Defesa dos direitos e dos bens comuns é o que significa a resistência do Xingu contra Belo Monte

Abong

O atual modelo de desenvolvimento para a região amazônica combina violação de direitos com disputa territorial e o definhamento da democracia. As práticas destrutivas socioambientais, decorrentes da inserção de multinacionais e seus grandes projetos, têm contribuído para o recrudescimento de conflitos, que se expressam na disputa entre poder local e global. Assim, coexistem, com o avanço da produção capitalista, algumas formas bastante atrasadas de relações sociais e políticas, como trabalho escravo, violência no campo, desmatamento, pedofilia e elevação do índice de criminalidade.

O desrespeito aos direitos fundamentais dos povos originários da floresta, que atuam em defesa de sua cultura, identidade e possibilidade de trabalhar e produzir em suas terras e rios, se insere em um contexto de aumento dos conflitos no campo no Brasil, que em 2011 cresceram de 1.186 para 1.363, segundo o relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Também a quantidade de lideranças – dentre religiosos, sindicalistas, agricultores, ribeirinhos, indígenas, quilombolas e até do Ministério Público Federal – ameaçadas de morte, aumentou mais de 100%, saltando de 125, em 2010, para 347, em 2011. E é justamente na Amazônia Legal onde se concentra o maior número de conflitos: 69% do total de disputas por terra, 79,3% dos assassinatos e 85% das ameaças de morte.

Para além das perdas em conflitos abertos, há retrocessos no campo normativo-legal, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo Partido dos Democratas para dificultar e/ou impedir a demarcação de novas áreas para os remanescentes de quilombos; as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas para regularizar seus territórios; e redução das áreas de proteção, como as das Florestas Nacionais Itaituba I e II. Outro exemplo do definhamento da democracia e perda de direitos é a criação, pelo próprio governo, de diversos mecanismos para desrespeitar os dispositivos legais que protegem o bioma e as populações que lá vivem. Belo Monte é, mais uma vez, um exemplo que ganha destaque nesse sentido.

Desde que foram pensados no período da ditadura, os projetos de barramento do rio Xingu, na região de Altamira, PA, motivam intensa mobilização dos povos de sua bacia. Há mais de 23 anos, os movimentos sociais do Xingu resistem à Belo Monte, e sofrem não apenas com as consequências da implantação do projeto, mas também com a criminalização de sua luta. Uma nova expressão dessa questão se deu no marco da Rio+20, na realização do encontro Xingu+23, entre 13 a 16 de junho, em Altamira.

Um dia antes do início do evento, que reuniu 300 pessoas, o Consórcio Norte Energia tentou anulá-lo com um interdito proibitório, criminalizando antecipadamente quatro membros do Movimento Xingu Vivo para Sempre. Agora, 11 participantes do Xingu+23, entre eles um padre que rezou uma missa e abençoou o encontro, um pescador que teve sua casa destruída pelo Consórcio, e um documentarista, estão sendo investigados e indiciados como criminosos.

Além de impor um projeto aos povos que lá vivem, divulgar inverdades sobre sua viabilidade econômica, energética, social e ambiental, destruir a vida da população que depende das matas derrubadas e das águas do rio, o governo, o Estado e as grandes empreiteiras transformam as vítimas dessa realidade em criminosos. A isso contribui a atuação de alguns veículos de comunicação, historicamente defensores dos grandes grupos econômicos, e apoiadores de golpes militares, que omitem os motivos de mobilizações e protestos contrários à obra. É importante lembrar que os indígenas não tiveram direito as oitivas; os agricultores e as populações urbanas não tiveram o direito de se manifestar; e cientistas, pesquisadores e o Ministério Público Federal são sistematicamente ignorados e muitas vezes, criminalizados.

Diante da injustiça social, a ordem no Brasil parece ser criminalizar os defensores dos direitos humanos: ativistas sociais, indígenas, sem-terra, organizações da sociedade civil, e agora o Movimento Xingu Vivo. Para isso, são criadas situações midiáticas que colocam a opinião pública contra as pacíficas manifestações que ocorrem em Altamira, com o objetivo de validar ilegítimas ações judiciais.

Por isso, a Abong se soma à exigência de imediata anulação de todos os processos de criminalização da população do Xingu e seus apoiadores; à reparação de perdas econômicas, morais, culturais e espirituais da população do Xingu; que o povo brasileiro decida sobre a implementação de megaprojetos e demais obras estruturantes; e que avancemos na construção da democracia no Brasil, com participação popular e efetivação dos direitos políticos, civis, sociais, econômicos, culturais e ambientais.

http://abong.org.br/informes.php?id=5488&it=5490

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.