Município pega literalmente em armas para negociar com mineradora britânica
Zulmira Furbino
Beto Magalhães/EM/D. A Press
Conceição do Mato Dentro – Conceição do Mato Dentro, a capital mineira do ecoturismo, instalada em meio aos biomas da mata atlântica e do cerrado, pode ser considerada, hoje, uma terra sem lei. Localizada na Região Central de Minas, no caminho da Estrada Real, famosa por festas típicas centenárias e por suas belíssimas cachoeiras, integrante do circuito de produção do queijo Serro – tombado como primeiro Patrimônio Imaterial de Minas Gerais pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) –, a cidade vive o dilema entre a preservação de sua vocação cultural e turística e a atividade mineradora, trazida primeiro pela MMX, do bilionário Eike Batista, e agora pelo grupo inglês Anglo Ferrous, que comprou o negócio.
De um lado, a mineração promete engordar o caixa do município por meio do aumento da arrecadação de impostos e do pagamento de royalties em mais de R$ 30 milhões ao ano. De outro, a preocupação com o meio ambiente e com o crescimento sustentado é crescente, já que a cidade está na Serra do Espinhaço. Os pequenos proprietários de terra reclamam que estão sendo pressionados e acuados para vendê-las. A especulação imobiliária rural no município ganhou contornos irracionais, chegando ao conflito armado.
Foi o que ocorreu na comunidade de Água Santa, localizada ao pé da Serra da Ferrugem. Aécio Lopes Vieira, técnico em agropecuária, conta que há três anos Sebastião Simões Pimenta, 46 anos, conhecido como Tião, e sua família, montaram uma barricada armada para impedir a passagem dos carros da Anglo na propriedade onde vivia com a mãe, de 91 anos. A empresa teria dado o troco proibindo-o de usar uma trilha habitual que cortava caminho para um distrito vizinho, o Sapo, também usando homens armados. Felizmente, nenhum tiro foi trocado.
O resultado da escaramuça é que Tião teria conseguido R$ 2,4 milhões pela venda do terreno. O ex-proprietário das terras, porém, fala numa cifra menor: R$ 1,4 milhão. Acredita, contudo, que vendeu barato. “Eu queria ter vendido por R$ 6 milhões”, garante. A polaridade de posições e a cobiça despertada pelas negociações feitas com vizinhos e parentes são um dos ingredientes que alimentam a tensão vivida na região. Depois de vender o terreno, Tião alugou uma casinha vizinha – sem banheiro e sem pia na cozinha – e continua a viver como se não tivesse ganho um tostão. “Ganhei o dinheiro, mas está pior do que antes. Aqui não tem nem banheiro dentro de casa. Não consigo comprar uma terra porque o preço está muito alto”, reclama.
De fato, é impossível saber o preço de uma gleba nas imediações do município. “Antes da mineração, o hectare custava entre R$ 500 a R$ 1 mil. Hoje, a Anglo colocou o preço da área que é prioridade para ela entre R$ 12 mil e R$ 15 mil”, diz Aécio Vieira. Exemplo vivo dessa montanha russa é José Santos Pereira, 78 anos, o seu Zezeco. Há três anos, ele se separou, dividiu suas terras ao meio com a ex-mulher e vendeu sua parte – cinco hectares – para a Anglo por R$ 100 mil. A ex, Maria Soares Pimenta, ficou com sua metade, que vendeu há três meses por nada menos do que R$ 920 mil. Para sua sorte, seu Zezeco só tinha recebido a metade do dinheiro porque esperava a averbação do divórcio para ter acesso ao restante. Agora, vai receber R$ 330 mil no lugar dos R$ 50 mil que tinham ficado para trás.
Enquanto isso, na cidade, a preocupação com o crescimento sustentado causa dor de cabeça até mesmo naqueles que estão ganhando dinheiro com a mudança de foco econômico do município. Em 2008, a reeleição do prefeito, Breno José de Araújo Costa, foi anulada e o mesmo aconteceu com a seguinte, na qual foi eleito o filho do político, Breno Filho. Resultado: a cidade está acéfala. Ocupa o posto interino de chefe do executivo a vereadora e presidente da Câmara, Nelma Lúcia Cirino de Carvalho, que não sabe de cor nem o valor do Produto Interno Bruto (PIB) nem o da arrecadação municipal. Até agora, não há projetos de infraestrutura para preparar Conceição do Mato Dentro para o crescimento que já começou a chegar. “Essa é uma situação nova para mim. Não esperei em nenhum momento assumir a prefeitura. Não foi nada fácil”, desabafa.
O vice-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Conceição do Mato Dentro, José Antônio Pimenta Filho, reconhece que a chegada de novas empresas à cidade é um ponto positivo, mas afirma que tentou se aproximar da Anglo para obter dados como o número de trabalhadores que já aportaram no município, porém sem sucesso. “Só a RG (construtora) teria trazido 400 homens. Já são 20 prestadoras de serviço na cidade”, calcula. Ele também tentou promover um encontro de empresários da cidade que atuam em outros locais do Brasil, mas não houve interlocução. “A única parceria com a empresa é o Plano de Desenvolvimento de Fornecedores, mas ele é para inglês ver. A empresa está aqui há cinco anos e nada fez pela cidade”, sustenta. De acordo com ele, a mineração concentra renda, mas beneficia poucos. E ainda traz problemas sociais. “A Anglo está gerando empregos primários, mas nossa periferia tem problemas muito sérios, como alcoolismo e drogas. O índice de violência aqui é muito alto”, diz.
No pico da obra, o número de habitantes da cidade terá saltado de 19 mil para 23 mil pessoas. Por enquanto, de acordo com Carlos Gonzales, diretor de operações da mineradora, são apenas 800 pessoas contratadas pelas empresas prestadoras de serviço. Além disso, há cerca de 50 funcionários diretos da própria Anglo Ferrous. “A empresa não vai implantar em Conceição um projeto que não seja sustentável porque não vou aceitar. Eu sou o dono do projeto. Conceição não será como Itabira”, afirma.
Terra sem lei
E a desilusão vence a esperança
Aos poucos, população percebe que projeto de mineração pode trazer mais problemas do que benefícios para a cidade
Zulmira Furbino
Conceição do Mato Dentro – A esperança inicial de prosperidade, a mesma que fez o valor de pequenas glebas de terras – antes desvalorizadas por estarem localizadas em terreno íngreme e acidentado – saltarem para a casa do milhão, e que também aquece o comércio local, está cedendo lugar à desilusão e a uma preocupação cada vez maior com o inchaço da população e com a sustentabilidade do crescimento de Conceição do Mato Dentro. Além dos problemas na área urbana, as famílias que ainda permanecem na área rural estão angustiadas porque veem os córregos que servem às suas propriedades serem assoreados e sua pequena produção de rapadura, farinha, queijo e cachaça serem afetadas de forma contundente pela poluição. Só na área de Água Santa, 100 famílias padecem com o problema.
Poucos moradores da região diretamente afetadas aceitam falar sobre o assunto. Eles estão com medo. É o caso de dona Maria de Fátima Simões, que tem nove filhos, cinco dos quais deficientes mentais. E de sua vizinha, que prefere nem falar o nome, porque está temerosa com o que pode acontecer com seu marido, que já sofreu dois derrames depois que as obras da terraplenagem de estações de bomba 1 do mineroduto começaram, bem do lado da casa onde nasceu e criou os filhos. Edgar Pimenta de Souza e seu irmão, Delfino Pimenta de Souza, formam uma exceção a essa regra. O córrego que passa em sua terra, o Pereira, está quase totalmente assoreado. O gado já não bebe água.
O moinho e o engenho pararam de funcionar por causa da areia que desceu da montanha de terraplenagem.
Com isso, eles deixaram de produzir 32 rapaduras (R$ 2,50 cada) e 150 litros de cachaça por dia (R$ 3 cada).
Os produtos eram comercializados no distrito do Sapo e em Conceição de Itaponhacanga. O prejuízo mensal com a paralisação da produção é de R$ 9 mil. “A areia entupiu o engenho e, para piorar, cinco meeiros plantavam com a gente desistiram. Ninguém quer fazer a plantação de uma roça de milho, de mandioca ou de feijão para depois deixar para trás”, afirma Delfino. Segundo ele, a proposta da empresa para aquisição dos 15 hectares de terra, uma herança que terá que dividir com 10 irmãos, foi de R$ 1,8 milhão. “É pouco. Não dá nem R$ 200 mil para cada um. Não dá nem para comprar uma rocinha. Como é que vamos viver?”, desabafa.
Ataniel Juscelino da Silva e sua esposa, Solange Maria de Fátima, estão desolados com os rumos que as coisas vão tomando depois que as empresas prestadoras de serviço da Anglo Ferrous se instalaram para valer no local. Os dois são donos da Mercearia Bar e Restaurante São Sebastião do Bonsucesso, o nome oficial do distrito do Sapo. Ele foi o primeiro do lugar a negociar com a mineradora. “Quando eles chegaram, pediram permissão para fazer sondagens e pesquisas. Mas depois as coisas foram mudando”, queixa-se.
Relatório do Sistema Estadual do Meio Ambiente (Sisema) para a licença prévia do empreendimento afirma que sua implantação implicará grande comprometimento dos aspectos naturais da região, com destaque para os recursos hídricos e para a biodiversidade. A empresa reconhece o assoreamento dos córregos na região, diz que o projeto como um todo tem 212 condicionantes, das quais 70 já foram cumpridas. Ainda segundo a mineradora, quando a obra estiver pronta, os rios voltarão ao normal.
As informações são do Jornal Estado de Minas.
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