A nova militância popular – entrevista com Boaventura de Sousa Santos

Andrea Lunt

Há mais de 200 anos atrás, um dos presidentes fundadores dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, fez um famoso comentário: “Cada geração precisa de uma nova revolução”. Hoje, suas palavras são mais relevantes do que nunca, já que os jovens em todo o mundo marcam 2011 como um ano de mudanças.

A julgar pelas recentes revoltas no Egito e na Tunísia e pela forte participação na semana passada no Fórum Social Mundial (FSM), em Dakar, no Senegal, o ativismo está vivo e bem.

Para ter um panorama do FSM deste ano e algumas ideias sobre as revoltas recentes, IPS falou com Boaventura de Sousa Santos, autor e professor de sociologia da Universidade de Coimbra, em Portugal.

Q: Quais foram os destaques do Fórum Social Mundial deste ano?

R: Apesar das dificuldades de organização, este foi um Fórum de sucesso por várias razões. Em primeiro lugar, os problemas da África e sua contribuição para o mundo estiveram no centro do FSM, precisamente ao mesmo tempo em que as pessoas no Cairo comemoravam a libertação e mostravam novas formas de lutar por ela. Este foco na África se tornou uma fonte de inspiração para o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, das Nações Unidas, que é só o começo.

Em segundo lugar, uma quantidade sem precedente de tempo foi reservada às reuniões de convergência entre os movimentos sociais visando ações coletivas planejadas conjuntamente.

Em terceiro lugar, a renovação do FSM está definitivamente na agenda. O objetivo é permitir que demandas políticas avancem globalmente, em nome de setores importantes do FSM – sem comprometer a natureza inclusiva dos encontros mundiais realizados a cada dois anos – e reforçar o próprio ensino e a formação para além das fronteiras nacionais.

Q: Do marxismo à Via Campesina, os movimentos sociais mudaram e evoluíram ao longo dos anos. Qual é a abordagem mais bem-sucedida para fazer uma mudança real no mundo?

R: As revoltas em Tunis e no Cairo estão mostrando que uma mudança paradigmática na militância de oposição está em curso. Se até agora a questão central para a política progressista foi como articular partidos progressistas com movimentos sociais progressistas e ONGs, a nova questão central é como articular os partidos e movimentos sociais progressistas, de um lado, com os cidadãos não organizados, do outro.

Estes últimos, em sua maioria jovens, vistos pela sociedade civil organizada como apolíticos, influenciados pelo consumo de massa e pela mídia de massa – em resumo, perdidos para as causas sociais – estão mostrando que a verdadeira mudança no mundo ocorre quando atingimos um limite em que a politica se torna tao importante quanto a vida e a dignidade humana.

Os movimentos sociais não têm refletido sobre as condições, tempos e espaços de tal limite pela simples razão de que eles não acreditam que ele exista. Para eles, ser organizado significava – e ainda significa – estar do lado certo, e não ser organizado, estar do lado errado.

A mudança real no mundo irá ocorrer quando vários Cairos acontecerem em sincronia por todo o mundo, todos diferentes e todos semelhantes. O mais recente dos movimentos sociais vai se concentrar em suas relações com a sociedade não organizada e na transferência intercultural que tornará possível uma agregação transnacional dos rebeldes sem homogeneidade global.

Q: O que podemos aprender com a recente crise financeira mundial?

R: Que o capitalismo está se tornando mais destrutivo do que nunca, extorquindo mais o trabalho dos trabalhadores que têm emprego e sendo mais subserviente com aqueles que não, recorrendo ao roubo de salário, destruindo todos os restos do contrato social, silenciando, através da crise financeira, todas as outras crises – energética, ambiental, intergeracional, as crises civilizatórias que a humanidade enfrenta.

Aprendemos também que, enquanto a crise estiver sendo “resolvida” por aqueles que a causaram, a destruição vai continuar. Ao menos, até que vários Cairos surjam ao redor do mundo, baseados em diferentes queixas, mas unidos na mesma luta por justiça social e responsabilidade democrática.

Q: Você acha que existe a possibilidade de que a ONU seja fortalecida como um parlamento mundial?

R: Devemos lutar, não por formas espacialmente infladas da democracia representativa, mas sim por articulações sub-nacionais, nacionais e regionais entre democracia representativa e participativa. Em alguns casos, essas duas formas de democracia devem estar acompanhadas de uma democracia comunitária, como reza a Constituição da Bolívia de 2009. Em outras palavras, precisamos de demo-diversidade, tanto quanto precisamos da biodiversidade.

Q: As políticas neoliberais priorizam o dinheiro, o lucro e o livre mercado como motores do desenvolvimento. O que “desenvolvimento” significa para você? E o que, enquanto comunidade mundial, você acha que devemos priorizar?

R: O conceito de desenvolvimento surgiu para legitimar o seu oposto: o subdesenvolvimento. De repente, a maioria vasta dos países do mundo foi considerada subdesenvolvida e o rótulo foi muito além de suas economias. Subdesenvolvidos foram também as suas instituições, suas leis, suas culturas.

A saída de todos eles era seguir o caminho dos poucos países desenvolvidos, isto é, obedecer as regras estabelecidas por estes para as relações internacionais em todos os níveis. Concomitantemente, a possibilidade de múltiplas modernidades estava excluída e a modernidade tornou-se, por definição, a modernidade ocidental. Na verdade, o outro “outro” do desenvolvimento não foi o subdesenvolvimento, mas sim a revolução socialista.

Desenvolvimento é essencialmente um conceito de Guerra Fria. Tendo isso em mente, é quase impossível, se não for auto-destrutivo, tentar idealizar concepções alternativas de desenvolvimento. Precisamos de mais alternativas para o desenvolvimento.

Um deles poderia ser o conceito quéchua Sumak Kawsay (viver bem, em plenitude) que, segundo a Constituição do Equador de 2008, deve presidir a regulação sócio-econômica da sociedade. Isso significa o “buen vivir” em espanhol ou o “living well”, em Inglês. Viver bem significa uma aspiração florescente indivídual e coletiva que, ao invés de nos colocar à parte da natureza – como é inerente ao conceito de desenvolvimento, concebe a natureza como parte da sociedade humana de tal forma que os direitos humanos e os direitos da natureza são os dois lados de uma mesma luta pela emancipação social.

Conforme o ano da Rio + 20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012) se aproxima, dar credibilidade ao conceito de Sumak Kawsay pode ser uma boa maneira de indicar as nossas prioridades.

Q: O mundo está crescendo a uma taxa sem precedentes. Como podemos lidar com esse crescimento, sendo responsável tanto pelas pessoas quanto pelo ambiente?

R: A solução é a soberania alimentar e suas implicações.

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