Moeda de troca econômica no Código Forestal

Na negociação com os ruralistas para tirar no Senado a anistia aos desmatadores, senadores estudam criar compensação financeira para proprietários que reflorestarem suas áreas

Moreira Mariz/Senado
Jorge Viana defende compensação financeira para quem preserva como moeda de troca na negociação do Código Florestal

Renata Camargo

O debate do novo Código Florestal no Senado começa a ganhar novos contornos que podem significar uma proposta com menos “anistia” à recuperação de passivos ambientais. Na tentativa de costurar um texto que agrade tanto a ruralistas quanto a ambientalistas, senadores articulam incluir no projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) incentivos econômicos e fiscais para a recomposição de áreas desmatadas.

A intenção é adotar na proposta instrumentos econômicos que ajudem os produtores a reflorestarem áreas de reserva legal e de preservação permanente (APPs) desmatadas. Os senadores estudam também garantir incentivos fiscais, como redução de taxas de juros para dívidas rurais, para produtor que recompor áreas degradadas. Além disso, o Senado avalia a inclusão de estímulos econômicos para “premiar” aqueles que mantiveram suas florestas em pé.

A principal sinalização das mudanças foi dada pelo relator da matéria na Comissão de Meio Ambiente, senador Jorge Viana (PT-AC). Responsável por acatar emendas de mérito ao projeto, antes da proposta seguir para plenário, Viana garante que a questão do incentivo econômico para preservação florestal “tem que entrar e vai entrar” no PL do novo código. “Floresta é solução; não é problema”, disse Viana ao Congresso em Foco, justificando que é preciso mudar a mentalidade sobre o Código Florestal no Brasil.

Viana afirma que deve incluir na proposta também questões complexas como o pagamento por serviços ambientais e o sistema de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, conservação e manejo florestal sustentável (REDD). O senador ainda estuda como tratar esses temas no projeto. “Temos que valorizar nossas florestas. Ao contrário de ser um problema, as nossas florestas significam uma vantagem comparativa para o Brasil”, disse o ex-governador do Acre.

Moeda de troca

O debate em torno de incentivos econômicos no novo código, entretanto, precisará passar pelo crivo do próprio Executivo. Durante o debate do novo código na Câmara, o governo foi contrário à inclusão, por exemplo, de dispositivos mais específicos ou mesmo prazo para regulamentação de um sistema de pagamento por serviços ambientais no país. O tema não tem consenso dentro do governo.

“Sou a favor de desenvolver novos modelos para impulsionar a economia verde no Brasil. O ideal é que sejam incluídos no novo código estímulos econômicos para preservar. Mas temos que aprofundar esse debate, pois significam aumento de despesas para o Executivo”, disse o presidente da Comissão de Meio Ambiente, senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), avaliando que só será possível incluir “coisas genéricas” no texto.

A redução de taxas de juros para ajudar pequenos produtores a recompor áreas desmatadas ou mesmo a possibilidade de pagamento pela conservação da floresta em pé são vistos por parlamentares da bancada ruralista com bons olhos. Mas representantes do agronegócio sinalizam que não vão aceitar que incentivos sirvam como moeda de troca para obrigar a recomposição de reserva legal ou de APPs fora dos limites previstos no texto aprovado pela Câmara.

Entre outras coisas, o texto da Câmara consolida as áreas já desmatadas no país e dispensa pequenas propriedades (com até quatro módulos) de recompor a reserva legal. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se o Senado aprovar o texto conforme vindo da Câmara, o país estará anistiando a recomposição de um passivo ambiental equivalente a 29,6 milhões de hectares. Esse passivo corresponde às áreas desmatadas ilegalmente, segundo as regras do atual Código Florestal.

“Eu não sei se essa é a discussão. O aspecto econômico realmente não foi discutido e temos que trazer isso para o Senado. Pois, à medida que você premia aquele que mantém a reserva legal e as APPs, você valoriza as nossas florestas. Mas não sei se essa questão é possível”, disse o senador Waldemir Moka (PMDB-MS), respondendo sobre a possibilidade de a bancada ruralista abrir mão de dispositivos como dispensa da recomposição da reserva legal para pequenas propriedades, no caso de o projeto prever incentivos para reflorestamento.

Bom negócio

Outro ponto de impasse no debate do novo código são as chamadas áreas consolidadas. Pelo projeto aprovado na Câmara, todas as áreas desmatadas até julho de 2008 serão consideradas consolidadas – o que mantém autorizadas todas as atividades rurais em áreas de preservação e dispensa inicialmente a recuperação de áreas degradadas. O governo não concorda com esse dispositivo, pois defende que um decreto presidencial aponte quais áreas devem ser consolidadas, deixando inicialmente todas as áreas desmatadas ilegalmente passíveis de recuperação. Segundo estimativa do Ministério do Meio Ambiente, se for aprovada o novo código conforme está, o país deixará de recuperar área superior a 70 milhões de hectares, que corresponde a reservas legais e APPs degradadas ilegalmente.

“O Brasil tem um passivo ambiental muito grande, então precisamos encontrar um entendimento para isso. Os ruralistas dizem que não há anistia no projeto, mas a anistia está estabelecida pela via indireta, pois basta você aderir ao programa de regularização para extinguir toda a punibilidade a desmatamentos ilegais”, afirma o senador Eduardo Braga (PMDB-AM). “Áreas consolidadas não querem dizer que não haverá recuperação. Eles dizem que vão recuperar, mas você tira a punição. É a mesma coisa que um cara que matou uma pessoa ser inocentado, desde que ele prometa que não vai matar outra pessoa. É uma comparação grosseira, mas didática”, diz.

O ex-governador do Amazonas é autor de um projeto de lei que estabelece o sistema de REDD no Brasil. Para Braga, seria adequado incluir no projeto do novo Código Florestal a previsão de um sistema de mercado de carbono, por meio da redução do desmatamento. Ele acredita que, ao prever a possibilidade de recursos tanto para recomposição de áreas desmatadas quanto para a manutenção de florestas, é possível ampliar a quantidade de áreas preservadas no Brasil.

Para os senadores mato-grossenses, Blairo Maggi (PR-MT) e Pedro Taques (PDT-MT), o debate sobre pagamento por serviços ambientais e REDD é importante. Mas os parlamentares avaliam que ainda não é possível vislumbrar como essas questões seriam abordadas dentro do Código Florestal. “O REDD, por exemplo, é um desejo antigo das comunidades tradicionais da floresta que têm reservas em suas terras. Mas não consigo vislumbrar de onde tiraríamos recursos para isso. Você tem o ativo, mas não tem comprador”, analisou Blairo. “Esse assunto denota maiores discussões. Não é aconselhável tratar isso dentro do debate do código”, disse Taques.

 

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