Arun Gandhi: temos de ensinar sobre emoções que as pessoas não entendem

“A educação tem que levar em conta a cultura e necessidade locais, além de ensinar às pessoas sobre as emoções que elas não conseguem entender ou usar de fato”, diz Arun

Foto: Júlio Vilela/Divulgação

Ser neto de um dos principais pacifistas do mundo em todos os tempos é apenas um dos cartões de visita de Arun  Gandhi. Ativista político atuante em causas humanitárias, o sul-africano nascido em 1934 vivenciou na juventude a era de preconceito e ódio do apartheid. Casou e mudou-se para a Índia, onde, por três décadas, trabalhou como jornalista e desenvolveu, ao lado de amigos e da esposa Sunanda, morta em 2007, diversas iniciativas com crianças em situações de risco. Em 2008, fundou o Gandhi Worldwide Education Institute, nos Estados Unidos, e trabalha com iniciativas voltadas para a educação dos pequenos carentes no país de origem do avô.

Escritor, ele hoje viaja pelo mundo palestrando sobre questões como educação, inclusão e violência. Recentemente, veio ao Brasil para o fórum Educação em Primeiro Lugar, realizado em Salvador. Em entrevista exclusiva ao Terra, Arun comentou sobre modelos de ensino em diferentes países, além de abordar temas como individualismo e consumismo. “Quando as pessoas aprendem a medir o sucesso em termos de possessões materiais, então nós sempre estaremos comparando o que nós temos com os outros, e descobriremos que alguns têm mais do que precisam, enquanto nós temos menos do que precisamos. Então o conflito começa e leva à violência”, diz.

Confira a seguir a íntegra da entrevista, em que Arun também revela um pouco sobre a convivência com o avô Mahatma Gandhi.

Terra – Qual é o problema da educação nos dias de hoje?

Arun Gandhi – Uma das tragédias mundiais é que nós damos pouquíssima importância para a educação e, logo, pagamos salários baixos para os professores. Isso tem duas consequências: primeiro, como o salário é tão baixo, os professores mais motivados e qualificados encontram outra coisa para fazer ou vão ensinar em algumas seletas escolas particulares. Segundo, os professores insatisfeitos com as condições financeiras não estão motivados para darem seu melhor. Por exemplo: o que eu acredito que é comum em muitos países é o gasto maior de dinheiro em defesa e armas de destruição em massa em vez de investir no futuro de nossas crianças. Nos Estados Unidos, por exemplo, 53% do orçamento é destinado para a defesa e para as armas de destruição em massa, enquanto menos de 1% é destinado para a educação. Se nós temos as nossas prioridades de cabeça para baixo, como podemos gerar crianças preparadas para lidar com os problemas da sociedade de uma maneira civilizada?

Terra – Podemos usar países europeus que sejam referência em educação como modelo para lugares como o Brasil? Ou não podemos comparar os processos históricos de países diferentes e sim considerar apenas a realidade de cada um?

Arun – Meu entendimento sobre a política de educação básica do meu avô é que o que é bom para um país não é necessariamente bom para outro. Ou mesmo em uma sociedade, o que é bom para as pessoas que vivem nas áreas urbanas não é, necessariamente, bom para as populações das áreas rurais. Atualmente, na maior parte do mundo, a educação é orientada pelo meio urbano e para a carreira, o que faz com que todos recebam o mesmo tipo de educação. Para quem trabalha com agricultura, por exemplo, aprender sobre ciência e história não é muito útil. Nós temos que aceitar o fato de que nem todos vão aspirar à universidade, por diversas razões pessoais. Portanto, a educação tem que levar em conta a cultura e necessidade locais, além de ensinar às pessoas sobre as emoções que elas não conseguem entender ou usar de fato. Na realidade, nós praticamos a lei da selva: os mais fortes sobrevivem. Se alguém não tem o cérebro ou os meios de conseguir o que precisa, então isso é muito ruim, e ele merece sofrer. Esse é o tipo de política que gera grande parte da violência no mundo e na sociedade. Em resumo, a educação não é apenas o que cada um aprende na escola, mas o tipo de estrutura que as pessoas têm em casa.

Terra – O senhor trabalhou durante 30 anos com crianças em situação de risco na Índia e criou o seu próprio instituto há quatro anos, nos Estados Unidos. Quais são as diferenças entre desenvolver um trabalho em um país rico em relação ao desenvolvido na Índia?

Arun – O programa desenvolvido na Índia é de um tipo mais ativista, em que trabalhamos com crianças desprivilegiadas, que crescem em uma pobreza tão extrema que seus pais têm que fazê-los trabalhar ou implorar para que, com quatro ou cinco anos de idade, consigam vender seus filhos para fazerem trabalhos escravos ou sexuais. De uma pequena forma, nós tentamos fazer a diferença na vida de algumas pessoas, além de ensiná-las, na Índia e nos Estados Unidos, que a desumanização de cada indivíduo em qualquer lugar é a desumanização das pessoas do mundo inteiro. A pobreza é a pior forma de violência, e enquanto nós a tolerarmos em qualquer lugar, nós próprios nos tornamos opressores. Nos Estados Unidos, o programa é mais focado em educação e consciência.

Terra – Como neto de Mahatma Gandhi, o senhor via diferenças entre ele como avô e como figura pública? Pessoalmente ele era diferente do que as pessoas imaginam?

Arun – Eu não acho que houvesse nenhuma diferença, porque ele considerava toda a humanidade parte de uma única família. É por isso que ele tratava a todos com o mesmo amor e respeito com que tratava a própria família. Além disso, como eu vivi mais próximo a ele por um curto período de tempo, não desfrutei de privilégios especiais.

Terra – Um dos princípios do seu instituto é a Sarvodaya, o bem estar de todos, uma das marcas de seu avô. De quais formas o senhor aplica o legado dele em seu trabalho?

Arun – Meu avô sempre dizia que, enquanto houvesse lágrimas nos olhos de uma pessoa em qualquer lugar do mundo, ele não poderia descansar em paz. Criar uma sociedade baseada na Sarvodaya, no mundo inteiro, é a nossa responsabilidade. Isso pode ser feito apenas quando entendemos a diferença entre a caridade motivada pela pena e a caridade motivada pela compaixão. A diferença entre as duas é que quando nós vemos uma pessoa ou família pobres e apenas damos alguma comida para eles, a nossa caridade é motivada pela pena. A ideia é fazer a boa ação e ir embora satisfeitos por ter aberto a nossa porta para o céu. Mas se a caridade é motivada pela compaixão, então nós iremos tentar descobrir por que essa pessoa ou família não consegue tomar conta deles próprios e como nós podemos fazer com que eles percebam seu próprio potencial. Através da nossa pena, nós esmagamos o auto-respeito dos outros e fazemos com que eles sejam dependentes da caridade para sempre.

Enviada por José Carlos.

http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI6061377-EI8266,00-Arun+Gandhi+temos+de+ensinar+sobre+emocoes+que+as+pessoas+nao+entendem.html

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.