[Unisinos/Ecodebate] – A análise é de Atilio A. Boron, politólogo e sociólogo argentino, diretor do PLED, Programa Latino-Americano de Educação à Distância em Ciências Sociais, em artigo publicado em seu site pessoal (http://www.atilioboron.com), 12-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto:
O capitalismo tem legiões de apologistas. Muitos o fazem de boa fé, produto de sua ignorância e pelo fato de que, como dizia Marx, o sistema é opaco, e sua natureza exploradora e predatória não é evidente aos olhos de mulheres e homens.
Outros o defendem porque são seus grandes beneficiários e acumulam enormes fortuna graças às suas injustiças e iniquidades. Além disso, há outros (“gurus” financeiros, “opinólogos”, “jornalistas especializados”, acadêmicos “bem-pensantes” e os diversos expoentes do “pensamento único”) que conhecem perfeitamente bem os custos sociais que, em termos de degradação humana e ambiental, o sistema impõe. Mas são muito bem pagos para enganar as pessoas e prosseguem incansavelmente em seu trabalho.
Eles sabem muito bem, aprenderam muito bem, que a “batalha de ideias” à qual Fidel nos convocou é absolutamente estratégica para a preservação do sistema, e não cedem em seu empenho.
Para resistir à proliferação de versões idílicas acerca do capitalismo e de sua capacidade de promover o bem-estar geral, examinemos alguns dados obtidos de documentos oficiais do sistema das Nações Unidas. Isso é sumamente didático quando se escuta, principalmente no contexto da crise atual, que se obtém a solução aos problemas do capitalismo com mais capitalismo. Ou que o G-20, o FMI, a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial, arrependidos de seus erros passados, vão poder resolver os problemas que causam sofrimento à humanidade.
Todas essas instituições são incorrigíveis e irreformáveis, e qualquer esperança de mudança nada mais é do que uma ilusão. Continuam propondo a mesma coisa, só que com um discurso diferente e uma estratégia de “relações públicas” projetada para ocultar suas verdadeiras intenções. Quem tiver dúvidas veja o que estão propondo para “solucionar” a crise na Grécia: as mesmas receitas que aplicaram e continua aplicando na América Latina e na África desde os anos 80!
A seguir, alguns dados (com suas respectivas fontes) recentemente sistematizados pelo CROP, o Programa Internacional de Estudos Comparativos sobre a Pobreza, sediado na Universidade de Bergen, Noruega. O CROP está fazendo um grande esforço para, a partir de uma perspectiva crítica, combater o discurso oficial sobre a pobreza elaborado há mais de 30 anos pelo Banco Mundial e reproduzido incansavelmente pelos grandes meios de comunicação, por autoridades governamentais, acadêmicos e “especialistas” vários.
População mundial: 6,8 bilhões, dos quais:
* 1,02 bilhão de pessoas são desnutridos crônicos (FAO, 2009)
* 2 bilhões não têm acesso a medicamentos (www.fic.nih.gov)
* 884 milhões não têm acesso à água potável (OMS/UNICEF 2008)
* 924 milhões “sem teto” ou em moradias precárias (UN Habitat 2003)
* 1,6 bilhão de pessoas não têm eletricidade (UN Habitat, “Urban Energy”)
* 2,5 bilhões sem sistemas de drenagem ou esgoto (OMS/UNICEF 2008)
* 774 milhões de adultos são analfabetos (www.uis.unesco.org)
* 18 milhões de mortes por ano devido à pobreza, a maioria de crianças menores de cinco anos (OMS)
* 218 milhões de crianças, entre 5 e 17 anos, trabalham frequentemente em condições de escravidão e em tarefas perigosas ou humilhantes como soldados, prostitutas, serventes, na agricultura, na construção ou na indústria têxtil (OIT: A eliminação do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance, 2006)
* Entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população mundial reduziram sua participação na renda mundial de 1,16% a 0,92%, enquanto que os opulentos 10% mais ricos aumentaram suas fortunas passando a dispor de 64,7% a 71.1% da riqueza mundial. O enriquecimento de poucos tem como seu reverso o empobrecimento de muitos.
Só esses 6,4% de aumento da riqueza dos mais ricos seriam suficientes para duplicar a renda de 70% da população mundial, salvando inumeráveis vidas e reduzindo as penúrias e sofrimentos dos mais pobres. Entenda-se bem: isso se conseguiria se apenas se pudesse redistribuir o enriquecimento adicional produzido entre 1988 e 2002 do 10% mais ricos da população mundial, deixando intactas suas exorbitantes fortunas. Mas nem sequer algo tão elementar como isso é aceitável para as classes dominantes do capitalismo mundial.
Conclusão: se não se combate a pobreza (nem se fale de erradicá-la sob o capitalismo!) é porque o sistema obedece a uma lógica implacável centrada na obtenção do lucro, o que concentra la riqueza e aumenta incessantemente a pobreza e a desigualdade econômico-social.
Depois de cinco séculos de existência, isso é o que o capitalismo tem para oferecer. O que esperamos para mudar o sistema? Se a humanidade tem futuro, será claramente socialista. Com o capitalismo, em troca, não haverá futuro para ninguém. Nem para os ricos, nem para os pobres. A sentença de Friedrich Engels e também de Rosa Luxemburgo: “socialismo ou barbárie”, é hoje mais atual e vigente do que nunca. Nenhuma sociedade sobrevive quando seu impulso vital reside na busca incessante do lucro, e seu motor é a ganância. Mais cedo do que tarde, isso provoca a desintegração da vida social, a destruição do meio ambiente, a decadência política e uma crise moral. Ainda estamos a tempo, mas já não resta muito.
(Ecodebate, 21/05/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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