O governo da Bahia e as empresas plantadoras de eucalipto e fábricas de celulose

Ivonete Gonçalves*

Em 2007, o Padre José Koopmans, ambientalista e defensor da vida, denunciou que o Governo da Bahia é refém nas mãos da empresas de celulose e papel. Hoje, quatro anos depois, o Governo da Bahia, comprova este anunciado. A Veracel Celulose, que é da Ex Aracruz Celulose e Stora Enso, uma empresa sueco-finlandesa, busca há pelo menos dois anos, ampliar sua fábrica para 1.600 toneladas e seus plantios de eucalipto, em mais 107 mil hectares.  E agora, apesar de muitas denúncias e testemunhos  de ilegalidades e irregularidades, o Governo e a empresa apresentaram, neste mês de julho, o Relatório de Impactos Ambientais. Processo considerado estranho por diversos segmentos da sociedade regional. Em dezembro de 2008, a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia, publicou um relatório admitindo a falta de governabilidade na região:

“Do conjunto de constatações trazidas pelo estudo deduz-se uma grave falta de governança, seja regional ou local, para lidar com a situação, que de longe ultrapassa os limites do controle ambiental. Não há ordenamento nem zoneamento do território; não há coordenação das intervenções públicas relativas aos plantios de eucalipto na região; não há políticas agrícolas, não há políticas fundiárias; não há controle da legalidade da venda de terras; não há estudos/normas específicas estabelecendo índices recomendáveis de ocupação para as plantações por municípios. Não há um mapeamento que proporcione uma visão de conjunto dos conflitos antigos e atuais, nem do status nem do tratamento dado aos mesmos nas esferas administrativas de diversos órgãos atuantes na região ou do judiciário”.

Em fevereiro de 2011, o Governo surpreendeu toda a sociedade. Através do Secretario de Meio Ambiente iniciou o processo de “mudanças significativas no ordenamento jurídico ambiental do Estado da Bahia”. Três meses depois, apesar do descontentamento e manifestações da sociedade civil o projeto se transformou em Lei onde o Conselho de Meio Ambiente do Estado, o CEPRAM perdeu a sua competência licenciatória. E logo após, foi apresentado o processo de licenciamento com o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)

O Relatório de Impacto Ambiental de ampliação da Veracel Celulose é composto de 209 páginas que se assemelham a um relatório anual de “sustentabilidade” da empresa. Os técnicos abandonam, deliberadamente, a análise do projeto em si e suas relações com o território e passam a listar dados de forma semelhante a uma campanha de propaganda:

“A tecnologia escolhida para a Veracel (atual e ampliação) é baseada na contínua melhoria da eficiência ecológica da empresa, que consiste no uso das melhores tecnologias disponíveis na fabricação de celulose e das melhores práticas e equipamentos de controle ambiental. O cozimento da madeira, descrito anteriormente, é feito por meio do processo kraft, que é a mistura das substâncias químicas de sulfeto de sódio e soda cáustica à temperatura de 150º C. Tal tecnologia é a mais utilizada no mundo inteiro por produzir uma celulose de melhor qualidade com menor impacto ambiental”.

A empresa que elaborou o EIA/RIMA é a Cepemar, grupo formado por cinco empresas que trabalham com serviços ambientais, indústria do petróleo e gás, operação de portos e aeroportos e educação. A Suzano Bahia Sul, empresa produtora de celulose  – também localizada no extremo sul com cerca de 100 mil hectares de eucalipto-, possui 55% das ações da Cepemar. [i] Ela está envolvida em licenciamentos questionáveis no Estado vizinho, o Espírito Santo.

A primeira fábrica da Veracel Celulose foi um dos maiores investimentos privados no primeiro governo de Lula. O empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foi da ordem de R$ 1,5 bilhão[ii] e a empresa gera, atualmente, um pouco mais de 3000 empregos. Sendo, apenas 700 empregos diretos e o restante indiretos, precarizados:

“A prática de terceirização ilícita configura-se como ofensiva a interesses coletivos dos trabalhadores, na medida em que relega à precariedade não somente ao grupo de indivíduos contratados por empresas interpostas, caso em que estaria identificado mero direito individual, embora homogêneo, mas atinge também as categorias profissionais relacionadas às atividades  desenvolvidas pela empresa, por dificultar-lhes o acesso regular e legal ao emprego em seus quadros, por diminuir-lhes a perspectiva laboral e por lhes reduzir sistematicamente a gama de direitos protegidos pela legislação trabalhista”[iii].

Para a VERACEL II o financiamento do BNDES totalizará R$ 1,4 bilhão. Se compararmos este valor com a quantidade de empregos gerados, cada posto de trabalho, no novo projeto da Veracel, custará 486.111.000 reais. Alternativas de apoio a reforma agrária e a agricultura camponesa e familiar são capazes de gerar inúmeras vezes mais empregos pelo mesmo valor.

Portanto, para quem acreditou, que o Governo Jacques Wagner seria o governo do povo e das justiças sociais, eis mais uma decepção,  pois diversas vezes o Governador vem a público manifestar sua simpatia e subserviência com o setor: “Wagner disse não compartilhar da tese segundo a qual a plantação de floresta de eucalipto é danosa. Ele ponderou que “fazendo zoneamen­to ecológico e econômico, e evitando a monocultura, es­sa, sim, danosa a qualquer ­economia”, seria possível conviver com o eucalipto. E, para expandir as plantações de árvores no Estado, ele não poupou esforços. Ordenou mudanças radicais no ordenamento jurídico do Estado e confiscou a competência licenciatória do Conselho de Meio Ambiente (CEPRAM). Negando o direito, conquistado a duras penas, ainda no governo do outro ditador, da sociedade discutir e votar sobre os projetos.

O interessante é que tempos atrás durante suas campanhas para Câmara de Deputados, muitas vezes, Wagner criticou o modelo monocultural de eucaliptos. Hoje, Governador, é o principal defensor. “A Bahia é o estado brasileiro com a maior concentração de pessoas em situação de extrema pobreza (2,4 milhões), de acordo com dados Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome[iv]. Uma contradição diante das afirmações do Governo e da Empresa que este “modelo de desenvolvimento” traz riqueza para a região e o slogan, “Governo da Bahia, Terra de todos nós”. A história nos mostra que a Bahia pode ser terra de Portugueses, Suecos ou Finlandeses, mas não pode ser uma terra que acolhe e alimenta com respeito e dignidade todos os seus filhos e filhas! Continuam trocando nossas riquezas naturais, culturais e a vida do nosso povo por “bugigangas”, sub-empregos ou papéis descartáveis.

Eunápolis, 29 de Julho de 2011.

*CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul

 


[i]A Suzano surpreende o mercado com uma nova aquisição. O grupo informou nesta terça-feira (7), a aquisição de 55% das empresas da área ambiental do Grupo Cepemar, através da criação de uma nova holding, que inclui a Cepemar Meio Ambiente, a Marine Survey, a Unimar, a Terramar, a Cepemar Enviromental Services (EUA) e a participação na empresa Brasil Supply. Com essa iniciativa, o grupo marca, definitivamente, sua entrada no setor relacionado ao Meio Ambiente”. 08/06/2011. Disponível  em: http://pop.celuloseonline.com.br/noticias/Nova+holding+da+Suzano+prev+investimentos+de+R+50+milhes. Acesso em 04/07/2011.

[ii] Site BNDES.

[iii] Sentença do Juiz Franklin Christian Gama Rodrigues, Vara do Trabalho de Eunápolis Tribunal Regional do Trabalho da 5º Região – PROC. Nº 0151600-15.2009.5.05.0511 RT.

 

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