Francisco Fernandes Ladeira*
20 de novembro é o Dia da Consciência Negra. A escolha da data não foi por acaso, remete à morte do mártir negro Zumbi, ocorrida em 1695.
Zumbi foi o último líder do Quilombo dos Palmares (localizado no atual estado de Alagoas). Os quilombos eram comunidades auto-sustentáveis para onde se dirigiam os escravos que fugiam do cativeiro. Além dos negros, minorias brancas e indígenas também formavam as comunidades quilombolas.
O Dia da Consciência Negra é uma data para lembrar a resistência dos cativos à escravidão e refletir sobre a atual situação dos negros em nossa sociedade.
Durante um período considerável imperou no pensamento intelectual brasileiro o paradigma da “democracia racial”, tese que partia do pressuposto de que as diferentes “raças” no Brasil conviveriam em relativa harmonia.
Entretando, passados 123 anos da abolição da escravatura, não é difícil constatar que o arquétipo do negro social e economicamente inferior ainda faz parte do inconsciente coletivo do brasileiro. Lembrando um samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira, apesar de livres do açoite e da senzala, os negros continuam presos na miséria da favela.
Mesmo não legitimado juridicamente, como nas leis “Jim Crow” e no Apartheid, que vigoraram nos Estados Unidos e na África da Sul respectivamente, no Brasil se desenvolveu uma forma velada de preconceito racial.
Ou seja, mesmo não sendo legalmente discriminada a população negra foi “naturalmente” segregada.
Através de supostos eufemismos como “moreninho”, “jambo” e mulato, a origem étnica de um indivíduo é escamoteada; como se fosse desonroso, e não motivo de lisonjeio, ser qualificado como negro.
Dados estatísticos e constatações empíricas corroboram a presença de práticas racistas no Brasil.
Expressões como “o negro quando não suja na entrada, suja na saída” ou “fulano é um negro de alma branca” infelizmente ainda estão presentes em nosso cotidiano. Estudos demonstram que nas escolas primárias, importantes instituições tanto para socialização quanto para a sociabilidade de um indivíduo, freqüentemente estudantes negros vivem situações constrangedoras e são tratados com indiferença por colegas e professores.
A exclusão do negro no Ensino Superior é clara: 97% dos atuais universitários brasileiros são brancos, contra 2% de negros e 1% de amarelos. Manifestações culturais com matrizes africanas, como o candomblé e a umbanda, são depreciadas por boa parte da população (preconceito estimulado pela intolerância das igrejas cristãs em relação a outras formas de crença).
Nos meios de comunicação de massa, principalmente em telenovelas, os negros geralmente estão associados a antigos estereótipos como a “mulata sensual” ou o “negro malandro”; e a profissões socialmente inferiores, como empregadas domésticas e jardineiros.
No mercado de trabalho é considerável o número de negros barrados pelo subjetivo, e muitas vezes racista, pré-requisito “boa aparência”. Os negros, principalmente os morados de comunidades carentes, são as maiores vítimas de violência policial (“todo camburão tem um pouco de navio negreiro” diz uma música da banda O Rappa).
Para o sociólogo Florestan Fernandes, o negro é vitima de preconceito mesmo possuindo uma situação econômica privilegiada.
Deste modo, mesmo a ascensão social do negro, não minimiza o preconceito racial; pois a presença do elemento de cor em um meio social “impróprio à sua origem étnica” contribui para aumentar ainda mais a discriminação.
A competição direta no mercado de trabalho com os brancos e a presença em lugares raramente frequentados pelas pessoas de cor mostrou a população negra a verdadeira face das relações raciais no Brasil
O preço pago pelos negros emergentes na pirâmide social foi incorporar ideologias impostas pela elite branca, como a democracia racial. Não obstante, foram obrigados a negar suas origens, principalmente os mulatos mais claros, deveriam “comportar-se como brancos”. Para ingressar no “mundo dos brancos”, negros e mestiços se submeteram a um “branqueamento” psicossocial e moral.
Em suma, a sociedade brasileira continua norteada por uma lógica herdada do período escravocrata. O preconceito continua de maneira discreta e branda.
Infelizmente nossa sociedade ainda não aprendeu a convier com as diferenças. Três séculos após a sua morte, a luta de Zumbi dos Palmares continua atual.
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NOTA DA REDAÇÃO: Francisco Ladeira é professor de História e Geografia da Escola Estadual “Professor João Anastácio”
http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=7452&inf=2