Novecentos são resgatados de trabalho subumano em Minas

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Flagrante de alojamento improvisado em obra na Pampulha

Número registrado em 2010 é mais que o dobro do verificado no ano anterior, revela o Ministério do Trabalho

Cerca de 900 pessoas foram resgatadas no ano passado em Minas Gerais trabalhando sob condições degradantes, mais que o dobro do número registrado em 2009. As vítimas enfrentaram problemas como a falta de comida e alojamentos temporários com banheiros improvisados. Mais da metade das denúncias de exploração de mão de obra saiu dos canteiros de obras da Grande BH e de fazendas espalhadas pelo interior do Estado que produzem cana-de-açúcar, feijão e morango.

As plantações de cana-de-açúcar no Triângulo Mineiro apresentaram o maior índice de trabalhadores em condições degradantes no Estado. No ano passado, 207 empregados foram resgatados em fazendas de Iturama e Capinópolis. As vítimas eram nordestinos que contraíram dívidas com agenciadores para viajar e conseguir trabalho na colheita.

O Noroeste de Minas Gerais também está entre as regiões que registraram o maior número de trabalhadores resgatados. Na última quinta-feira, o Ministério Público do Trabalho aplicou multa de R$ 150 mil a dois proprietários de fazendas em Buritis e Unaí. Eles teriam mantido 133 empregados, inclusive adolescentes, recolhendo grãos durante jornadas superiores a oito horas diárias e morando em alojamentos inadequados. Foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e o valor a ser pago pelos fazendeiros será destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

No cultivo de morango em cidades do Sul de Minas foram resgatados 97 trabalhadores. Eles estavam em fazendas de Estiva, Itapeva, Senador Amaral e Cambuí. Grande parte dos empregados não teve as carteiras assinadas e vivia em condições precárias nas instalações temporárias.

Segundo o procurador do Trabalho e coordenador de Erradicação do Trabalho Escravo em Minas Gerais, Roberto Gomes de Souza, os maiores problemas são identificados em cultivos sazonais, como o caso da cana-de-açúcar. “As piores situações são encontradas nas zonas rurais onde as pessoas têm trabalhos temporários. É realmente um tipo de escravidão contemporânea. A pessoa perde a liberdade ao contrair supostas dívidas com os contratantes. São trabalhadores que viajam sem dinheiro”.

O pagamento de indenizações chegou a quase R$ 2 milhões no ano passado. Segundo Ricardo Deusdará, chefe da Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG), o aumento no número de trabalhadores resgatados e de multas se deve ao reforço nas fiscalizações em todo o Estado. “Avançamos por causa das denúncias e do planejamento estratégico para acompanhar certos tipos de plantações, mas ainda precisamos de mais policiamento”.

A melhoria na segurança durante fiscalizações nas regiões rurais está entre as principais reivindicações dos auditores desde a Chacina de Unaí, há sete anos. Quatro funcionários do Ministério do Trabalho foram assassinados em uma emboscada enquanto trabalhavam. Os irmãos Antério e Norberto Mânica, fazendeiros que estão entre os maiores produtores de feijão do país, são acusados de planejar o crime.

Lista de flagrantes chega a 220

Hoje existem 220 empresários e fazendeiros que integram o Cadastro de Empregadores flagrados utilizando mão de obra em condições subumanas no Brasil. Cinco deles são donos de estabelecimentos em Minas Gerais. O documento foi lançado em 2004 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com a intenção de coibir a exploração de trabalhadores. No final do ano passado, 88 novos nomes entraram na lista.

Um deles foi o de Roberto Sebastião Pimenta, dono da Fazenda Jampruca, localizada em Jequitinhonha. No local funcionava uma carvoaria onde, há dois anos, foram encontrados nove trabalhadores em situação degradante, além de outros 20 em situação irregular. Nove autos de infração foram emitidos por violação dos direitos dos trabalhadores rurais. O fazendeiro assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o valor de indenizações fixado em R$ 21 mil.

Mesmo depois de pagar as multas e fechar a fazenda, Roberto ainda enfrenta as consequências do flagrante. Ele alega que não sabia da situação dos trabalhadores, já que morava em Belo Horizonte e mantinha os negócios à distância. “Nunca mais trabalho com isso. Fechei a carvoaria, paguei tudo e agora não quero mais saber de trabalhar com fazendas”, afirma.

A pena para o crime de redução à condição análoga à escravidão varia de dois a oito anos de prisão, mas pode dobrar quando, entre as vítimas, há crianças ou adolescentes. O Ministério Público do Trabalho prefere, na maioria das vezes, fechar Termos de Ajustamento de Conduta com os empresários. “Essa é a solução mais imediata para os trabalhadores receberem o que têm direito. São aplicadas multas e acompanhamos os casos para saber se as medidas acordadas estão sendo cumpridas”, conta o procurador do Trabalho Roberto Gomes.

O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da Silva, acredita que seria necessário formar uma força-tarefa para combater o trabalho escravo nas plantações. “A fiscalização vai na fazenda, dá uma multa e, no outro dia, já é possível encontrar novos trabalhadores. Defendemos que tem que ser formada uma força-tarefa entre a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal para acabar definitivamente com isso”.

Segundo o Ministério Público do Trabalho, em casos de reincidência, o TAC é suspenso e é aberto um processo judicial para apurar os fatos. Nenhum diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) foi encontrado para comentar os números da exploração dos trabalhadores no Estado.

Ciquenta são retirados de canteiros de obras

Quase 50 trabalhadores foram resgatados pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG) durante o ano passado em canteiros de obras de Belo Horizonte e Nova Lima. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil da Região Metropolitana de Belo Horizonte (STIC-BH) registrou pedidos de ajuda de pelo menos 400 pessoas que vieram para a capital depois de receberem promessas de oportunidades de emprego.

No início do ano passado, 12 homens que saíram do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas para trabalhar na construção civil em BH foram retirados de um alojamento improvisado no Bairro São Francisco, na Região da Pampulha. Os trabalhadores dormiam em beliches improvisados, colocados dentro de um galpão com iluminação precária, e com diversas goteiras. Os 12 dividiam um único banheiro, construído por eles mesmos, e contaram que chegaram a tomar água do chuveiro para matar a sede.

Segundo o presidente do STIC-BH, Osmir Venuto, os problemas aumentaram nos últimos anos por causa do crescimento da construção civil e da falta de mão de obra especializada na capital. “Assim como nas colheitas, agora existem agenciadores que procuram pedreiros e serventes no interior de Minas e em outros estados. As pessoas chegam cheias de promessas e são pegas de surpresa quando descobrem as péssimas condições de trabalho”, explica.

A entidade que representa a categoria pede que os trabalhadores procurem informações antes de aceitarem propostas. “Sabemos que a situação é complicada, mas os agenciadores se aproveitam disso. É preciso buscar informações sobre a empresa que vai contratar e a obra a ser realizada. Calculamos que cerca de 1.000 pessoas desembarcam em BH, por semana, para ocupar vagas na construção civil”, conta Osmir.

Flaviano Albertino, que é diretor do STIC-BH, visitou na semana passada um dormitório em condições precárias ocupado por 15 operários no Bairro Jardim Canadá, em Nova Lima. Os trabalhadores são do Norte de Minas e de vários Estados do Nordeste. “Eles nos procuraram dizendo que estão sem receber os salários desde o final do ano passado. Vamos entrar em contato com a empresa para negociar uma saída”.

O Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG) informou que não apoia práticas irregulares na contratação de mão de obra e que orienta as empresas associadas a cumprirem a legislação, principalmente no que diz respeito à saúde e à segurança do trabalhadores.

http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/novecentos-s-o-resgatados-de-trabalho-subumano-em-minas-1.234424

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