Na semana passada, 140 entidades, dos quatro cantos do planeta, redigiram uma carta, endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para lembrar o governante de uma promessa feita por ele, em julho de 2009, a lideranças indígenas e ribeirinhas da região possivelmente afetada pela hidrelétrica de Belo Monte, prevista para o Rio Xingu, no Pará. “Belo Monte não será forçada goela abaixo de ninguém”, disse Lula na ocasião.
Porém, mesmo após manifestações da população do entorno do rio Xingu, contrárias à obra, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu licença ambiental prévia ao empreendimento, que já tem até a data do seu leilão, agendado para 20 de abril.
Diante disso, a carta assinada por entidades da sociedade civil em defesa de direitos humanos, indígenas e ambientais, entre outros, que serão desrespeitados com a construção da usina, faz oposição ao projeto e propõe alternativas de desenvolvimento energético ao Brasil.
O coordenador do Programa do país da Amazon Watch, uma das organizações signatárias do documento, Christian Poirier, concedeu entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br, em que fala sobre a iniciativa e o retorno esperado para essa campanha. A entrevista é de Fabíola Munhoz e publicada por Amazonia.org.br, 22-03-2010.
De quem partiu a ideia de redigir esta carta de oposição a Belo Monte?
A ideia da carta veio não só da Amazon Watch, mas de uma rede de organizações internacionais. Essa rede se formou para ajudar os brasileiros a salvar o rio Xingu e para parar a barragem desastrosa de Belo Monte. Essas organizações são signatárias da carta e todas elas contribuíram com a sua redação.
A ideia da carta é expressar a nossa grande indignação com o governo do Lula e oferecer nossa solidariedade à sociedade civil brasileira, que está insistindo para que o empreendimento seja impedido devido aos riscos sociais, ambientais e econômicos que o projeto representa para a região amazônica.
Diante do fato de que já foi definida uma data para o leilão da usina, as organizações signatárias da carta ainda esperam uma resposta favorável de Lula?
Na verdade, a gente não tem essa esperança. Acho que o anúncio do leilão é a indicação de que o governo está optando por ignorar não somente a nossa carta, mas muitas outras da sociedade brasileira. O governo brasileiro é a favor de forçar esse projeto goela abaixo de todos nós, especialmente as comunidades que serão afetadas no rio Xingu. Então, vendo que a data do leilão saiu, não temos essa esperança.
Então, qual é o retorno esperado para esta iniciativa?
Primeiro, queremos dizer ao governo do Brasil que estamos trabalhando em conjunto com outros grupos brasileiros para lutar firmemente contra esse projeto. Estamos conscientes de que o governo Lula é sensível a sua imagem no exterior e queremos deixar claro que essa imagem sofrerá se ele insistir em apoiar o projeto. Também, com isso, queremos chamar outros apoiadores a esse movimento de oposição a Belo Monte.
Para as organizações que assinaram a carta contra Belo Monte, por que o projeto não deve ser apoiado pelo governo brasileiro?
Existem muitas razões. Um governo que se preocupa com os direitos de seus cidadãos, sustentabilidade financeira e energia limpa renovável nunca deveria apoiar um projeto tão irresponsável. Os povos indígenas, ribeirinhos, e também a população urbana de Altamira (PA) foram excluídos das audiências públicas e do debate sobre Belo Monte. Os direitos dos povos indígenas também foram desrespeitados, em relação à Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], da qual o Brasil é signatário, que garante aos povos indígenas uma consulta livre prévia e informada com relação aos projetos de desenvolvimento que os impactarão.
Também, em especial, o desvio da Volta Grande do Xingu, de maneira nenhuma, pode ser compensado pela energia que Belo Monte vai produzir. O desvio do fluxo do rio Xingu, da Volta Grade, deixaria sem água comunidades indígenas e tradicionais, numa extensão de 100 km.
Além disso, o Brasil pretende financiar 80% de Belo Monte com recursos brasileiros, e essa intenção é muito irresponsável. Esse é um projeto muito arriscado, de viabilidade técnica e econômica duvidosa, e, por meio desse financiamento, o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] dará subsídio, com dinheiro público, a um projeto de interesse público questionável. Belo Monte não é só um problema para a população do Xingu, mas também um péssimo investimento para o Brasil. E, finalmente, isso tudo está acontecendo quando existem alternativas, como a eficiência energética e fontes renováveis de energia, como, por exemplo, a eólica e a solar.
Pode-se dizer que Lula tem hoje pouco poder de decisão quanto à realização desses empreendimentos, ditados, em sua maioria, por empresas que financiaram as campanhas eleitorais do presidente?
Eu compartilho essa opinião, que é também a da maioria dos meus colegas brasileiros. É claro que Belo Monte está sendo empurrada para encaixar um calendário político num ano eleitoral, a fim de solidificar o apoio econômico de um grupo de companhias incrivelmente bem financiadas no setor de energia, construção e mineração. Essa é sem dúvida uma tentativa de reforçar o apoio econômico a Dilma Roussef, a mãe do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], do qual Belo Monte é o maior projeto.
E como as organizações ambientalistas podem enfrentar esse cenário?
Temos várias estratégias para tratar esse contexto. A Amazon Watch, como parte de uma rede de organizações internacionais, pode ter ações junto às empresas internacionais que buscam se envolver em Belo Monte. Podemos fazer campanhas de responsabilidade corporativa para atacar empresas possivelmente interessadas em Belo Monte, como a norte-americana Alcoa, a francesa Suez – que está construindo Jirau, no rio Madeira -, e também os bancos privados internacionais que queiram financiar o projeto. Outra estratégia é levar o questionamento de toda a imagem do PAC e também de Dilma, não somente ao Brasil, mas também ao mundo inteiro, em ano eleitoral, quando vai ter muito mais interesse no Brasil do que em qualquer outro ano.
Vamos questionar o PAC porque Belo Monte contraria totalmente a imagem de desenvolvimento sustentável e benefícios sociais com que o plano se compromete. Também tem outras estratégias judiciais que estamos tentando apoiar, como a ações legais na OEA [Organização dos Estados Americanos] e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e organizar protestos em várias cidades do mundo para mostrar ao governo e às empresas que procuram construir Belo Monte que a nossa organização se opõe a esse projeto. Queremos mostrar que haverá um custo alto a ser pago pelo governo e por essas empresas se eles continuarem com o projeto de Belo Monte.
Num momento em que já se formam os consórcios que irão participar do leilão de Belo Monte, ainda há expectativa de que as empresas interessadas na obra sejam influenciadas por esse tipo de campanha?
Acho que as empresas têm preocupação com suas imagens. A Alcoa, por exemplo, tem toda uma campanha de sustentabilidade ambiental e social. A gente poderia atacar essa imagem facilmente, mostrando ao povo internacional que ela está contrariando sua imagem, com a participação em Belo Monte, e assim estamos fazendo com a Suez. E pretendemos fazer isso também com bancos privados. Acho que essas companhias têm medo desse tipo de campanha, e podemos lograr algum efeito com isso. Podemos influenciar as empresas internacionais. Quanto às companhias do Brasil, para fazermos esse tipo de campanha, é mais difícil. Não é nosso papel fazer isso. Isso é para nossos parceiros do Brasil, que estamos apoiando.
A carta diz que houve pouca participação popular nas audiências públicas sobre Belo Monte. Que outro tipo de discussão sobre o projeto as organizações que assinaram o documento defendem?
Defendemos outra maneira de debate. Durante minha experiência na Volta Grande do Xingu, quando fui falar com as pessoas que sofreriam impactos com Belo Monte, percebi que eles foram excluídos de qualquer decisão e de informações sobre o projeto. As pessoas simplesmente não sabem o que virá com a obra e como serão afetadas. Para um projeto dessa dimensão avançar, é preciso ter muito mais participação do público, bem antes de qualquer licença ambiental prévia ou edital para o leilão. A mobilização que a população próxima ao Xingu está fazendo agora tem como objetivo pedir mais discussão com o governo e a sociedade brasileira. Essa é a única maneira de sermos ouvidos e mostrarmos todos os problemas com o empreendimento, para tentar impedi-los.
O governo respondeu a carta até o momento?
Não houve resposta do governo para a carta e não estamos esperando realmente. Tenho a impressão de que o governo não está preocupado com as críticas a Belo Monte e também a outros projetos, como as usinas do Madeira. Eles estão se comportando de uma maneira criminal, em minha opinião, quando se ausentam do debate com o público brasileiro e também com o internacional.
Eu gostei do fato de que a carta está sendo bem recebida por nossos parceiros no Brasil. Teria gostado de uma resposta do governo brasileiro, mas não esperávamos esse diálogo porque vemos que, se ele não tem compromisso com seu próprio povo, como é que vai ter compromisso com os estrangeiros? Eu gostaria que essas ações dos grupos brasileiros e internacionais influenciassem o governo brasileiro, mas, na verdade, acho que essa carta terá mais impacto para fortalecer a campanha já existente contra Belo Monte.
Já não era esperada uma resposta formal do governo Lula. Mas, esperamos que haja uma resposta mais sutil do governo, no sentido de se revisarem os planos deles e as alternativas de desenvolvimento, ou do dito desenvolvimento. Com a carta, estamos não só dizendo que somos contra o projeto, mas também propomos alternativas. Não é papel das organizações internacionais dizerem aos brasileiros que não podem se desenvolver do jeito deles, mas estamos em solidariedade com os grupos do Brasil que não aceitam esse tipo de desenvolvimento desastroso, que está acabando com rios e povos. Estamos aqui para apoiar a luta dos brasileiros.
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