Funcionária acusa colégio de bairro de classe média-alta de discriminação. Os dois lados se confrontaram em reunião convocada pela Assembleia Legislativa
Por: Letícia Cruz, Rede Brasil Atual
São Paulo – Ester Elisa da Silva Cesário, estudante de 19 anos, afirma enfrentar dificuldade em retomar sua rotina dois meses após ser demitida do Colégio Anhembi Morumbi por estar “fora do padrão” do local de trabalho. A ex-estagiária, que viu no episódio discriminação racial por seus traços físicos, foi convidada a prestar depoimento em sessão extraordinária da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e Cidadania da Assembleia Legislativa na tarde desta terça-feira (14). A reunião uniu os dois lados pela primeira vez desde a denúncia do caso, em 5 de dezembro.
“Hoje estou em um dilema, desempregada e brigando para resgatar minha integridade”, disse. Contratada em 1º de novembro do ano passado para recepcionar e mostrar aos pais dos novos alunos as dependências da escola, a estudante de pedagogia diz ter feito duas entrevistas antes da contratação, não sofrendo nenhum tipo de discriminação. Logo na primeira semana de trabalho, teria sido advertida a prender seu cabelo. “Me diziam que o padrão lá era de cabelo liso”, contou.
Outro caso recorrente de discriminação relatado por ela seria motivado pelo estilo de se vestir. De acordo com Ester, uma das professoras da escola insinuava que suas roupas seriam inadequadas e que “mostrariam demais” ao público, obrigando-a a usar uniformes. O tratamento no local de trabalho também seria hostil. Após discussões com a diretoria, ela teria sido remanejada para outra área da escola, no arquivamento de documentos dos alunos.
“Quando disseram que eu denegri o nome do colégio, fiquei depressiva. Eles não aceitam a negritude lá dentro, e eu fui infelizmente alvo disso”, desabafou. A moça, que contratou advogado para auxiliá-la no caso, garantiu que não irá abandonar sua queixa. “Desde o primeiro dia fui discriminada lá. É a minha palavra contra a deles.”
A instituição de ensino atende crianças de classe média-alta do bairro do Brooklin Novo, na zona sul da capital paulista. Alegando constrangimento, Mercedes Vieira, diretora da escola, se resguardou de falar oficialmente sobre o caso a maior parte da reunião, respondendo apenas questionamentos pontuais. Em seu lugar, o diretor-geral do colégio, Mário Gregório, negou todas as denúncias feitas. “Rejeitamos veementemente discriminação de qualquer tipo, e por isso ficamos surpresos por este tipo de acusação”, declarou.
O representante, que assumiu a função após o caso de Ester, afirmou que a instituição prefere esperar pelos resultados das investigações feitas em torno do caso. Sobre a obrigatoriedade de cabelo preso e do uniforme, Gregório admitiu apenas que as funcionárias têm de adotar o penteado em razão das crianças, e negou o pedido de alisamento do cabelo de Ester. A instituição tem cerca de 300 alunos e 50 funcionários, incluindo professores. Desses, são 22 alunos e 10 funcionários negros.
O inquérito foi aberto logo em dezembro na Delegacia de Crimes Raciais e de Intolerância, e ainda encontra-se em trâmite no Fórum Metropolitano de Segurança Pública. De acordo com a delegada Margareth Barreto, foram sete testemunhos oficiais sobre o caso até o momento. “Vimos um aumento nos crimes de racismo no estado de São Paulo. Continuamos indicando uma política preventiva de ocorrência de crimes de ódio”, disse a delegada. Na mesma linha, o advogado de Ester, Cleyton Wenceslau, acredita que este é o momento da organização do colégio acusado rever a conduta de seus funcionários e evitar outros possíveis casos. “A resposta da instituição é sempre a mesma, desqualificando quem teve a posição de denunciar. O fato da empresa dizer que tem negros em seu quadro de funcionários não significa que lá não tenham casos”, defendeu Wenceslau.
Entre os requerimentos dos deputados ao final da reunião, ficou acordado o convite à professora que teria discriminado a ex-estagiária para que ela preste depoimentos e exponha seu lado dos fatos. A prática do racismo é considerada como crime inafiançável pela Lei 7.716/89.
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