecido

Os Guarani Kaiowá também denunciam a morte de uma criança de 2 anos, ferida durante a ação dos pistoleiros na sexta (10)

Após o ataque, na sexta-feira (10), a Polícia Federal e a Funai estiveram no acampamento - Foto: Juliana Melo/Funai

Michelle Amaral, da Redação

Os Guarani Kaiowá da Terra Indígena Arroio Korá, no município de Paranhos, no Mato Grosso do Sul, denunciam que as buscas ao índio Eduardo Pires, desaparecido desde a última sexta-feira (10), não foram iniciadas. Segundo relatos, Pires desapareceu após o ataque de pistoleiros promovido contra o acampamento formado durante a retomada de parte da terra indígena. Os Guarani Kaiowá também afirmam que uma criança de dois anos morreu na manhã desta segunda-feira (13) em decorrência de ferimentos causados pela ação dos pistoleiros. O corpo foi levado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que ainda não confirmou a causa da morte.

De acordo com o coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Flávio Vicente Machado, é urgente que se iniciem as buscas pelo indígena desaparecido. “Até agora não houve efetivamente nenhum tipo de busca”, denuncia Machado.

Os indígenas afirmam que a Força Nacional de Segurança, representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Polícia Federal estiveram no acampamento no dia do ataque, mas não iniciaram as buscas. “Vieram quando houve o ataque e se comprometeram a vir hoje aqui”, disse o líder indígena Eliseu Lopes.

Em nota, a Funai afirmou que servidores do órgão se reuniram na manhã desta segunda-feira (13) com uma equipe da Polícia Federal de Campo Grande para avaliar a situação da retomada Guarani Kaiowá da área indígena Arroio Korá. Além disso, será realizada ainda uma reunião com as lideranças indígenas “com o objetivo de evitar novo ataque de pistoleiros”.

Conforme a Funai, a situação foi considerada “estável” pelos órgãos de segurança na manhã desta segunda-feira. No entanto, o coordenador regional do Cimi alerta para a necessidade de a Polícia Federal fazer a segurança do acampamento. “A iminência de novos ataques é real”, afirma.

Retomada

O ataque da sexta-feira ocorreu após cerca de 400 indígenas ocuparem a fazenda Eliane, localizada dentro da terra indígena Arroio Korá. Um grupo de pistoleiros armados cercou o acampamento montado pelos Guarani Kaiowá e atirou contra os indígenas, que se esconderam na mata para não serem atingidos. Na ação, alguns indígenas ficaram feridos, entre eles, a criança de dois anos que faleceu nesta segunda-feira.

Com a ocupação, os indígenas buscam retomar parte da área pertencente à terra indígena. Apesar de já ter sido homologada, em 2009, pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, os indígenas ainda não ocupam a área que lhes é de direito. “Até hoje a Funai e o governo não fizeram a desintrusão dos não-índios e devolveram a terra para os indígenas”, afirma Machado.

Conforme explica o coordenador regional do Cimi, o motivo alegado para a não devolução da área aos indígenas é um mandato de segurança expedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que suspendeu os efeitos da homologação sobre 184 hectares da terra homologada, pertencentes à fazenda Iporá. Contudo, segundo ele, esta suspensão não inviabiliza a ação da Funai sobre os outros quase 7 mil hectares da área. “O Lula homologou 7.175 hectares. Desses, 184 foram suspensos pelo Gilmar Mendes em mandato de segurança. O restante, ou seja, praticamente 7 mil hectares, estariam tecnicamente livres, do ponto de vista judicial, para que a Funai retire os não-índios e devolva a terra para os indígenas”, detalha.

Atualmente, cerca de 600 Guarani Kaiowá vivem na aldeia Arroio Korá, que ocupa apenas 700 hectares da terra indígena, de acordo com Machado. “Por que a Funai não promove logo a desintrusão dos não-índios e devolve para a comunidade essas terras?”, indaga o indigenista.

O líder Guarani Kaiowá Eliseu Lopes afirma que a retomada da área que fica ao lado da aldeia, na última sexta-feira, faz parte de uma série de ações que serão realizadas pelos indígenas do estado contra a morosidade da Justiça nos processos demarcatórios. “Não é só a Arroio Korá que está se manifestando, todas as aldeias estão se manifestando. Inclusive, nessa semana estaremos fazendo aqui uma nova Aty Guassu (assembleia do povo Guarani Kaiowá onde as decisões de seu movimento são tomadas). Falta a demarcação e homologação das terras aqui no Mato Grosso do Sul”, protesta o líder indígena.

Portaria da AGU

Também, segundo Lopes, a decisão de retomar as terras indígenas foi deliberada pelas lideranças do povo Guarani Kaiowá na última Aty Guassu, em Laguna Carapã (MS), no final de julho, frente à ameaça de revisão das demarcações de terras indígenas pela Portaria 303, da Advocacia-Geral da União (AGU), publicada no dia 17 de julho. “Para nós, Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul, essa é uma violação do direito que nós temos, por isso estamos nos manifestando e começando a ocupação desses território a que nós temos direito”, disse Lopes.

A Portaria 303 pretende estender a todos os processos de demarcação de terras indígenas, inclusive os já concluídos, as 19 condicionantes impostas pelo STF no julgamento da demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009. “A primeira intenção é dificultar e impedir justamente os processos demarcatórios, por isso que os movimentos indígena e indigenista são unânimes no pedido de revogação dessa portaria, não só pela sua inconstitucionalidade, mas principalmente pela grande violência que vai causar contra os povos indígenas que estão nas áreas de conflito”, explica o coordenador regional do Cimi.

A medida foi suspensa pela AGU até o final de setembro, após intensa mobilização do movimento indígena e organizações sociais. Na última quinta-feira (09), cerca de 50 lideranças indígenas de todas as regiões do país ocuparam a sede da AGU em protesto pela revogação da portaria. As pressões resultaram no agendamento de uma reunião para esta terça-feira (14) com o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e o advogado geral da União Luís Inácio Almeida Adams, em Brasília (DF), para tratar da questão.

Guarani Kaiowá

Machado relata que o povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul vive em meio a um quadro de violência generalizada devido à situação territorial a qual se encontram. “Todo esse conjunto de violência se dá basicamente devido ao problema estrutural. A raiz de todo o problema é a situação territorial”, afirma.

Segundo ele, o Mato Grosso do Sul, no ano passado, concentrou 62% dos assassinatos de indígenas do país, sendo que a maioria das mortes ocorreu entre os Guarani Kaiowá. “O outro índice alarmante é o de suicídios: estima-se que um Guarani Kaiowá se suicida a cada seis dias e meio”, conta o coordenador regional do Cimi.

“Diante desse quadro generalizado de violência é que eles estão promovendo as retomadas [das terras indígenas] como forma de reestruturação social de combate à violência”, explica Machado, que corresponsabiliza o governo federal pelos casos de assassinatos dos indígenas, devido à falta de vontade politica e inoperância da Funai e pela morosidade da Justiça nos processos demarcatórios. “Há terras indígenas para serem julgadas no Mato Grosso do Sul com quase 30 anos de processo”, protesta.

De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no estado do Mato Grosso do Sul vivem em torno de 77 mil índios, o que corresponde a 8,6% da população indígena nacional, de quase 897 mil. O povo Guarani Kaiowá é composto por cerca de 43 mil indígenas.

http://www.brasildefato.com.br/node/10310

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.