Ilê Axé Opô Afonjá – Parlamento celebra centenário de um dos mais importantes templos religiosos do País

Mãe Stella, durante a sessão em homenagem aos 100 anos do Ilê Axé Opô Afonjá. Fotos: Carla Rogado/FCP
Por Suzana Varjão
Mãe Railda prestigiou a homenagem ao templo religioso

O parlamento brasileiro ainda é hegemonicamente branco, mas a cultura negra vem, cada vez mais, ocupando a pauta de trabalhos das casas legislativas do País. A sessão solene em homenagem aos 100 anos do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, realizada segunda-feira última (24), na Câmara dos Deputados, é um dos rastros desse novo contexto político e histórico-cultural do Brasil.

Proposta pelo deputado federal Zezéu Ribeiro (PT-BA), a sessão contou com a imponente presença da sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá, Mãe Stella de Oxóssi. E representa mais do que um marco na história de luta pela afirmação da cultura e da religiosidade africanas. Na casa que exerce papel primordial na definição do futuro do País, a iniciativa adquire contornos bem mais abrangentes.

– É uma afirmação da democracia.

A síntese de Zulu Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares, expõe os vínculos entre o presente e o passado do terreiro. Passado “cheio de preconceitos e perseguições”, como conta Zezéu e como atesta a história, a partir da lendária visita de Mãe Aninha (a primeira líder religiosa da casa) a Getúlio Vargas, ao cabo da qual o então presidente da República promulgou um decreto-lei, proibindo o embargo ao exercício do candomblé.

O TERREIRO – A “casa (ilê) da força (axé) sustentada por Xangô (Afonjá)” é uma das maiores referências da luta dos negros escravizados pela preservação da vida e da cultura afro-brasileira. Fundado em 1910, por Eugênia Ana dos Santos – a Mãe Aninha -, uma descendente de nobres africanos, é também um dos mais antigos terreiros do País, tendo sido tombado como patrimônio histórico no ano 2000.

O templo foi / é liderado por cinco Iyás (mães): Aninha (1909-1938), Bada de Oxalá (1939-1941), Senhora (1942-1967), Ondina de Oxalá (1969-1975) e Stella de Oxossi (1976). Localizado em São Gonçalo do Retiro (Salvador-BA), é cercado por extensa área de vegetação fechada, constituindo-se, hoje, no único espaço verde das redondezas – testemunho, portanto, da prática de defesa da natureza, um dos fundamentos do candomblé.

A SESSÃO – Durante a sessão especial, os palestrantes destacaram a importância do templo e da cultura afro na formação econômica e cultural do Brasil. Primeiro Zezéu, depois Edson Santos (deputado federal, PT-RJ), seguindo-se Ribamar Feitosa (presidente da Sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá), Bira Coroa (deputado estadual, PT-BA), Alexandro Reis (representando o ministro Eloi Ferreira, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e Zulu Araújo (representando o ministro da Cultura, Juca Ferreira).

Com simplicidade e altivez, Mãe Stella agradeceu “aos homens e ao divino” e abençoou os presentes: iniciandos, iniciados, filhos, filhas, pais e mães de santo – a iyalorixá Mãe Railda e o babalorixá Jailton Cerqueira Santos entre eles. O toque ancestral dos atabaques e o canto de Danilo Fonseca e do Coral do Ilê Axé Afonjá encerraram a singela e significativa homenagem da Câmara dos Deputados, transmitida ao vivo pela TV Câmara.

MÃE STELLA

Mãe Stella de Oxóssi notabilizou-se internacionalmente pelo combate ao sincretismo religioso – forma que os negros escravizados encontraram para preservar o culto às divindades africanas, camuflando-as com os perfis e as denominações dos santos católicos. Passado o tempo do tronco e do chicote, a estratégia de resistência transformou-se em véu, que encobre as religiões de matriz africana, o que a líder religiosa, coerentemente, censura.

Enfermeira aposentada, a iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá exerceu a profissão por mais de trinta anos. Ao completar setenta anos de iniciação no candomblé, no ano passado, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia. Possui, dentre outras, as comendas Maria Quitéria (Prefeitura do Salvador), da Ordem do Cavaleiro (Governo da Bahia) e do Ministério da Cultura.

Empenhada em registrar aspectos da cultura afro-brasileira tradicionalmente transmitida de forma oral, a matriarca publicou Meu tempo é agora, um manual para a compreensão do culto aos orixás; Oxóssi, o caçador de alegrias, livro dedicado ao deus da caça; Owé – Provérbios, livreto em português e yorubá, reunindo ditos populares; e Epé Laiyé – Terra Viva, uma parábola ilustrada para crianças sobre o meio ambiente.

http://www.palmares.gov.br/

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