Começou neste dia 25 de agosto de 2010 uma nova etapa na história da resistência social amazônica. É quando representantes de diversos povos da Amazônia brasileira vão se reunir no município paraense de Itaituba, quase na fronteira do Amazonas, para o 1º Encontro dos 4 Rios. Não se trata de um encontro geográfico, e sim de um encontro social e político entre populações que já sentem ou temem sentir os drásticos efeitos de um projeto econômico hegemônico sobre seu território de vida. As hidrelétricas, eclusas e hidrovias representam para centenas de milhares de pessoas uma ameaça integral a suas condições de vida. É por isso que Itaituba recebe esta semana todos aqueles que estão de pé em defesa dos rios Tapajós, Madeira, Xingu e Teles Pires.
Estes quatro rios estão entre os principais fatores da vida na Amazônia brasileira. Eles são caminho, fonte de água, fonte de comida, cadeia de biodiversidade, riqueza cultural e simbólica, história e identificação de muitos e muitos povos da região. São indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, extrativistas e tantos outros agrupamentos humanos que têm nos rios um centro vital de suas vidas. Ignorá-los em nome do desenvolvimento é, deve-se dizer desde o princípio, uma discriminação imperdoável e uma vergonha para um país e uma sociedade que, até agora, não se fizeram uma pergunta essencial: a produção de mais eletricidade justifica o sacrifício das condições de vida de tantos de nós? Em nome do conforto de quem? Em nome dos lucros de quem? São estas perguntas que ecoarão no 1º Encontro dos 4 Rios em Itaituba. São perguntas que deveriam ecoar para além da floresta. É nisto que estão empenhadas diversas organizações sociais. A Fase Amazônia é uma participante. Mas junto dela há uma série de protagonistas sociais que merecem a menção, pois conhecê-los é valorizar sua luta por um patrimônio de todos nós: Movimento Xingu Vivo para Sempre, Movimento Tapajós Vivo, Movimento em Defesa do Rio Teles Pires, Movimento em Defesa do Rio Madeira Vivo, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos Pequenos Agricultores, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Fórum da Amazônia Oriental, Fórum dos Movimentos Sociais, Frente em Defesa da Amazônia, Conselho Indigenista Missionário, Comissão Pastoral da Terra, Fundo Dema, Fórum da Amazônia Ocidental, International Rivers. Estes são os organizadores do encontro. Dizer seus nomes um a um é importante para quando no futuro, alguém disser que são poucos os que se opõem às hidrelétricas, possamos reconhecer as multidões de vidas que estão por detrás dos nomes.
Graça Costa, coordenadora da Fase Amazônia, estará em Itaituba, que fica à beira do rio Tapajós e sofre com os impactos da fronteira agrícola trazida pela rodovia BR-163. Ela, como muitos que estão no encontro, viveu a experiência de resistir ao projeto da hidrelétrica de Belo Monte. O Brasil já sabe que Belo Monte significa a interrupção de um grande trecho do rio Xingu, e que isso afetará milhares de pessoas e toda o meio ambiente local. O que talvez o país ainda não saiba é que o rio Tapajós é o próximo a entrar na alça de mira dos grandes projetos. “Todos os rios e seus povos estão sob ameaça de algum grande projeto, seja em fase de planejamento ou em execução. Esse encontro quer criar o que estamos chamando de Aliança dos 4 Rios”, diz ela.
Todos os presentes ao encontro sabem que não é fácil resistir ao poder de outra aliança, a do Estado com o capital. “Há um processo pelo qual as empresas responsáveis pelas obras das hidrelétricas buscam consegur adesão popular para seus projetos, conforme os conflitos se acirram. No rio Madeira, onde duas hidrelétricas já estão sendo construídas, até mesmo ONGs que antes participavam da resistência agora estão nesse trabalho de adesão. Indígenas e ribeirinhos estão muito assediados”, relata Graça. Por outro lado, a própria realização do Encontro dos 4 Rios é um sinal de luta fortalecida. E mais do que isso: de luta unificada, daí porque há sentido em falar de uma nova etapa na resistência social da Amazônia.
Não por acaso, este encontro servirá também para programar o grande evento social do ano na Amazônia, que é o Fórum Social Panamazônico. Aí sim reunindo pessoas de toda a Amazônia (incluindo bolivianos, peruanos, colombianos, venezuelanos, equatorianos, surinameses, guianenses), este momento será de grande fortalecimento de uma proposta de vida para a Amazônia. “A articulação para o próximo Fórum Social Panamazônico tem em vista a criação de um Conselho da Panamazônia, uma nova forma de unificar as lutas. E o eixo energético é parte dessa construção”, afirma a coordenadora da Fase na região.
No Encontro dos 4 Rios, a questão energética é o centro dos debates. Energia para que? Energia para quem? Pelo aumento indefinido das exportações de minérios, pelo crescimento sem fim de uma siderurgia poluidora, por vendas maiores de uma indústria de carros que já entupiu as ruas do país? Está na hora de o governo ouvir as infinitas vozes que vêm de um vasto território vivo chamado Amazônia, pelo qual ele é mundialmente responsável por manter vivo e em condições. Ouvir o chamado do grande capital significa continuar apostando na degradação da região e de sua megabiodiversidade que constitui um patrimônio muito mais valioso do que qualquer produto material que possa ser feito com ainda mais energia. Enquanto isso, as necessidades de energia das pessoas comuns, trabalhadores e trabalhadoras, das economias locais, da produção sustentável e distribuidora de riquezas, estas necessidades agradeceriam uma verdadeira aposta na energia alternativa, barata e limpa.
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