[Se concretizada,] A expulsão dos agricultores do território quilombola do rio do Macaco, entre os municípios de Salvador e Simões Filho, prevista para ocorrer no próximo dia 4 de março, será uma derrota para as comunidades quilombolas do Brasil e representará um retrocesso em toda a política para quilombos. Este foi o tom de vários discursos pronunciados na noite de segunda-feira passada (6), durante o “Ato de apoio à comunidade quilombola rio dos Macacos”, que lotou a Sala Principal do Teatro Vila Velha, apesar da greve dos policiais militares.
“Vivemos uma conjuntura nacional extremamente difícil para as comunidades quilombolas”, acentuou o deputado federal Luis Alberto (PT) para a platéia formada por quase 100 quilombolas e dezenas de representantes de entidades dos movimentos negros e outras organizações civis. Ele disse que há uma articulação ativa da bancada ruralista no Congresso Nacional contra os interesses dos quilombolas; e que tramitam na Câmara dos Deputados um projeto de emenda à Constituição Federal (CF) que pretende avocar para o poder legislativo a regularização das terras quilombolas – hoje à cargo da Fundação Palmares e do Incra – e outros projetos que pretendem anular todos os decretos em favor dos quilombos.
O representante da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), Pedro Diamantino explicou que o artigo 68 das disposições transitórias da CF garante “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras” a propriedade definitiva, porém este artigo até hoje não foi regulamentado, o que gera instabilidade jurídica. A demarcação de terras quilombolas atualmente está lastreada no decreto federal 4887/2003, que é um instrumento jurídico insuficiente para garantir a posse definitiva da terra. O cerco aos quilombolas, contudo, vai além das medidas no âmbito legal e legislativo, na medida em que o agronegócio e demais proprietários de terras estimulam ameaças e patrocinam mortes de lideranças em todo o país.
“Os ruralistas não aceitam a demarcação de terras quilombolas e o Incra não tem instrumentos para a operar adequadamente a política. A batalha é dura e precisamos de muitos aliados”, reiterou o deputado Luiz Alberto.
As lideranças do quilombo Rio do Macaco presentes ao evento fizeram relatos terríveis da violência com que são tratados pela Marinha do Brasil, que atinge crianças, adultos homens e mulheres e idosos, inclusive contra pessoas com mais de 100 anos de idade que nasceram e sempre viveram nas terras reivindicada pela força armada. Os quilombolas relataram que não têm acesso à água, energia elétrica, aos serviços de saúde e à escola. A Marinha proibiu também os agricultores de plantarem roças e reprimiu até mesmo a prática religiosa e cultural da comunidade, destruindo quatro terreiros de candomblé.
“O mundo precisa saber que somos tratados como animais. Estamos pedindo socorro, precisamos da ajuda de vocês”, conclamou a quilombola dona Olinda.
Diversos oradores sugeriram a denúncia da situação da comunidade de rio do Macaco a organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, caso não avancem as negociações com o governo brasileiro para uma solução pacífica do problema. No mesmo dia do ato no Teatro Vila Velha estava prevista uma reunião com representantes da Secretaria-Geral da presidência da República, visando a criação da Câmara de Conciliação e Arbitragem. Contudo, a reunião foi desmarcada e ainda não foi definida uma nova data para ocorrer. A instalação desta Câmara é considerada fundamental para que as negociações possam se estabelecer e seja evitado o despejo da comunidade.
A mesa dos trabalho foi presidida pela socióloga Vilma Reis e foi formada por Makota Valdina Pinto, pelas quilombolas dona Olinda e Rosimeire Silva, por Eliete Paraguaçu, do movimento de pescadores, pelo deputado Luis Alberto, por Pedro Diamantino (AATR) e por representantes da CESE e do CDCN. O evento contou com o apoio da cantora Juliana Ribeiro, da atris Alice Braga, do ator Lázaro Ramos, do Bando de Teatro Olodum, Bloco Afro Os Negões e do cantor Lazzo Matumbi, que encerrou os trabalhos cantando várias canções do seu repertório. O evento foi aberto com a exibição do documentário Quilombo do Rio do Macaco.