Pedro Peduzzi, Repórter da Agência Brasil
Brasília – Em 1970, com apenas 2 anos de idade, Ernesto Carlos Dias Nascimento foi banido do Brasil, acusado de ser “terrorista” e “subversivo” pelas forças de segurança do regime militar. Durante 16 anos ele viveu longe do país, acompanhando a avó, Tercina Dias de Oliveira, militante de esquerda perseguida pela ditadura. Assim como Ernesto, diversas crianças da época alegam ter sido punidas apenas pelo fato de serem filhos de presos e perseguidos políticos. Os casos dessas crianças começaram a ser julgados ontem (2) pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em uma sessão especial dedicada a 24 processos similares.
“Fui banido do meu país por um decreto presidencial, aos 2 anos, após ser documentadamente acusado de terrorista e subversivo. Vivi fora entre 1970 e 1986 e, mesmo depois de retornar ao Brasil, sofri diversos tipos de preconceito por ter estudado em um país com o qual o Brasil [na época] não mantinha relações diplomáticas. Para conseguir emprego, tive de perder o sotaque e mentir, dizendo que havia estudado em Pernambuco”, disse Nascimento à Agência Brasil, momentos antes do início do julgamento.
Na ação, ele pede a validação do diploma de técnico em projetos mecânicos e ferramentas, obtido quando morava em Cuba, além de indenização. “Nós, que passamos por essa situação, sabemos o quão grande são as dificuldades vividas por diversos profissionais vindos de Cuba”, acrescentou.
Situação similar foi vivida por Ricardo Martins Rabelo, filho do jornalista José Maria Rabelo, preso e exilado após conflitos com um general do Exército à época em que trabalhava no jornal Binômio, de Belo Horizonte. “Só fui aprender o hino brasileiro aos 16 anos. Já sabia cantar os hinos do Chile e da França [países onde viveu exilado] e, também, o da Síria, país que tinha vínculo com uma das escolas onde estudei”, disse ao lembrar dos problemas que ele, os seis irmãos e os pais enfrentaram para viver fora do Brasil.
“Os meninos sofreram muito com as seguidas mudanças. Saímos do Brasil e, quando já estávamos nos adaptando ao Chile, tivemos de passar pela mesma situação, com o golpe [militar que derrubou o presidente Salvador Allende]. O lamentável é que sabíamos da participação dos militares brasileiros também no Chile”, acrescentou o pai, José Maria Rabelo.
Suely Coqueiro, filha de Aderval Alves Coqueiro, primeiro banido a retornar clandestinamente ao Brasil, só saiu do país após o assassinato do pai. “Passei dos 5 aos 10 anos de idade vivendo clandestinamente no Brasil, por causa do meu pai. Após ele ser assassinado, em 1971, fui forçada a ir para o Chile e, depois, para Cuba, onde fiquei até os 19 anos. Quando estávamos clandestinamente no Brasil, fomos privados de todo e qualquer convívio social, tamanha era a preocupação de meu pai. Nessa época, fomos privados também do convívio com familiares, porque eles também não podiam saber onde estávamos. Mesmo após retornarmos ao país, sentimos que, por causa dessa distância, não existia mais vínculo com nossa própria família”, lamentou Suely.
“Acima de tudo, o que queremos é o reconhecimento do Estado de que também fomos vítimas da ditadura. Meu pai foi assassinado em 1971 por ser militante comunista. Apesar da versão oficial ser a de que ele foi baleado em um tiroteio com a polícia, temos a informação de que ele havia sido preso e morreu após dias de tortura”, acrescentou o filho de Devanir José de Carvalho, Ernesto José.
A expectativa do Ministério da Justiça é que a comissão conclua ainda hoje (3), o julgamento dos casos. Criada há dez anos, a Comissão de Anistia já julgou cerca de 60 mil processos.
Edição: Vinicius Doria
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