Gisele Paulino, Valor Econômico
Marabá, cidade do sul do Pará, batizada com nome de poema de Gonçalves Dias que conta a história da filha de uma índia com um homem branco, não poderia ser mais mestiça na beleza e nos impactos do crescimento desordenado que cobre a cidade com poeira vermelha. Por ela passaram os garimpeiros na época do ouro da Serra Pelada, cerca de 100 km dali, extrativistas do fruto da castanheira, hoje praticamente extinta da paisagem da cidade, madeireiros e pecuaristas.
Em 2007, ao lado de outras cidades paraenses, Marabá entrou para a lista de municípios que mais desmatam na Amazônia do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Crédito e financiamentos a essas regiões foram restringidos. Mais tarde, o Ministério Público articulou um pacto com os maiores supermercados e frigoríficos do país para garantir que a carne comercializada não tenha procedência de áreas de desmatamentos ilegais.
Desde então, sair da lista do MMA tornou-se questão de sobrevivência para essas cidades. Marabá está quase lá. A média do desmatamento dos últimos anos ficou em 36% da média dos anos anteriores, abaixo dos 60% exigidos para sair da lista. A cidade tem mais de 90% do seu território no Cadastro Ambiental Rural (CAR), outro item exigido para deixar a lista. O CAR é um sistema digital com informações georreferenciadas do perímetro da propriedade, áreas de proteção permanente (APPs), reserva legal, e área de uso do solo.
Apesar do progresso dos indicadores, dados do Prodes, metodologia do Inpe que calcula a taxa anual de desmatamento, mostram que em Marabá, entre 2009 e 2010, a área desmatada foi de quase 80 km2. Para sair da lista suja, esse número não pode ultrapassar 40 km2. Um levantamento cartográfico realizado pelo Incra revelou que 60% do desmatamento da região ocorreu em áreas de assentamento da reforma agrária.
As florestas de babaçu dos dois lados da estrada de terra que leva ao assentamento Palmeira Jussara, no município de Marabá, com 64 famílias, denunciam a degradação. Quando há babaçu dessa forma, houve queimada. O fogo libera a semente dessa espécie que cresce antes que todas as outras.
“Nenhum fazendeiro aqui se interessa por essas áreas. Esse local costuma amanhecer com centenas de famílias acampadas”, explica Maria de Jesus Sousa Lima, presidente da associação de moradores do assentamento Palmeira Jussara. “Muitos deles invadem as terras, ganham a posse, passam a área para o nome de um parente ou vendem o terreno. Às vezes pegam o dinheiro e vão embora ou começam uma nova invasão”, explica.
Poucos dos que chegaram nas primeiras invasões ainda estão no mesmo local, como dona Maria da Horta, que assim ficou conhecida por plantar de tudo em sua terra. Quando os assentados chegaram à região, em 1998, encontraram uma área completamente degradada pela pecuária.
“Isso aqui era uma capoeira que deu trabalho”, conta. Maria da Horta pegou o machado, roçou a terra, plantou macaxeira, açaí, alface e milho. Com o tempo, aprendeu que boi dá dinheiro. Fez empréstimo, pagou suas prestações em dia e todo ano vende bezerro para um grande pecuarista da região. “Gado é a melhor poupança por aqui. Se faltar dinheiro, tem bezerro pra vender.”
Essa ideia é comum entre os pequenos agricultores da região. “Com o preço do boi hoje em dia não dá para viver apenas da agricultura”, afirma Isaias Soares de Melo, morador do assentamento Palmeira Jussara. Para ele, o gado é uma forma de diversificar a atividade. Com suas 25 vacas leiteiras e a renda da agricultura, consegue viver com a mulher e filhos. Se apertar tem um gado para vender. O bezerro na região custa R$ 500.
O fato de grande parte do desmatamento de Marabá ocorrer em terras de assentamentos levou o Incra assinar o compromisso de colocar esses locais no CAR. “Foi um grande passo, pois sem a inclusão dessas pequenas propriedades, Marabá jamais vai reverter seu desmatamento”, diz Teresa Cristina Moreira, coordenadora de projeto da The Nature Conservance (TNC), em Marabá e Santana do Araguaia.
Marabá possui 85 assentamentos que somam 7 mil famílias, em terras muitas vezes improdutivas. Além de ajudar a monitorar o desmatamento, a TNC pode ajudar a encontrar alternativas econômicas para eles.
A grande vantagem do CAR é possibilitar a identificação do dono do terreno desmatado. “O Ibama arrecada hoje apenas 1% das multas que aplica devido a esquema de laranjas”, diz Daniel Cesar Azeredo, procurador da República no Pará. Para ele, a maior evidência de que o CAR funciona é a queda no desmatamento. No entanto, as discussões em torno das mudanças no Código Florestal podem enfraquecer esses tipos de arranjo. “Os produtores ficam esperando algum tipo de anistia e adiam a decisão de entrar no CAR”, afirma.
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