Gilmar Mendes despreza a opinião pública

Gilmar Mendes

Por Wálter Fanganiello Maierovitch

O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por 7 contra 4 votos, da constitucionalidade das condições de elegibilidade estabelecidas na chamada Lei da Ficha Limpa foi importante na pavimentação do caminho ético na nossa ainda imperfeita democracia representativa.

No entanto, faltam muitas outras medidas de aperfeiçoamento democrático. A começar pelo “recall” (cassação popular de mandatos) contra aqueles que traem os compromissos assumidos com os eleitores em programas que apresentaram como candidatos.

Parêntese. O caso mais recente de recall ocorreu na Califórnia, com o afastamento do governador Gray Davis, do Partido Democrata, e a eleição do republicano Arnold Schwarzenegger. Em muitos cantões da Suíça, o recall pode ser utilizado contra os representantes nas câmaras e nos governos cantoneses. Na Constituição russa de 1918, os leninistas conseguiram introduzir o recall e ele permaneceu nas constituições da União Soviética de 1936 e 1977. Para Lenin, num escrito publicado no seu jornal Iskra, editado na Suíça durante seu exílio, um país não é democrático se o eleitor não contar com um instrumento para retomar o mandato concedido ao eleito. O recall recomendado por Lenin acabou introduzido na então Alemanha Oriental, Hungria, Romênia, Polônia, Tchecoslováquia e Bulgária.

No julgamento de ontem, um fato alarmante não pode cair no esquecimento, em especial por ter a Lei da Ficha Limpa nascido da iniciativa de 1,3 milhão de eleitores. Refiro-me ao proclamado, a plenos pulmões, pelo ministro Gilmar Mendes revelando, como já fizera em outra ocasião o ministro Cezar Peluso, que para ele a opinião pública não conta. Da sua lavra é a frase que, colocada num âmbito de Brasil e não regional, é equivocada: “Não se deve esquecer, ademais, que essa tal opinião pública é a mesma que elege os chamados candidatos ficha suja”.

A “tal opinião pública”, quando se está num regime onde todo o poder provém do povo e será exercido em seu nome, pesa sim. E não pode ser desconsiderada quando em conformidade à Constituição (estado de Direito).

No particular, quem pensa como o ministro Gilmar Mendes num estado democrático revela insensibilidade, autoritarismo, arrogância, prepotência e desconhecimento de que um ministro do STF pertence a um órgão do poder e não é agente de autoridade. E sempre convém lembrar que a palavra grega demokratia é composta de demos (povo) e kratos (poder), que significa “poder do povo”. Do povo, e não de Gilmar Mendes.

A respeito de opinião pública nas democracias, lembro de uma definição inspirada na respeitada Hannah Arendt e transcrita no livro intitulado Corrupção e Sistema Político (acabou de chegar às livrarias), de Leonardo Avritzer e Fernando Figueiras (edição Civilização Brasileira-RJ):

“Entendemos em geral por opinião pública uma esfera em princípio acessível a todos, na qual os indivíduos, enquanto membros do público, podem se comunicar de maneira relativamente livre uns com os outros sobre questões que interessam à comunidade. O acesso sem entraves às informações, à liberdade de expressão e à tolerância recíproca de perspectivas compõe essa opinião pública, fórum de comunicação para todos os que dizem alguma coisa ou que querem escutar o que dizem os outros.”

O certo é que a opinião pública vai continuar a pressionar por melhorias e Gilmar Mendes, desde que rasgou súmula do STF para soltar por habeas corpus o banqueiro Daniel Dantas, pode não estar entre os mais confiáveis se feita uma pesquisa de opinião pública.

Pano rápido. Por pressão da opinião pública, talvez consigamos fixar prazo para mandato de ministros do STF e mudar os critérios de escolha.

http://maierovitch.blog.terra.com.br/2012/02/17/gilmar-mendes-despreza-a-opiniao-publica/

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