“Eu estou extremamente preocupado. Porque o discurso dos indígenas está sendo no seguinte sentido: ‘Nós vamos morrer de qualquer jeito se esse rio [Xingu] for barrado, então nós vamos morrer lutando’. Temo por um conflito no canteiro de obras dessa hidrelétrica, entre os índios e os trabalhadores da construção civil”, afirma o procurador federal Felício Pontes Júnior em entrevista à Nádia Pontes do sítio Deutsche Welle, 28-08-2010. Eis a entrevista.
O governo brasileiro assinou o contrato de concessão da usina de Belo Monte. Segundo a visão do Ministério Público Federal do Pará, o processo correu no tempo certo?
Há uma razão para essa pressa toda do governo em assinar de qualquer jeito o contrato, o mais rápido possível, e anunciar a obra para setembro – o que é impossível também porque a licença de instalação ainda não foi dada. O projeto ainda não foi definido, houve uma mudança no projeto e nós estamos investigando. Mas tudo isso tem uma razão de ser. Eles tentam emplacar o que a gente chama, em direito, de “teoria do fato consumado”. Quer dizer, depois que essas ações judiciais terminarem, a hidrelétrica já está feita. A barragem já está construída, e daí não se consegue mais reverter a situação.
Há resultados de processos judiciais que podem sair ainda este ano?
Nós temos oito correndo: temos três em Brasília e três em Belém que podem ter decisão ainda neste ano. Os processos de Brasília foram decisões favoráveis a nós, e agora estão no tribunal de apelação. Se essas decisões forem confirmadas em Brasília, a construção para. Aliás, se qualquer uma dessas decisões sair, Belo Monte para.
Ao assinar o contrato, Lula disse que ele mesmo já foi contra Belo Monte. E que agora ele conhece o projeto e que não há motivos para se opor.
Primeiramente, este é basicamente o mesmo projeto do governo Fernando Henrique, que o Lula foi contra. Em segundo lugar, ele não ouviu as comunidades indígenas. E esse é um item importantíssimo do processamento ambiental: [no caso de] qualquer hidrelétrica no Brasil que atinja as comunidades indígenas, esses povos precisam ser ouvidos no Congresso Nacional. O partido do presidente pediu autorização para construção de Belo Monte no Congresso e essa autorização foi dada em tempo recorde, sem ouvir as comunidades indígenas.
Quando me reuni com o presidente no ano passado, juntamente com representantes de várias comunidades, o presidente disse que não assinaria o projeto sem ouvir essas comunidades e sem ouvir todas as questões que estão pendentes, inclusive, a mais importante delas, o fato de que essa hidrelétrica ficará parada mais de três meses por ano por conta da vazão do Rio Xingu. Lula pareceu preocupado, e disse que só autorizaria a obra depois que tudo isso fosse resolvido – se fosse resolvido. Nada disso foi resolvido, e ele assinou o contrato.
O Ministério Público do Pará ainda é a última barreira nacional contra Belo Monte. Vocês também notam uma preocupação da comunidade internacional em relação a essa discussão?
Uma decisão que saiu do encontro dos indígenas em 26 de agosto foi que eles vão procurar as cortes internacionais para denunciar a violação dos seus direitos. Eu espero que, com essa decisão, nós consigamos o apoio internacional, principalmente das entidades ligadas aos direitos humanos, e também das entidades técnicas, a Comissão Mundial de Barragens, por exemplo. Estudos técnicos, por exemplo, podem comprovar a inviabilidade econômica dessa hidrelétrica.
O senhor acompanha esse confronto desde o início, ao lado das comunidades indígenas. Como elas esperam que essa história acabe?
Os povos indígenas e ribeirinhos de toda a região amazônica onde está programada a construção de hidrelétrica se juntaram para tentar estabelecer estratégias conjuntas, na tentativa de paralisar o barramento de rios amazônicos. Eu estou extremamente preocupado. Porque o discurso dos indígenas está sendo no seguinte sentido: “Nós vamos morrer de qualquer jeito se esse rio [Xingu] for barrado, então nós vamos morrer lutando”. Temo por um conflito no canteiro de obras dessa hidrelétrica, entre os índios e os trabalhadores da construção civil. Isso pode acontecer e, pessoalmente, é o que mais angustia.
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