Para comunidade quilombola, trabalhar significa ficar longe da família

Adelvan da Paixão, de 30 anos, comprou uma moto, um guarda-roupas de seis portas e uma cama de casal depois que voltou de viagem. Trabalhando como armador na construção da hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho, Rondônia, ganhava pouco mais de R$ 2 mil por mês.

No povoado Mimbó, conhecida comunidade quilombola no Piauí, a 150 quilômetros de Teresina, onde vive, ele não conseguiria ganhar mais do que algumas diárias de cerca de R$ 25 em um mês. Lá, a única opção de trabalho seria fazer pequenos serviços na roça, como levantar uma cerca ou fazer carvão, diz.

Assim como moradores de outras pequenas cidades no Nordeste, Adelvan e muitos homens da nova geração no Mimbó viajam centenas de quilômetros para passar longas temporadas fora de casa, indo até onde há trabalho na construção civil. Eles são atraídos para as grandes obras de infraestrutura, que são uma das facetas do crescimento econômico nacional registrado nos últimos anos, já que o desenvolvimento ainda não chegou às suas próprias cidades.

“Desenvolvimento, mesmo, aqui não tem. É só lá fora mesmo que tem”, diz Adelvan.

MIGRAÇÃO

No dia seguinte à visita da BBC Brasil, no início de janeiro, Paixão partiria com outros 12 moradores da comunidade para trabalhar no porto de Santos, em São Paulo. Seria sua sétima temporada fora, depois de já ter trabalhado em obras em Rondônia, Santa Catarina, Manaus e São Paulo. “Tudo que a gente tem aqui no povoado Mimbó é trabalhando fora, em construção civil”, diz Adelvan.

Ronaldo Silva Paixão, de 24 anos, realizou o sonho de construir uma casa de alvenaria no lugar da anterior, que tinha cobertura de palha, graças ao dinheiro arrecadado em temporadas fora. Pai de três filhas, ele tinha medo de que faíscas pudessem atear fogo à casa. “Eu fui com esse sonho para Rondônia e graças a Deus consegui e estou realizado”, diz Ronaldo. “Outros tinham o sonho de uma geladeira, de ter a casa própria, um som, um computador, uma moto, e graças a Deus hoje a comunidade está bastante desenvolvida.”

A comunidade quilombola do Mimbó tem 420 moradores. A mãe de Adelvan, Idelzuita Rabelo da Paixão, 58 anos, conta que o quilombo foi formado por escravos fugidos que se instalaram em uma caverna próxima ao rio Canindé, na parte baixa do vale onde se desenvolveu o povoado. Ela diz que tem sido comum a nova geração sair atrás de trabalho para ganhar dinheiro. “Aqui não tem emprego. A única renda são os aposentados e o Bolsa Família”, diz ela, que tem oito filhos. Além de Adelvan, um outro também trabalha fora, como pintor, em São Paulo. “Aqui, só ajeita a casa se trabalha fora, meu bem; se não, não ajeita, não”, diz Idelzuita.

Enquanto os maridos estão longe de casa, as mulheres ficam cuidando dos filhos. A esposa de Ronaldo, Edmara, diz que a saudade aperta e que o companheiro voltou com malária da última temporada em Porto Velho. Mas “o jeito é ele viver no mundo mesmo”. Ela recebe R$ 166 do Bolsa Família e diz que, de vez em quando, consegue “alguma diária de R$ 25 para ajudar”. “Dá saudade, mas fazer o quê?”, conforma-se ela, que tem 23 anos e teve a primeira das três filhas com 17. Viajando a trabalho, Ronaldo perdeu o nascimento de todas as três.

Adelvan planeja passar o ano todo trabalhando em Santos, voltando de três em três meses para os intervalos a que tem direito, quando poderá rever a filha que nasceu nos dias antes de ele partir em viagem. “Bom não é, dá muita saudade, mas Deus ajuda e a gente consegue”, diz.

PROBLEMAS

O povoado Mimbó fica no município de Amarante, que tem 17 mil habitantes e renda per capita média de R$ 268, segundo o Censo 2010 do IBGE.

Francisco Júnior, coordenador da ONG Movimento pela Paz na Periferia (MP3), que atua no local, está construindo uma estação digital na comunidade para levar acesso à internet e à informática aos moradores. Ele diz que falta engajamento da população para buscar formas de melhorar a vida. “O povoado tem muita terra e fica à beira da avenida. Eles podiam vender, mas produzem pouco, só para subsistência. De atividade econômica, mesmo, não tem nada.”

Júnior diz que problemas como alcoolismo e prostituição têm aumentado no povoado, e acredita que o dinheiro trazido pelo Bolsa Família acabe sendo usado também nos bares que proliferam no povoado. “A gente está quase saindo de lá, porque isso desestimula a gente. O álcool está ganhando da gente”, diz.

Idelzuita confirma que o álcool tem sido um problema grande. “O maior problema é a falta de emprego aqui. Aí esses jovens ficam subindo e descendo, ficam no bar, na dança, no reggae”, lamenta.

http://www.cedefes.org.br/?p=afro_detalhe&id_afro=7933

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