Ameaça do Pará se repete em Minas: funcionários da Receita querem tributar terras comuns quilombolas!

Brejo dos Crioulos: impostos que nunca foram pagos podem chegar aos R$ 20 mi

Comunidades quilombolas aguardam título de propriedade da área ocupada e podem ganhar junto dívida milionária

Humberto Santos – Do Hoje em Dia

As comunidades quilombolas de Brejo dos Crioulos e Gurutuba, ambas no Norte de Minas, estão prestes a conquistar a titularidade coletiva das terras onde seus antepassados viveram. Porém, o título de propriedade virá acompanhado de uma cobrança que pode alcançar a casa dos milhões, referente ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Segundo a Receita Federal, as terras quilombolas não estão isentas do imposto. Para não arcarem com as despesas, representantes das comunidades se mobilizam. 

Neste ano, a Receita Federal entrou na Justiça contra dois territórios quilombolas do Pará exigindo o pagamento de R$ 13 milhões referentes ao ITR atrasado e multas. Uma das propriedades coletivas, localizada no município de Abaetetuba (a 56 Km de Belém), possui 9,6 mil hectares de área e a dívida com a Receita alcança R$ 11 milhões. Só para ter uma ideia, Brejo dos Crioulos possui quase o dobro de área – 17 mil hectares – e os impostos podem alcançar o dobro do valor cobrado de apenas um quilombo regularizado.

A cobrança, no entanto, não é consenso dentro do próprio Governo. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entende que as terras quilombolas não devem ser tributadas. Já a Receita, defende a cobrança. “As terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombos, atualmente ocupadas pelos remanescentes destas comunidades, são tributadas normalmente”, afirma o órgão fazendário em uma publicação interna para os técnicos sobre o ITR.

O superintendente do Incra em Minas Gerais, Carlos Calazans, diz que o tema é controverso, pois as áreas destinadas aos quilombolas são “taxadas como todas as outras”. “As terras são reconhecidas como um todo. Cada quilombola não tem um lote. A cobrança não se justifica”, argumenta Calazans. A coordenadora substituta da Coordenação de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra em Brasília, Robervone Nascimento, avalia que “o Governo não está cumprindo a lei” ao exigir que seja pago o ITR.

“O Governo federal não entendeu direito a lei. Os quilombolas não possuem política diferenciada de desenvolvimento por parte do Estado. Eles também não têm recursos para pagar impostos”, afirma Robervone. A funcionária do Incra conta que a Receita já pediu a alienação de terras remanescentes de quilombos para o pagamento dos impostos atrasados. Robervone lembra que essas propriedades não podem ser divididas, alugadas ou comercializadas. Logo o pedido do órgão fazendário não faria sentido.

Para a coordenadora executiva da Comissão Pró-Índio – ONG paulista voltada para a proteção dos direitos das comunidades indígenas e quilombolas –, Lúcia Andrade, a cobrança de impostos por parte da Receita é “uma bomba para explodir no país”. De acordo com ela, mais da metade dos remanescentes de quilombos não sabem que quando obtiverem ao título de propriedade terão que arcar com os tributos.

Cobrança é feita no Pará

“Depois que recebemos o título da terra, há quatro anos, recebemos o comunicado da cobrança do Impostor Territorial Rural. Começou com três milhões, passou para seis, depois nove e hoje está em R$ 11 milhões. Essa cobrança é fora do normal”, conta o representante da comunidade Ilhas de Abaetetuba, em Abaetetuba (PA), Edilson da Conceição Corrêa Cardoso da Costa.

O agricultor, de 55 anos, explica que até hoje não conseguiu entender a cobrança da Receita Federal e afirma que a comunidade precisa que o débito seja cancelado. “Vivemos do manejo do açaí, da produção de mandioca e da pesca. São atividades de subsistência, vendemos o excedente. A maioria das famílias ganha menos que um salário mínimo”, justifica o quilombola.

A comunidade possui 1.226 famílias, divididas em dez comunidades diferentes. São cerca de cinco mil pessoas vivendo numa área de 9,6 mil hectares, a 56 Km de Belém.

Um dos líderes das comunidades remanescentes de quilombolas de Brejo dos Crioulos, Elizeu Fernandes de Souza, diz que quando a comunidade obtiver o título das terras “tem que pagar os impostos mesmo”. Quando informado que a comunidade paraense possuía uma dívida de R$ 11 milhões, Souza ficou surpreso: “Vixe Maria, não temos condições de pagar isso não”.

Outro líder da comunidade, Francisco Cordeiro Barbosa, o Ticão, desconhece a obrigação das comunidades em pagar tributos. “Estamos torcendo pela titulação das terras. Vamos ver o que a legislação diz. Será uma nova briga a partir da regularização das terras”, afirma Ticão.

Com área reconhecida de 17 mil hectares, Brejo dos Crioulos possui, segundo o Incra, 387 famílias. Os quilombolas vivem da agricultura de subsistência, com a produção de milho, feijão e abóbora. Algumas famílias também criam galinhas e porcos. “Algumas famílias recebem o Bolsa Família. Também tem muitos aposentados aqui”, explica Souza.

http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/uni-o-quer-tributar-ate-mesmo-os-ex-escravos-1.374888#.TtJ-L1vGlmY.gmail

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.