O Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul (CONDEPI) enviou carta ao Relator ANDRÉ NEKATSCHALOW e a todos os demais desembargadores federais da 5º Turma do TRF da Terceira Região (SP), manifestando sua preocupação em relação a nova possibilidade de expulsão dos Kaiowá-Guarani da terra indígena Laranjeira Nhanderú. O CONDEPI pede seja dado provimento aos recursos interpostos pela FUNAI, pelo MPF e pela Comunidade, e que a ordem de despejo contra ela emitida seja suspensa. A questão deverá estar na pauta do TRF amanhã, 6 de fevereiro.
A comunidade, composta em 60% por crianças, vem sofrendo graves violações de direitos humanos, com repercussões nacionais e internacionais. Suas terras foram invadidas, as decisões da Justiça são conflitantes, e eles já foram expulsos diversas vezes ao tentar retomar parte de seu território tradicional. Na última tentativa, suas casas foram queimadas por ordem do fazendeiro, e seus animais de estimação e criação foram mortos. Atualmente, os Kaiowá-Guarani vivem na margem da BR-163 (o que já ocasionou diversas mortes por atropelamento), separados por cercas de arame farpado do território que deveria ser reconhecido como seu. Abaixo, a íntegra da Carta, com a assinatura de 79 entidades. TP.
CARTA DO CONDEPI CONTRA A DECISÃO DE DESPEJO DA COMUNIDADE KAIOWÁ-GUARANI DE LARANJEIRA NHANDERÚ, MUNICIPIO DE RIO BRILHANTE, MATO GROSSO DO SUL
O Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul – CONDEPI – criado em 24 de agosto de 2011, em reunião realizada em Campo Grande na sede da OAB/MS – em face das graves violações de direitos humanos registradas na região, além de toda violência que atinge os povos indígenas de Mato Grosso do Sul de forma crescente pela negação de seus direitos – vimos pela presente nos manifestar e ao final requerer o seguinte:
1. Das violações de direitos:
Como é notório, a realidade que afeta os povos indígenas do estado de Mato Grosso do Sul trata-se de uma permanente e constante ofensa à Constituição Federal brasileira, principalmente aos artigos 1º, I, III, 3º, I, II, III e IV, 5°, III, VI, XXXV, XXXVI, XLIV, LIV e 231, além da negativa de vigência aos Tratados Internacionais os quais que o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da OIT e a Convenção Americana de Direitos Humanos, além do total desrespeito às regras mínimas sobre os direitos indígenas estabelecidos pela Organização das Nações Unidas na Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas do mundo.
Atualmente, o Estado de MS concentra 31 acampamentos indígenas[1] com “mais de 1200 famílias vivendo em condições subumanas à beira de rodovias ou sitiados em fazendas”
Dessas etnias, o povo Kaiowá-Guarani é o mais numeroso e o que mais tem sido vítima da sonegação dos direitos humanos fundamentais. Muitas famílias desses povos reivindicam a demarcação de suas terras tradicionais, onde, inclusive, tem suas lideranças ameaçadas e muitas foram assassinadas.
A partir dessa premissa, inclui-se a atual situação que atinge a comunidade Kaiowá e Guarani da terra indígena Laranjeira Nhanderú, localizada no município de Rio Brilhante, MS, em vias de sofrer mais uma violação aos seus direitos em razão de eventual cumprimento da decisão proferida pelo Juízo da 2°. Vara Federal de Dourados nos autos da Ação de Reintegração de Posse de nº 0001228-46.2008.4.03.6002, conforme será demonstrado a seguir.
2. Breve histórico sobre Laranjeira Nhanderú: iminentes riscos de violações de direitos humanos na região.
A terra indígena Laranjeira Nhande Rú vem sendo reivindicada há anos pelos Kaiowá-Guarani de Mato Grosso do Sul para fins de demarcação pelo Governo Federal.
Em maio de 2008, famílias extensas de Kaiowá e Guarani, originárias das terras situadas em Laranjeira Nhanderú, ocuparam, pela primeira vez, uma pequena parte de seu território tradicional. Naquele período, os Kaiowá-Guarani permaneceram em uma pequena mata nativa localizada na área de “reserva legal” da fazenda, às margens do Rio Brilhante.
Em 10 de março de 2008, o fazendeiro incidente na terra indígena moveu Ação de Reintegração de Posse[2] contra os Kaiowá-Guarani de Laranjeira Nhanderú na Justiça Federal de Dourados. Em 04 de agosto de 2008, o Juízo da 2º Vara Federal de Dourados concedeu liminar determinando o despejo da comunidade.
O Ministério Público Federal e a Funai recorreram da decisão para o Tribunal Regional Federal da Terceira Região, em São Paulo, sendo, primeiramente, negado efeito suspensivo ao agravo[3]. Em 15 de dezembro de 2008 a FUNAI requereu à Presidência do TRF3. a suspensão da decisão de reintegração de posse.[4]
Em 22 de dezembro de 2008, a Desembargadora Federal, Dra. Marli Ferreira, proferiu decisão para conceder o prazo de cento e vinte dias para que os Kaiowá-Guarani fossem retirados de sua terra tradicional e transferidos para outra área a ser definida pela FUNAI.
Em 27 de maio de 2009, a Presidência do TRF3º determina que a Funai apresente quinzenalmente, “relatórios referentes aos andamentos dos trabalhos ao Juízo de Dourados”. Neste período, os indígenas ainda permaneciam dentro de sua terra.
Porém, em 24 de agosto de 2009, o TRF3º determina a imediata retirada dos indígenas do local, sendo, em 11 de setembro de 2009, foi dado cumprimento à ordem e os indígenas se retiram da área ocupada mediante a presença de força policial.
Com a saída da terra, os Kaiowá-Guarani iniciam a montagem do seu novo acampamento, nas margens da BR-163.
Neste entremeio, com a necessidade da saída urgente da área, não houve tempo para que os indígenas retirassem outros pertences antes do anoitecer, como a madeira e o sapê das casas, e que poderiam ser aproveitados para construção de outras.
De acordo com os Kaiowá-Guarani, estes pediram para que a Funai, a Polícia Federal e ao MPF, que solicitassem dos fazendeiros a retirada do sapê (palha), bem como a madeira das casas. Segundo os indígenas, agentes da PF se comprometeram em conversar com o Juiz sobre essa possibilidade.
Em 14 de setembro de 2009, após a saída definitiva da Polícia Federal nas proximidades da região, cerca de trinta e cinco casas de indígenas da aldeia foram queimadas por fazendeiros, próximas à mata nativa, que também foi afetada com a queimada. O Ministério Público Federal tomou ciência dos fatos. De acordo com Zezinho, uma das lideranças dos Kaiowá-Guarani, os indígenas ficaram “abalados” com a ação. Durante a madrugada, alguns indígenas se arriscaram a ir à antiga aldeia para resgatar pequenos animais, mas a maioria dos bichos, como galinhas e cachorros, já estavam mortos.
Os Kaiowá-Guarani denunciam ainda que, naquele período, houve a morte de uma criança da comunidade pelo fato de que a entrada da FUNASA foi obstada por fazendeiros da região. Posteriormente, o TRF3º determinou que os fazendeiros não impedissem o acesso da equipe da FUNASA ao acampamento da comunidade indígena até a efetivação da retirada da comunidade do local, sob pena de multa.
Os Kaiowá-Guarani de Laranjeira Nhande Rú permaneceram nas margens da BR-163 por um ano e seis meses. Durante este período, passaram por difíceis situações e foram constantemente agredidos em seus direitos mais fundamentais.
Os indígenas foram visitados por representantes de organismos de defesa dos direitos humanos, movimentos sociais, brasileiros e estrangeiros, bem como por inúmeras pessoas solidárias à este povo.
A partir das visitas, foram constatados, e depois denunciados por meio da imprensa nacional e internacional, diversas violações de direitos humanos básicos, como, por exemplo, acesso à água potável e alimentação.
Outras questões gravíssimas, como inundações pela chuva e calor excessivo, acrescentavam ao cenário, já perturbador, outras violações. Sem contar a situação de descumprimento total do Estatuto do Idoso, em relação aos idosos da comunidade com mais de 90 anos que permaneciam vivendo dentro de barracos de lona no calor excessivo.
A intensidade do tráfego nas margens da BR-163 e seus riscos evidentes acarretaram na morte de três indígenas por atropelamento. Além disso, foram recorrentes as denúncias de ameaças e intimidações vindas de fazendeiros da região em seus veículos quando trafegavam pela rodovia.
Em 2007, um Termo de Compromisso de Conduta[5] foi assinado entre lideranças indígenas, Ministério Público Federal/MS e a FUNAI. Este compromisso obriga a FUNAI a promover a identificação de 36 terras tradicionais reivindicadas pelo povo Kaiowá e Guarani distribuídos em 6 bacias hidrográficas[6] do sul de Mato Grosso do Sul. Neste termo está incluída a terra indígena Laranjeira Nhande Rú.
Porém, o termo encontra-se com seus prazos todos expirados e até a presente data nada foi concluído em relação à identificação antropológica da terra. Até hoje nenhuma terra tradicional reivindicada pelos Kaiowá Guarani, em áreas contempladas pelo TAC, foi identificada por determinação dos órgãos do Poder Executivo Federal.
Desde 15/05/2011, os indígenas Kaiowá-Guarani ocupam novamente pequena parte de sua terra tradicional Laranjeira Nhande Rú, localizada no município de Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul.
É a segunda tentativa da comunidade Kaiowá-Guarani de retomar parte de seu território tradicional no local onde incide a reserva legal da fazenda Santo Antônio de Nova Esperança.
Vele reiterar que desde setembro de 2009 os Kaiowá-Guarani permaneciam acampados às margens da BR-163 aguardando providências para a demarcação de sua terra que nunca vinham.
Atualmente, por força de decisão proferida pela 2° Vara da Justiça Federal de Dourados[7], que determina novamente o despejo da comunidade da área ocupada, a qualquer momento novas violências e violações de direitos humanos poderão ocorrer, estando em vigor e aguardando cumprimento pela Polícia. São 127 pessoas, sendo a maioria crianças menores de 14 anos, sob o risco iminente de novas violações de direitos humanos pela ação e omissão direta do Estado brasileiro, que quer forçar os indígenas a permanecerem, mediante coação, em um “terreno” pertencente ao DNITt.
3. Requerimentos:
Dia 06/02/2012 serão julgados por este E. Tribunal Regional Federal da 3. Região (São Paulo-SP) os recursos movidos pela FUNAI[8] e Ministério Público Federal[9] contra o despejo da comunidade. O Relator do processo já havia se manifestado pela manutenção da ordem de despejo da comunidade Kaiowá-Guarani. Outros desembargadores ainda não apreciaram o caso e espera-se que seja reconsiderada a decisão do Relator.
O que se espera e, nesta oportunidade, é o clamor de vários setores da sociedade civil organizada, como única forma de resolução pacífica e constitucional da questão, é que seja dado provimento aos recursos interpostos pela FUNAI e MPF com a conseqüente reforma da decisão da Justiça Federal de Dourados, suspendendo-se a ordem de despejo da comunidade até o julgamento final da ação principal, mantendo-se a comunidade Kaiowá-Guarani de Laranjeira Nhanderú, composta de 60% de crianças, na posse deste pequeno pedaço de sua terra ancestral – que em se tratando de mata nativa (área de reserva legal) não prejudica atividades produtivas do fazendeiro incidente e garante o mínimo de dignidade para este povo – até que o Poder Executivo Federal tome as providências constitucionais necessárias para resolver as demarcações das terras tradicionais dos povos indígenas de MS de uma vez por todas.
Termos em que pede deferimento.
Campo Grande, MS, 02 de fevereiro de 2012.
Integram o Comitê:
1. Ação Brasil
2. Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos – ABRANDH
3. Advogados Sem Fronteira
4. Agência Popular Solano Trindade
5. Agência Brasil
6. Anthares Multimeio
7. Articulação dos Povos indígenas do Pantanal – ARPIPAN
8. Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA
9. Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais – AATR – BA
10. Associação de Aposentados e Pensionistas de Campo Grande-MS
11. Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – PR – AMAR
12. Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte –PR – APROMAC
13. Associação de Saúde Ambiental – PR – TOXISPHERA
14. Associação Internacional Poetas Del Mundo
15. Associação Juízes para a Democracia
16. Associação Nacional dos Centros de Def. da Crian. e do Adoles. – ANCED
17. Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais – ANDEF
18. Associação Rede Criança
19. Brasil de Fato
20. C.S.E.N – MS
21. CEDECA
22. Central Única dos Trabalhadores – CUT – MS
23. Centro Acadêmico de História – UFMS – Campo Grande
24. Centro de Agricultura Alternativa – CAA – Norte de Minas – MG
25. Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Ceará CEDECA – CE
26. Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza – CDDH
27. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – Belo – Horizonte – MG CEDEFES
28. Centro de Estudos e Pesq. para o Desenvolvimento do Extremo Sul – BA – CEPEDES
29. Centro Gaspar Garcia DH
30. Cidadão do Mundo
31. Circulo Universal dos Embaixadores da Paz
32. Clinica de Direitos Humanos Luiz Gama – USP
33. Coletivo de Mulheres Negras – MS
34. Comissão de Cultura da Câmara de Vereadores de Campo Grande – MS
35. Comissão de Direitos Humanos/OAB-MS – CDH-OAB-MS –
36. Comissão Pastoral da Terra – CPT Nacional
37. Comissão Permanente de Assuntos Indígenas/OAB-MS – COPAI-OAB-MS –
38. Comissão Pró-Índio SP
39. Comissão Regional de Justiça e Paz – CRJP – Oeste 01 – CNBB
40. Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena – ITC
41. CONAMI
42. CONDEPE (SP)
43. Conselho Estadual dos Direito do Índio do Estado de Mato Grosso do Sul – CEDIM- MS
44. Conselho Federal de Psicologia – CFP
45. Conselho Indigenista Missionário – CIMI
46. Conselho Municipal Indígena de Campo Grande – MS
47. Conselho Regional de Psicologia – CRP 14ª/MS
48. Coordenação de Políticas para Negros e Índios SP
49. Décima Segunda Defensoria Pública Cível de Segunda Instância de MS
50. Dignitatis – João Pessoa – PB
51. Erguendo Barricadas
52. Faculdade de Direito USP
53. Fórum Carajás – São Luís – MA
54. Fórum da Amazônia Oriental – FAOR – Belém – PA
55. Fórum Nacional de Mulheres Negras
56. Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina – GEDIC (UFERSA/UERN) – RN
57. GT Combate ao Racismo Ambiental da RBJA
58. Instituto de Estudos Socioeconômicos – Brasília – DF – INESC
59. Instituto Irmãs de Santa Cruz – SP
60. Instituto Terramar – Fortaleza – CE
61. ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
62. Justiça Global
63. Luta Popular
64. Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania – BA
65. Movimento Sem Terra – MST-MS
66. Museu Da Cultura – PUC-SP
67. Opção Brasil
68. Past. Indigenista
69. Programa Pindora
70. Rede Alerta contra o Deserto Verde
71. Rede Nacional de Advogados Populares – Renap – CE
72. Rede Nacional de Advogados Populares – Renap – MA
73. Rede Nacional de Advogados Populares – Renap – MS
74. Rede Nacional de Advogados Populares – Renap – RN
75. Terra de Direitos
76. TEZ (Fundação Vovó Quirina)
77. União Geral Trabalhista – UGT
78. União Nacional dos Estudantes – UNE
79. União Popular de Mulheres
[1] Informações: FUNAI/Dourados/MS.
[2] Processo nº 0001228-46.2008.4.03.6002, 2º Vara Federal de Dourados/MS.
[3] Agravo de Instrumento nº 0031376-04.2008.4.03.0000/MS
[4] Suspensão de Liminar nº 2008.03.00.049219-7
[5] Compromisso de Ajustamento de Conduta (CAC) – MPF/PRM/DRS/MS nº. 1.21.001.000065/2007-44.
[6] Bacias dos Rios Amambai, Brilhante, Iguatemi, Dourados, Ñandeva, Apa.
[7] Autos de nº 0001228-46.2008.4.03.6002, 2. Vara Federal de Dourados.
[8] Agravo de Instrumento nº 2011.03.00.026974-4, TRF 3. Região.
[9] Agravo de Instrumento nº 2011.03.00.026390-0, TRF3. Região.