Marco Feliciano não me representa. Mas boa parte do Congresso Nacional também não.
Como deu para ver no rosário de posts em que tratei do tema, é claro que torço para que o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias seja substituído o quanto antes, pois sua permanência não apenas coloca em risco o trâmite de projetos importantes que ajudariam a garantir a dignidade de grupos que são tratados como cidadãos de segunda classe como também é uma piada de mau gosto à história das conquistas sociais no país. Sem falar do fato de que ele é sim consequência do crescimento de posições conservadoras na sociedade brasileira. Que merecem ser combatidas democraticamente, no voto e no debate público – debate que, muitas vezes, essas posições se furtam a fazer.
Defendo que todas as formas de pensamento estejam representadas na Câmara dos Deputados, mesmo as quais eu não concorde – exceto, claro, as racistas, xenófobas, preconceituosas e discriminatórias. Afinal de contas, garantir que babacas usem a tribuna para cometer crimes é o ó do borogodó. “Ai, japonês! E a liberdade de expressão? E o meu direito de fazer os outros sofrerem destilando a minha ignorância? Seu comunista totalitário! Seu safado! Vem cá que te dou uma sova! Se fosse no tempo da Gloriosa, você já estaria morto…” Deu para entender, né?
Uma consequência boa de tudo isso é que a situação bisonha alertou muita gente para o que acontece no parlamento federal. Mas elevar o caricato e esperto Marco Feliciano à categoria de inimigo comum, gerando uma popular identidade reativa, é relativamente fácil. Difícil é fazer oposição a pessoas e programas que sistematicamente e historicamente tentam retirar direitos, mas que são menos caricatos e mais espertos que o pastor supracitado. Parte da bancada ruralista se encaixa nessa categoria, por exemplo. Rifou o futuro das próximas gerações ao transformar o Código Florestal em papel maché, persegue os direitos das populações indígenas (que sofrem com genocídios, como o que ocorre no Mato Grosso do Sul) e caminha a passos largos para acender a churrasqueira com a (pouca) proteção de que dispõem os trabalhadores rurais.
Bancada ruralista que, inclusive, se aliou à bancada evangélica para que, juntas, possam transformar este país em um grande romance de Dias Gomes, com o Coronel, o Padre e o Delegado tomando uma cachacinha e decidindo os rumos do latifúndio.
A (dura) luta pela garantia das liberdades individuais é uma agenda suprapartidária, que consegue reunir simpatizantes de partidos diversos como o PT e o PSDB, liberais na política e liberais do comportamento. Mas essa articulação e mobilização popular bem que poderiam se manter após esse embrólio com o meninão se resolver. Usar toda esse pessoal em rede e com boa vontade para monitorar de perto outras ameaças em curso no Congresso Nacional.
Até porque pessoas como Marco Feliciano ou Jair Bolsonaro assumem um papel que lhes permite manter uma reserva de votos em todas as eleições o suficiente para se eleger e, talvez, alguns de seus correligionários, mas seu discurso não lhes permitirá alcançar cargos majoritários – pelo menos enquanto o Brasil não for de Cristo ou os milicos de pijama não mandarem os ferro-velhos que eles chamam de tanques para as ruas. O mesmo não posso dizer de outros pessoas e programas políticos que vão, em silêncio, roubando o que não é deles.
Para quem se preocupa com a dignidade humana, a queda de Feliciano não pode ser a linha de chegada. Tem que ser apenas o começo. Pelo menos enquanto gays, lésbicas, transsexuais, mulheres, negros, indígenas, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, sem-terra, sem-teto, adeptos de religiões afro-brasileiras e a ralé pobre que trabalha para comer continuarem com migalhas, enquanto os homens, brancos, heterossexuais, tementes a Deus rirem com a boca cheia de pão.