Este dia 3 de maio não será um dia qualquer na fronteira do Brasil e Paraguai. Afinal de contas não é sempre que presidentes de dois países se encontram para discutir relevantes questões para a região, marcada por sérios problemas e controversos interesses.
A região, particularmente no lado paraguaio onde foi decretado estado de exceção, está marcado por violências e assassinatos nos últimos dias. Dentre os assuntos anunciados na pauta consta a proposta de construção de uma linha de transmissão desde Itaipu até Assunción. O custo previsto de mais de 400 milhões de dólares será totalmente financiado pelo Brasil. Ou melhor recursos desembolsados serão feitos pelo BNDES, hoje o banco de maiores recursos em termos mundiais.
E os Guarani onde ficam nessa história
A região onde o Brasil já foi Paraguai, está sem dúvida marcada por uma realidade muito anterior à “grande guerra”, “genocídio paraguaio” ou “Guerra do Paraguai”, dependendo do ângulo de que é olhado o conflito histórico que levou a milhões de mortes na segunda metade do século 19. O fato é que bem antes da formação dos estados nacionais de Brasil e Paraguai, essa região era densamente ocupada pelo povo Guarani. Povo estimado em dois milhões de pessoas, antes da chegada dos espanhóis e portugueses nessas terras. Recente trabalho de levantamento demográfico para a elaboração do mapa Guarani Retã, localiza mais de 500 comunidades Guarani orientais entre a província de Missiones, na Argentina, e o Mato Grosso do Sul, no Brasil. São aproximadamente 100 mil Guarani. Esse povo, o mais expressivo da América do Sul, é formado por quase uma dezena de povos, desde a Bolívia até o Uruguai, com uma população superior a 300 mil pessoas.
O território Guarani é hoje palco de disputa dos grandes interesses econômicos ligados ao agronegócio da monocultura da soja, cana, milho, eucaliptos-pinus, além da tradicional pecuária, que só no Mato Grosso do Sul é constituído de mais de 22 milhões de cabeças de gado. Grupos multinacionais e nacionais estão ocupando vorazmente essas terras para implantação de grandes projetos. As últimas reservas de mata Atlântica estão sendo ameaçadas. Os últimos refúgios de mata dos Guarani estão sendo derrubados. Isso tudo em meio à omissão dos estados nacionais em garantir o mínimo de terra a esses povos. As tímidas iniciativas neste sentido acabam sendo ineficazes e atropelados pelos interesses e expansão dos interesses econômicos.
Um dos temas anunciados na pauta entre os dois presidentes, é o relacionado a Itaipu. Nunca é demais lembrar como os Guarani foram escorraçados nos dois lados do Rio Paraná. Quando da formação do lago de Itaipu, pelo menos 32 comunidades Guarani tiveram suas terras inundadas do lado paraguaio. Foram transferidos para longe, em pequeno pedaço de terra de um pouco mais de 2 mil hectares. A promessa era de que teriam garantidos territórios onde pudessem viver com dignidade. Promessa até hoje não cumprida. Já do lado brasileiro, foram acomodados em poucos hectares de Terra. Ocoí, uma minúscula extensão de terra infestada por insetos, é o símbolo de como esse povo vem sendo tratado. Hoje existem vários acampamentos Guarani na região do Paraná. Um dos “benefícios” que a Itaipu fez foi comprar um pedaço de terra onde se estabeleceu a comunidade de Añetete, onde em fevereiro deste ano se realizou o Encontro dos Guarani da América do Sul.
A região de fronteira está marcada pela violência agravada pelo narcotráfico e contrabando de armas. O Juiz Odilon de Oliveira tornou público essa realidade afirmando que já haviam sido identificados mais de 200 mil hectares como terras em mãos de narcotraficantes nesta região de fronteira no Mato Grosso do Sul.
O que dirão os presidentes
Os Guarani e os sem-terra, ou brasiguaios, pouco ou quase nada esperam desse encontro dos mandatários máximos dos dois países. Até porque dificilmente conseguirão fazer chegar suas vozes e seus clamores, pelo forte esquema de segurança e interesses que cercam os presidentes dos dois países.
A região está marcada pela violência. No Brasil, os Guarani estão submetidos a uma violência diária nos minúsculos confinamentos em que se encontram e nos acampamentos à beira da estrada. Os processos de identificação das terras continuam paralisados. A proposta do presidente Lula de comprar 5 mil hectares de terra para os Guarani no Mato Grosso do Sul, para diminuir o problema , foi considerado um despropósito pelas lideranças Guarani na recente reunião do Conselho da Aty Guasu, realizada em Amambai.
Já o presidente Lugo, cada vez mais envolto nas contradições em que foi se afundando, pouca força terá para cumprir as promessas feitas em sua posse, quando afirmou que a questão indígena seria uma de suas prioridades. E a Itaipu binacional, porque não se empenha em devolver pelo menos pequena parte das terras que a usina usurpou quando da instalação da obra?
Os Guarani têm muito a dizer e exigir
No Encontro de Añetete mais de 800 Guarani dos quatro países solicitaram: “garantia e respeito, a partir de mudanças das leis de fronteira, o livre transito cultural, de acordo com as tradições dos povos indígenas nas fronteiras entre Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia, compreendendo que para nós, povo Guarani os territórios étnicos e ancestrais sempre nos pertenceu – abertura das fronteiras”. Neste mesmo encontro o ministro Juca Ferreira em sua breve fala destacou a importância dos Guarani na fronteira: “Essa cooperação e essa presença dos povos indígenas nas proximidades das fronteiras, longe se ser um problema é uma solução para o Brasil. Para nós do Ministério da Cultura não temos nenhum medo, nenhum temor da presença dos povos indígenas e demarcação de seus territórios próximos à fronteira. Os povos indígenas têm direito, e além de direito eles são segurança para a estabilidade ecológica, social e política na medida em que estabelecem relações afetivas com os parentes que vivem nos outros países”.
Na Aty Guasu de Arroyo Korá, realizado no mês passado, os Guarani Kaiowá disseram: “Não entendemos por que continuam fazendo essas injustiças com o nosso povo. Estamos na região de fronteira. Para nós, essas decisões incentivam organizações criminosas na fronteira, de pistoleiros, traficantes de armas e drogas. A terra indígena demarcada traria mais segurança para a região de fronteira”.
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