“Os inícios de governos quase sempre tem significado, para os povos indígenas, momentos de muita dificuldade, violências e até retrocessos. Na acomodação e disputa de interesses nos governos, os direitos indígenas tem, geralmente, sido relegados para segundo plano”, analisa Egon Heck, coordenador do CIMI-MS. Eis o artigo.
É hora de inverter a rota. Depois de quinhentos anos é preciso mostrar o balanço, as conseqüências de um processo de colonialismo, que todavia perdura. É a hora dos invadidos. Mostrarem os massacres e desgraças causadas, o saldo de mais de 6 milhões de nativos mortos, num dos maiores genocídios da história da humanidade. Centenas de povos originários foram exterminados, na Abya Yala – Américas. Mas é hora de mostrar que estão vivos, são milhões e tem muito a contribuir com a construção de novas sociedades.
Não estão arrependidos de terem bem recebido os estranhos chegantes. Não amaldiçoam as traições e malfeitos. Lamentam a covardia da crueldade e violência que receberam em troca. Exigem reparação histórica e rompimento com tudo que significa continuidade do processo de coloneidade e colonialismo presente ainda hoje nas relações dos Estados nacionais, sociedade e os povos indígenas.
Vão para o diálogo com suas principais armas: suas profundas sabedorias, espiritualidade, valores de vivencia harmônica com a natureza e com todos os seres, o viver em paz. Querem dialogar a partir de sua cosmovisão e projetos de Bem Viver.
O Bem Viver para todos
O que desarma hoje os poderosos e os invasores de seus territórios não é apenas a capacidade de resistência física e cultural, mas são os valores coletivos de que são portadores. O sistema capitalista treme diante da propriedade coletiva ou não propriedade da terra mãe, que não se pode dividir, vender ou comprar. Os donos das terras e do poder ficam enfurecidos só em pensar de que os índios, que são preguiçosos e não produzem, reivindicam terras. O governador do Mato Grosso do Sul tem se empenhado tenazmente para impedir a identificação e demarcação das terras Kaiowá Guarani considerando um absurdo dar um palmo de terra produtiva para os índios. Por outro lado o grande capital agro exportador e os grandes investimentos ligados ao setor socroalcooleiro recebem estímulos e incentivos para instalarem suas usinas e ocuparem as melhores terras, e em grande parte terras tradicionais Kaiowá Guarani.
No 3º Seminário Nacional de Formação do Cimi, Mauricio Guarani falou que foram perdendo as condições do Bem Viver Guarani, na medida que foram ficando sem terra, jogados às beiras das estradas. No documento final do encontro foi assumido a firme determinação dos povos indígenas reunidos em Lima que conclamam “Chamar à unidade continental e mundial dos povos indígenas e movimentos sociais a mobilizar-se em defesa da Mãe Terra, pela construção de estados plurinacionais e implementação do Bem Viver em nível global, como alternativa para superar a crise climática, alimentar e econômica. Voltar ao equilíbrio com a Mãe Terra para salvar a vida no planeta é nosso caminho” (Declaração de Lima, 20/11/2010)
A viagem e o frio
Sair do gostoso clima tropical para enfrentar frio abaixo de zero, conforme as previsões, não é nada animador. Porém a delegação que irá levar a questão Guarani Kaiowá a países da Europa, acredita que esse é um momento importante para dar visibilidade a essa realidade e cobrar ações urgentes, tanto de Lula que está deixando a presidência, quanto da presidente Dilma, recém eleita, bem como do judiciário que tem sido extremamente lento em julgar ações que dizem respeito aos direitos indígenas. Os inícios de governos quase sempre tem significado, para os povos indígenas, momentos de muita dificuldade, violências e até retrocessos. Na acomodação e disputa de interesses nos governos, os direitos indígenas tem, geralmente, sido relegados para segundo plano.
Egon Heck
Campanha Povo Guarani Grande Povo
Brasilia, 27 de novembro de 2010
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38747