Por Emir Sader.
Em extraordinário artigo sobre a França, Perry Anderson relata como o país foi passando de eixo mais progressista a mais conservador da Europa. Um dos reflexos é que suas livrarias eram das mais interessantes do mundo e hoje se transformaram nas menos interessantes.
Casos como o Strauss-Kahn, biografias dos “tiranos” que a Europa apoiou tanto tempo e que agora caem em desgraça, ausência total da América Latina – seja Brasil, Lula, Venezuela, Bolívia, Evo Morales, Hugo Chávez ou outro tema qualquer, mesmo abordado por gente de direita.
Por isso mesmo sobressai um livrinho pequeno, praticamente um folheto de 20 páginas, com o título INDIGNEM-SE!. Dá a impressão de um instant bookquerendo se aproveitar do movimento dos jovens espanhóis ou de um livro que os orientou a se indignar.
Nada disso. Foi escrito por Stéphane Hessel, embaixador, mas, sobretudo, militante antifascista e pela paz, de 93 anos (sic). O livro ainda nem foi publicado na Espanha, mas se tornou o maior bestseller na França e está disponível integralmente na internet, o que pode ter feito com que jovens espanhóis, gregos, italianos e de outros países tenham podido lê-lo.
Hessel nasceu em Berlin no ano da vitória da revolução soviética, 1917, de pai judeu. Seus pais mudaram para Paris em 1924. A guerra interrompeu seus estudos. Naturalizou-se francês em 1937 e foi mobilizado para a guerra. Em 1941 ele se ligou à resistência francesa, dirigida por De Gaulle desde Londres. Trabalhou no Burô de contra-espionagem, de informação e de ação. Numa noite do fim de março de 1944, desembarcou clandestinamente na França tendo como missão fazer contato com as diferentes redes parisienses, encontrar novos lugares para emissão da rádio da resistência para possibilitar a chegada de informações a Londres, a preparar o desembarque aliado. Dia 10 de julho Hessel foi preso pela Gestapo, torturado nos interrogatórios e enviado ao campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha. Na véspera de ser fuzilado, conseguiu trocar sua identidade com a de outro francês que havia morrido de tifo no campo de concentração. Com seu novo nome, foi transferido para outro campo de concentração, de onde fugiu. Foi detido novamente e colocado num novo campo de concentração, de onde fogiu novamente, até que conseguiu chegar em Paris, já liberada da ocupação alemã.
Começou carreira diplomática, onde participou da elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Apoiou a independência da Argélia, assim como todas as causas justas na luta dos povos, a última delas foi uma viagem a Gaza para expressar seu apoio ao povo palestino – que considera a situação mais indignante hoje.
“O motivo da resistência é a indignação” – diz o título do primeiro capítulo. “Ousam dizer-nos que o Estado não pode mais garantir os custos dos direitos dos cidadãos. Mas como pode faltar hoje dinheiro para manter e prolongar essas conquistas, enquanto a produção de riquezas aumentou consideravelmente desde a Libertação, período em que a Europa estava arruinada? Simplesmente porque o poder do dinheiro, como foi combatido pela Resistência, nunca foi tão grande, insolente, egoísta, com seus próprios servidores até as mais altas esferas do Estado.” Esse, o tom indignado de Hessel. Bem em sintonia com os que, com menos 75 anos do que ele, se indignam hoje.
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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo semanalmente, às quartas-feiras.
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