“Não agüentamos mais, tantas promessas de cada presidente da Funai ou da República que vem nos visitar prometendo devolver nossas terras, usando de nossas esperanças para prometer mais prazos de demarcação que nunca são cumpridos. O que nos chega realmente são mais cruzes para colocar nos túmulos de nossas lideranças assassinadas pelos fazendeiros do agronegócio. Por isso, não vamos mais esperar! Nosso prazo acabou! Vamos fazer a retomada de nossas terras até o último guerreiro!“
Egon Heck
Essas palavras dos Kaiowá Guarani expressas no documento final da Aty Guasu realizada na Terra Indígena Rancho Jacaré, no município de Laguna Carapã expressa a dramática situação porque passam as comunidades nos confinamentos e acampamentos à beira das estradas. Reflete de maneira contundente a consciência dos direitos e a resoluta decisão de lutar pelos seus tekohá, territórios tradicionais.
Desta vez não apenas estão fazendo um apelo e dando prazos. Decidiram por medidas mais extremas, como levar a denúncia contra o Estado brasileiro à OEA, conforme expressa o documento da Aty Guasu: “Diante da morosidade em garantir nossas terras; da violência a qual nossas lideranças e comunidades estão submetidas e do genocídio conseqüente desta ausência efetiva do estado em nos proteger e devolver nossas terras. Decidimos efetivar a denúncia contra o Estado brasileiro, na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americano – OEA”.
A questão da não demarcação das terras Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, parece um drama surrealista. É inacreditável o menosprezo com que os governantes tripudiam sobre as leis e a Constituição, descumprindo prazos e obrigatoriedade de demarcar todas as terras indígenas há 34 anos. Três presidentes da ditadura militar, e depois cinco presidentes que fizeram e estão fazendo a transição para a democracia política com ditadura econômica do sistema neoliberal capitalista. Infelizmente o atual governo segue o mesmo caminho, sendo provável que Dilma, daqui dois anos e meio diga o mesmo que Lula ao deixar o governo: “Fiquei em dívida com os Guarani!”.
Já passaram mais de mil dias, mais de três anos do prazo para que os relatórios de identificação das terras Kaiowá Guarani fossem publicados. O prazo estabelecido pelo Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, assinado pelo Ministério Público Federal, a Funai e lideranças indígenas estabeleceu a data de 30 de junho de 2009 para que os relatórios fossem concluídos e publicados. Isso sob pena de multa diária de mil reais, ou seja, a Funai e o governo deveriam pagar mais de um milhão de reaisem multas. Já seria um bom recurso para agilizar os processos de reconhecimento e demarcação das terras dessas comunidades.
Outra questão de terra com relação às quais os participantes da Aty Guasu tomaram uma firme decisão foi com relação às terras cujos processos de regularização estão paralisados em função de decisões judiciais que nunca são julgadas: “Temos várias terras que já foram inclusive homologadas e nosso povo continua morando a beira das estradas, enquanto fazendeiros destroem nossas terras. Em um ano vamos recuperar estas terras que o Poder Judiciário nos nega violentando nosso povo”.
Lista das lideranças marcadas para morrer
“Sabemos que a organização criminosa histórica dos fazendeiros tem lista das lideranças indígenas que serão perseguidos e mortos por mando dos fazendeiros, observamos que em parte alguns juízes federais da justiça colaboram com os planos e as ações dos pistoleiros do Mato Grosso do Sul” (idem documento Aty Guasu).
Essa situação de extrema violência e ameaças contra a vida das lideranças que lutam por seus direitos se reflete nos inúmeros assassinatos ocorridos nas últimas décadas. Inúmeras campanhas nacionais e internacionais foram feitas exigindo providências, que passam fundamentalmente pela demarcação das terras e punição dos responsáveis pelos assassinatos.
“Da Polícia Federal esperamos uma retratação pelas acusações mentirosas que fez no início das investigações, dizendo que nossas lideranças da Aty Guasu estavam mentindo quando afirmávamos que Nísio Gomes havia sido assassinado sim” (idem).
Revogação da Portaria 303
As lideranças também se manifestaram decididamente pela revogação da Portaria 303 da AGU: “A portaria 303 da Advocacia Geral da União, revela a opção inconseqüente do governo por aqueles que nos matam e não por nossas vidas. Por isso, exigimos a imediata revogação da inconstitucional portaria 303!”
“Não vamos negociar nossos direitos através de supostas oitivas num breve período de suspensão. Não permitiremos que o ministro Luis Inácio Adams brinque com o sangue e a memória de nossas lideranças e o futuro de nossas crianças”.
Conclamação e certeza da vitória
Os participantes terminam o documento com proposta de diálogo e agendas com organismos e entidades e a conclamam a sociedade nacional e internacional para dizer um Chega a toda essa situação:
“Com o Conselho Nacional de Justiça queremos continuar o diálogo, no entanto, com resultados concretos que melhorem a vida do nosso povo, por isso propomos uma reunião entre a comissão do CNJ e o conselho do Aty Guasu para setembro próximo. Por fim, queremos que seja respeitado todas as indicações que a Aty Guasu fez, seja para a área da Educação, Saúde, Comitê Gestor, CNJ, CNPI e os controles sociais.
Nosso povo continua unido e forte apesar de todo sofrimento e perda. Nossa esperança se renova com a força dos nossos Nhanderús e Nhandesys que garantem que o dia da nossa vitória está próximo.
Conclamamos toda a sociedade nacional e internacional a se juntar a nós neste enfrentamento contra o poder que destrói a vida, as matas e os animais. Levem a todos o nosso CHEGA de Fome, CHEGA de Comunidades Atacadas, CHEGA de Lideranças Mortas.
DEVOLVAM NOSSAS TERRAS!
Aty Guasu Kaiowá e Guarani, 28 de julho de 2012. Aldeia Rancho Jacaré – Laguna Carapã”.
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