A UNIR e os Povos Indígenas de Rondônia: a invisibilidade do tema nas pautas dos reitoráveis na eleição 2012

Josélia Gomes Neves

O Estado de Rondônia possui uma das mais significativas populações indígenas do país – cerca de 11 mil pessoas, distribuídas em 23 Terras Indígenas que representam um total de 20,82% da área do estado (GTA, 2008), abrigando etnias como os Arara, Gavião, Cinta-Larga, Suruí, Karitiana, Karipuna, Tupari, sabanê, aikanã, Makurap, Kaxarari, Oro Nao’, Oro Win, Oro Mon, Oro Eo, Oro Waran, Oro Waran Xijein, Oro Cao Waje, Djeromitxi, Canoé, Salamãi, dentre outros povos, além dos grupos urbanos, como os Cassupá, os ressurgidos como os Puruborá e os indígenas livres ou isolados. No entanto, todo este quadro, não garante por si só uma maior identificação multicultural e plurilingüística no imaginário da sociedade local.

E essa invisibilidade reflete ainda de forma contundente na única universidade pública existente no estado, a UNIR. É evidente que algo já aconteceu, apesar de violentas manifestações de oposição e negação. Estamos nos referindo à implantação do Curso de Educação Básica Intercultural destinado a habilitar docentes indígenas em Rondônia, resultado do diálogo com os movimentos indígenas e da política de direitos à educação superior propiciada pelo então Governo Lula através do REUNI – Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. O primeiro vestibular aconteceu em 2009. Hoje o curso possui 130 estudantes, pertencentes a 23 etnias. Com uma exuberante diversidade de línguas, cores e saberes, enriquecem a UNIR – Campus de Ji-Paraná, qualificando-a como uma instituição com feição e prática mais amazônida. 

Sem sombra de dúvida, representou um grande ganho para os Povos Indígenas a UNIR reconhecer e apoiar a formação docente, mas as demandas apontadas pelo movimento indicam que há necessidade de formação em outras áreas do conhecimento com vistas a uma melhor gestão da Terra Indígena. Os índios em todos os seus fóruns tem reivindicado da UNIR a rediscussão das regras de acesso por meio de um vestibular específico e adequado às suas populações. Não querem esmola do Estado, exigem sim, provas que cobrem deles e delas o que efetivamente estudaram na aldeia na perspectiva bilíngüe e intercultural e não uma avaliação de formato urbanocêntrico. Uma avaliação justa que possibilite o ingresso de estudantes, no intuito de qualificá-los profissionalmente como médicos, administradores, antropólogos, contadores, advogados, enfermeiros, engenheiros dentre outros.

Observamos que progressivamente, apesar de todos os obstáculos na oferta da educação básica, os Povos Indígenas tem ampliado seus processos de escolarização nas aldeias ou cidades, o que implica diretamente em demanda para o ensino superior, entendido como lócus privilegiado de ampliação e instrumentalização da luta pela autonomia.

E a UNIR, única universidade federal do estado, tem sido procurada pelos índios? A resposta é afirmativa. Verificamos que no vestibular de 2008, por exemplo, 19 candidatos e candidatas indígenas – 13 do sexo feminino e 06 do sexo masculino pertencentes às etnias: Aikanã, Cassupá, Karitiana, Oro Nao, Oro Waran, Parintintin e Suruí sonharam com o ingresso em um curso superior da UNIR. Bateram nas portas dos seguintes cursos: Administração, Letras/Português, Arqueologia, Direito, Ciências Sociais, Enfermagem, Engenharia Civil, Medicina, Geografia, Pedagogia, Gestão Ambiental, Ciências Contábeis, nos Campi de Vilhena, Porto Velho, Cacoal e Guajará Mirim. Mas foi só um sonho.

E no processo seletivo de 2009, mais uma vez concorreram 17 indígenas – 06 do sexo feminino e 11 do sexo masculino pertencentes as etnias: Apurinã, Cassupá, Karitiana e Suruí. Os cursos de graduação desejados eram: Pedagogia, Direito, Enfermagem, Administração, Enfermagem, História, Medicina, Biologia, Geografia, Informática e Ciências Sociais nos Campi de Porto Velho e Cacoal. Mais uma vez, o desejo de estudar ficou só no sonho.

Dados obtidos na Fundação Nacional do Índio – FUNAI informam que o ingresso de estudantes indígenas de Rondônia na educação superior tem se concretizado efetivamente nas instituições privadas (grifo nosso) e não na pública, graças às possibilidades de bolsas viabilizadas principalmente pelo Programa universidade para Todos – PROUNI e as ajudas de custo oferecidas pela própria FUNAI.

Em 2010 realizamos um levantamento no órgão indigenista e, foi possível verificar que 27 estudantes indígenas de Rondônia – 15 do sexo feminino e 11 do sexo masculino encontravam-se matriculados em 17 cursos de graduação de 09 instituições de Educação Superior privada. Ao todo envolviam 10 etnias: Tupinambá, Tupari, Puruborá, Parintintin, Migueleno, Kaxinauá, Karitiana, Gavião, Canoé e Cassupá. Os cursos eram de Farmácia, Ciências Contábeis, Administração. Biologia, Enfermagem, Pedagogia, Letras, Engenharia Florestal, Matemática e Assistente Social.

Neste mesmo ano, verificamos ainda que para ter acesso a educação superior pública, as sociedades indígenas de Rondônia recorrem aos vizinhos estados do Amazonas e Mato Grosso: 16 estudantes pertencentes a duas etnias Apurinã e Zoró, matriculados nos seguintes cursos de graduação: Biologia, Matemática, Matemática, Educação Física, Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistema, UEA – Universidade Estadual do Amazonas, Campus de Lábrea e UNEMAT – MT, são 05 do sexo feminino e 11 do sexo masculino.

E a UNIR, a única Universidade pública localizada na Amazônia, segue seu caminho reforçando processos de exclusão e invisibilidade para com as sociedades indígenas. Sequer toma conhecimento de suas imensas listas de excluídos por ocasião dos processos de seleção, dos vestibulares. Sequer observa seus sobrenomes que continuam contando histórias, reedições do duro alheamento, agora reeditado e protagonizado pela Universidade Federal de Rondônia. Mesmo em tempos de campanha à Reitoria da UNIR, nenhum dos candidatos ou candidatas sinalizou algo concreto nesta direção. As propostas não mencionam uma linha na direção da luta pela democratização do acesso à educação superior para os Povos Indígenas, um silêncio constrangedor sobre as políticas de ações afirmativas e por sua vez, um silêncio sobre suas próprias obrigações formativas.

Profa Josélia Gomes Neves
Doutora em Educação Escolar
UNIR – Campus de Ji-Paraná
Departamento de Ciências Humanas e Sociais – DCHS
Líder do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA

http://www.tudorondonia.com/noticias/a-unir-e-os-povos-indigenas-de-rondonia-a-invisibilidade-do-tema-nas-pautas-dos-reitoraveis-na-eleicao-2012-,26907.shtml

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