Grávida está entre 12 estudantes presos hoje, domingo de Carnaval, na USP

por Alceu Luís Castilho, do Blog Outro Brasil

Uma estudante grávida está entre as seis mulheres e seis homens presos na manhã deste domingo, na Cidade Universitária, durante reintegração de posse de parte do bloco G, no Conjunto Residencial da USP (Crusp). O prédio estava ocupado pelos alunos desde maio de 2010.

A estudante de cursinho vestibular está no quinto mês de gravidez. Ela já tinha sido retirada durante o despejo de ocupantes do antigo espaço do DCE-Livre, em janeiro. Na época os estudantes divulgaram uma foto de um portão sobre seus ombros. Ela foi levada carregada – em uma cadeira, por quatro policiais- para o ônibus.

O major Marcel Lacerda Soffner, porta-voz da Polícia Militar, disse inicialmente que “provavelmente” ela não era estudante da USP. Depois foi mais categórico: afirmou que ela não estuda na universidade. De fato, ela não estuda – é companheira de um ocupante da Moradia Retomada, estudante de Física.

Segundo Soffner, 3 entre os 12 estudantes detidos não são estudantes da USP. Uma jovem de 16 anos foi presa – sem que alguém percebesse que ela tinha direitos específicos. O blog também apurou que pelo menos uma das pessoas presas, do Sul, estava de passagem exatamente nestes dias, durante o carnaval, hospedada no apartamento do amigo – também preso.

Os estudantes foram levados ao 14º Distrito Policial, em Pinheiros. O porta-voz da PM definiu a desocupação, iniciada por volta das 6 horas, como “pacífica”. Desde as 4h50, pelo menos, os policiais estavam no local, bloqueando as entradas para o bloco. Soffner informou que 100 policiais militares participaram da operação.

A polícia cumpriu um mandado expedido na sexta-feira pela juíza Ana Paula Sampaio de Queiroz Bandeira Lins, da 4ª Vara de Fazenda Pública. O autor do pedido de reintegração de posse é a USP. Os reús, a Associação dos Moradores do Crusp “e outros”. Leia aqui o motivo de Ana Paula ter tomado a decisão logo antes do feriado.

Moradores do terceiro andar do bloco F mostraram balas de borracha que, contam, foram atiradas pelos policiais. Vídeos registram os estilhaços. Os estudantes protestavam contra a reintegração – mas estavam impedidos de acessar o bloco G. O porta-voz da PM não quis entrar em detalhes sobre o conflito. Disse que tudo foi registrado em vídeo e será apurado.

Os seis estudantes expulsos da USP, em dezembro, estão entre as pessoas que ocuparam o bloco G, em maio de 2010. O local era conhecido como Moradia Retomada. Uma das primeiras providências da USP, durante a manhã de hoje, enquanto as entradas para o local eram lacradas, foi a de apagar as inscrições feitas pelos estudantes, com o nome “Moradia Retomada”.

O porta-voz da PM disse, em rápida entrevista coletiva às 9 horas, que o prédio já foi entregue juridicamente à USP. E que os estudantes foram fazer exame de corpo de delito, “para comprovar que não houve violência”. “Houve resistência normal, legítima, resistência passiva”, afirmou.

Pouco depois ele informou ao repórter da Globo que os estudantes responderão por resistência e por dano ao patrimônio público. “A polícia vai se manter aqui para monitorar a reintegração”, afirmou. Leia mais aqui sobre a entrevista com o porta-voz.

O estudante William Santana Santos, morador do Crusp, falou em nome dos estudantes. Disse que os estudantes pediram diálogo com a Coseas (a coordenadoria de Assistência Social da USP) para que não houvesse a desocupação.

O delegado Noel Rodrigues, do 14º DP, não quis falar sobre o caso. Disse que só falaria depois do almoço.

ESTUDANTES X PM

A Cidade Universitária vive desde outubro conflitos diretos entre estudantes e Polícia Militar. Em outubro, alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) reagiram à detenção de três estudantes que portavam uma pequena quantidade de maconha no estacionamento da história.

Em seguida estudantes ocuparam um prédio da administração da FFLCH. Uma semana depois, a reitoria da USP. No início de novembro houve reintegração de posse da reitoria, com centenas de policiais e a prisão de 73 pessoas – a maior parte alunos da USP. Uma estudante conta ter sido torturada.

Diante da desocupação da reitoria, os estudantes decidiram entrar em greve, progressivamente esvaziada durante os dois últimos meses – mas oficialmente prevista até a próxima assembleia geral, no início de março. Entre as reivindicações dos alunos estão a saída do reitor João Grandino Rodas e o fim do convênio entre a USP e a própria PM.

Em janeiro, um vídeo mostrou o estudante Nicolas Menezes Barreto sendo agredido por um sargento da PM, durante a desocupação do antigo DCE-Livre. Ele acusou a polícia de racismo. “PM me escolheu porque eu era o único negro”, disse ele ao blog Outro Brasil.

Adolescente de 16 anos estava entre doze presos na USP

A Polícia Militar não percebeu. Conselheiro Tutelar, não havia – apesar de determinação da juíza nesse sentido. A Polícia Civil também não percebeu, inicialmente. Depois, deixou-a numa cela comum por mais de três horas. Mas uma entre os 12 presos na Cidade Universitária, na manhã deste domingo, tem apenas 16 anos.

Seus direitos, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, foram ignorados sucessivas vezes, durante reintegração de posse no bloco G do Conjunto Residencial da USP.

O blog Outro Brasil conversou na tarde deste domingo, com exclusividade, com a estudante, moradora de Nova Odessa. Durante uma hora de entrevista ela se mostrou calma, sem se considerar assustada. (O ECA não permite a divulgação de seu nome, nem das iniciais.)

A jovem chegou ontem à tarde em São Paulo, com uma amiga, maior de idade, que veio declarar interesse na espera da quarta chamada da Fuvest. Passou somente uma noite na Moradia Retomada, em um quarto – a amiga havia saído quando os policias chegaram. Acordou por volta das 6 horas, com barulho de rojão – utilizado pela Polícia Militar como sinalização, durante a desocupação – e, da janela, logo viu a Tropa de Choque.

Dois ou três minutos depois, enquanto ainda arrumava suas coisas, um policial (e não um oficial de justiça) da Tropa de Choque entrou no quarto e perguntou se ela era moradora. Ela respondeu que não. Foi informada que era para descer, que seria liberada. Mas foi encaminhada para uma sala, junto com os demais 11 ocupantes do bloco. Lá, todos forneceram o RG. Nenhum policial e nenhum assistente social – entre os destacados pela USP para acompanhar o caso viu que ela nasceu em setembro de 1995.

O mandado judicial previa a presença de um Conselheiro Tutelar. Mas não havia. “Deverá a Universidade de São Paulo providenciar a presença de integrante do Conselho Tutelar para acompanhar a diligência da remoção coercitiva”, escreveu a juíza Ana Paula Sampaio de Queiroz Bandeira Lins encaminhado para oficiais de justiça e para o comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Da sala, em vez de serem liberados, como fora sinalizado, todos seguiram para um ônibus. De lá, para o 14º Distrito Policial, em Pinheiros. Lá, foi encaminhada para uma cela comum, junto com os demais. Foi quando ela falou para uma carcereira, antes de ser revistada, que era menor de idade. A resposta foi que ela não poderia ficar na mesma cela – mas ficaria em outra, separada. E lá ficou, por mais de três horas.

– Era muito suja. Tinha cerca de 2 metros por 1 metro e pouco. Estava inteira escrita. A privada era muito nojenta, tinha merda ali. Na parede algo que me pareceu ser sangue. 

Recebeu um pão com refrigerante, sem queijo – ela é vegan. Provavelmente enviado pelas pessoas que, do lado de fora da delegacia, esperavam os doze presos.

Por volta de 12h30 ela foi falar com o delegado. Não lembra o nome dele. O delegado de plantão, Noel Rodrigues, não quis dar entrevista, nem de manhã, ainda na Cidade Universitária, nem à tarde. Respondeu a uma bateria de perguntas – sem a presença de assistente social, Conselheiro Tutelar, alguém que defendesse especificamente direitos de uma adolescente. Apenas a advogada dos estudantes da USP – ligada à Conlutas.

Entre as perguntas, quem ela conhecia entre os estudantes, por que estava ali. Uma das afirmações, conta ela, era na linha “jogar verde para colher maduro”: 

– Fiquei sabendo que um deles é namoradinho seu – disse o delegado.

Ela negou prontamente. Eram 12h40 quando deixou a delegacia. A advogada responsabilizou-se por sua saída.

BALANÇO DO DIA

Acima, o relato. Mas o que a estudante achou de tudo o que vivenciou? Primeiro, ela diz que deveriam ter percebido logo que ela tem 16 anos:

– Eu não deveria ter ficado na cela, é muito ridículo. E estranho. Ficaram com o documento desde quando estávamos na sala, tiraram xerox, fizeram não sei o quê, e não perceberam que eu era menor?

Ela considera que, a partir do momento em que foi falar com o delegado, sentiu que queriam se livrar logo dela. O caso quase não foi mencionado pela grande imprensa – apenas uma rápida menção no portal G1, sem detalhes.

A estudante não conseguiu ver as identificações dos policiais. “O que entrou no meu quarto estava com aquele negócio pendurado, não deu para ver o nome”. Ela observa que havia três pessoas gravando ou tirando fotos – mas não o oficial de justiça, um conselheiro tutelar ou assistente social.

Sobre a reintegração de posse, a estudante diz que não era necessário nada daquilo.

– O pessoal precisa morar em algum lugar, eles não têm condição, não têm para onde ir. Totalmente desnecessário ter 150, 200 policiais. Tem outras coisas que eles poderiam fazer.

“Informes” levaram juíza a decidir pela desocupação no feriado

A juíza Ana Paula Sampaio de Queiroz Bandeira Lins escreve, no mandado de reintegração de posse datado do dia 17 de fevereiro, que “novos informes” motivaram o prosseguimento da reintegração de posse na Moradia Retomada, no bloco G do Conjunto Residencial da USP, neste domingo de carnaval.

Há alguns dias, estudantes montaram barricadas para impedir a reintegração. Mas a reitoria informou que ela não estava prevista. E, de fato, uma consulta ao processo mostrava que não havia ainda mandado judicial – expedido na sexta-feira por Ana Paula.

Uma cópia do documento foi entregue pelo porta-voz da PM aos jornalistas. Ele mostra que a juíza mantinha-se informada sobre o que acontecia no Crusp, e que o esvaziamento durante o carnaval foi motivo para a reintegração de posse.

Veja o principal trecho do mandado:

“Novos informes referentes à ocupação da área em que anteriormente estava estabelecida a Coordenadoria de Assistência Social da USP (Bloco G do Crusp) chegaram a essa unidade.
Segundo as notícias ora veiculadas, a situação começou a se acalmar, tendo sido retirados os obstáculos anteriormente utilizados como barreiras de acesso ao interior do imóvel.
Esse novo panorama está a sugerir a possibilidade de prosseguimento da diligência de reintegração sem maiores riscos à incolumidade dos ocupantes da área em litígio, dos agentes do Poder Público envolvidos na operação e de todos os estudantes, professores e funcionários da Universidade.
Determino, pois, sejam designados Oficiais de Justiça dessa unidade para cumprimento da ordem reintegratória”.

Em seguida a juíza determina à USP que providencie os meios necessários para embalar os pertences dos ocupantes. Discorre sobre o destino dos móveis, cabendo também à universidade disponibilizar caminhões e carregadores “de forma célere”.

Ana Paula determina a presença de assistente social da própria USP – que, segundo alguns estudantes, foi hostilizado ao chegar ao local. Ela também diz que poderiam existir menores no local, e que por isso a USP deveria providenciar a presença de integrante do Conselho Tutelar para acompanhar a “remoção coercitiva”.

“No cumprimento do ato, ficam autorizados, se necessário, o arrombamento e o reforço policial, observada, em sua utilização, a máxima cautela”, escreve a juíza. “A ordem de arrombamento estende-se a todos os acessos internos ou externos existentes na área ocupada, bem como compartimentos trancados do mobiliário ali existente”. 

O estudante William Santana Santos, porta-voz dos moradores do Crusp, disse que os professores Jorge Souto Maior, da Faculdade de Direito da USP, e Luiz Renato Martins, da Escola de Comunicações e Artes (ECA), fizeram um inventário da Moradia Retomada, para mostrar que ela era, de fato, utilizada para moradia. O blog aguarda retorno de contato com o professor Souto Maior.

Leia mais:

http://alceucastilho.blogspot.com/2012/02/estudante-gravida-estaentre-12.html

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