Os mais necessitados de serviços básicos estão longe de ser contemplados pelos maiores investimentos em infraestrutura que estão acontecendo na preparação para os Jogos de 2016
Matthew Niederhauser* – Rio On Watch
Thomas Bach, atual presidente do Comitê Olímpico Internacional, organizou uma pequena reunião no dia 5 de agosto na Cidade das Artes, localizada na Barra da Tijuca, para marcar a contagem regressiva de um ano para a abertura dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016 no Rio de Janeiro.
Seu discurso efusivo elogiou os esforços dos organizadores, com destaque para as ofertas da prefeitura e detalhou todos os benefícios sócio-econômicos que os Jogos Olímpicos trariam, chamando-os de “os Jogos Olímpicos mais inclusivos da história”. Essa retórica, no entanto, caiu por terra em toda cidade. Há sinais por toda parte, incluindo um escândalo de corrupçãoe uma crise econômica sem trégua de que os investimentos de infraestrutura para os Jogos não alcançarão aqueles que mais precisam e estão em grande parte beneficiando aqueles que já se encontram no lado favorável de uma das maiores desigualdades de riqueza do mundo.
As instalações chaves para os Jogos estão sendo construídas a partir do zero, na Barra da Tijuca, bairro afluente na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O bairro fica a 45 minutos de carro do Centro da cidade, mas muitas vezes leva horas graças ao crescente congestionamento do trânsito em toda a cidade. Antes um grande pântano rodeado por praias amplas, a Barra da Tijuca fora amplamente moldada por Lúcio Costa, mais conhecido pelo Plano Piloto que estruturou Brasília–design que muitos sentem que satisfaz mais as necessidades dos carros do que as das pessoas. Ele foi contratado para criar um plano urbano modernista semelhante para a Barra da Tijuca, em 1969. O governo municipal esperava que o distrito fosse se tornar um novo centro do Rio de Janeiro e as principais ligações de transporte seriam posteriormente construídas para conectá-lo ao resto da cidade.
Mas nem tudo ocorreu como planejado. As largas avenidas à beira mar estabelecidas por Lúcio Costa deram lugar a um amontoado de complexos residenciais, shoppings, e centros de negócios. Empreendedores transformaram a Barra da Tijuca em um condomínio fechado, orientado para o consumo e para veículos–contraste gritante com as ruas mais agitadas e cheias de vida que tantas vezes são associadas ao resto do Rio de Janeiro.
Os ricos isolados que vivem na Barra da Tijuca nem sequer são chamados de “cariocas”, um termo comum usado para designar os moradores do Rio de Janeiro. Em vez disso, os “barristas” desfrutam de uma vida longe do resto da cidade, inclusive mais de um milhão de pessoas que residem em favelas, que muitas vezes não têm acesso à água potável e redes de esgoto. Aqueles com maior necessidade de serviços básicos não estão nem perto dos maiores investimentos de infraestrutura olímpica no Rio de Janeiro.
“A cidade modernista não tem espaço para os pobres”, diz Clarisse Cunha Linke, Diretora do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). “A Barra é o exemplo mais emblemático ou icônico de um desastre, de uma cidade modernista que é pior do que Brasília”.
Um punhado de magnatas do setor imobiliário está fazendo muito dinheiro com os Jogos de 2016, incluindo o bilionário Carlos Carvalho, que investiu pesadamente na Vila Olímpica. Ele planeja, em algum momento, transformar as torres residenciais em apartamentos de luxo. Nomeando o desenvolvimento ‘Ilha Pura‘, Carvalho declarou que quer que o empreendimento se torne “uma cidade da elite e de bom gosto” em recente matéria publicada pelo The Guardian. Não há expectativa de moradias a preços acessíveis, e apesar do sistema de BRT construído para o Parque e Vila Olímpicos acabar por atender aos trabalhadores que precisam fazer baldeação e enfrentarem longas distâncias até a Barra da Tijuca, dificilmente ele se tornará um legado olímpico no Rio de Janeiro que represente real inclusividade.
Esta falta de inclusão está sendo mais sentida na Vila Autódromo, um pequeno bairro às margens do Parque Olímpico na Barra da Tijuca. Moradores estão sendo removidos de suas casas a fim de abrir caminho para as instalações olímpicas em expansão. Embora tenham recebido propostas de indenização e habitação pública em local próximo, muitos não querem deixar a comunidade que eles chamam de lar há décadas e sentem seus direitos à terra sendo violados. Alguns moradores resistem e permanecem na Vila Autódromo, apesar de violentos confrontos com a polícia.
Tensões semelhantes estão começando a incendiar em todo o resto da cidade, especialmente enquanto a raiva cresce devido ao escândalo de corrupção da Petrobras, que continua a se expandir e pode levar a um processo de impeachment contra a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. O fiasco envolve 20 grandes empresas de construção acusadas de inflacionar os custos para usar como propinas para políticos, cinco das quais estão construindo a maior parte da infraestrutura e estádios para os Jogos. Uma das maiores, a OAS, pediu concordata no início deste ano e, juntamente com outras, está recebendo empréstimos temporários da prefeitura, enquanto os seus ativos estão detidos para a investigação. O Rio de Janeiro, já flagrantemente atrasado nos preparativos para os Jogos Olímpicos, não pode se dar ao luxo de atrasar ainda mais.
Organizadores e políticos no Rio de Janeiro estão lutando para manter à tona a nau Olímpica, mas os primeiros compromissos que estão sendo jogados ao mar são aqueles de que a maioria do grande público poderia se beneficiar, como as promessas para modernizar os sistemas de esgoto e limpar as vias que levam às praias, lagoas e baías. Esta oportunidade perdida também parece estar colocando a saúde de atletas olímpicos em perigo. Em vez disso, os maiores investimentos em infraestrutura que vêm a ser concretizados são na Barra da Tijuca. Muitos paralelos podem ser traçados para o tratamento da Copa do Mundo no Brasil no verão passado, onde os estádios que enriqueceram interesses privados foram concluídos, enquanto outras melhorias de infraestrutura pública para as cidades anfitriãs foram deixadas inacabadas.
A batalha sobre a narrativa dos Jogos Olímpicos no Rio está apenas no começo para muitos. Os holofotes da mídia só vão crescer mais até o próximo agosto. Theresa Williamson, fundadora da Comunidades Catalisadoras, lançou uma campanha para apoiar o primeiro wire service das favelas (uma fonte de notícias de última hora, de favelas, em inglês), o RioONWire, para realçar as perspectivas de comunidades negligenciadas pela grande mídia. Theresa Williamson explica: “Se você é um jornalista visitando o Rio por algumas semanas antes dos Jogos Olímpicos, você pode ficar a par em tempo real sobre o que está acontecendo agora, a história por trás dessas histórias particulares, e quem você pode entrevistar. Nós basicamente tornamos muito fácil para os repórteres produzir boas reportagens com nuances”.
A missão humanitária associada com os Jogos Olímpicos irá fornecer uma plataforma única para tratar de questões sociais arraigadas dentro da cidade. A pressão para enfrentar vácuos flagrantes da política de desenvolvimento está aumentando ou, pelo menos, dando início a melhora da qualidade dos resultados para as comunidades que mais precisam de melhorias das infraestrutura sendo distribuídas.
Quando a abertura dos Jogos ocorrer no próximo agosto, as chances são de que o Rio de Janeiro apareça como uma cidade unida para o resto do mundo. Há muito o que comemorar na Cidade Maravilhosa. Mas, por agora, o deslumbramento continua a ser superficial. Toda a acumulação Olímpica estranhamente se assemelha ao fracasso da agenda modernista no Brasil, do mesmo modo que ela se manifesta em lugares como a Barra da Tijuca desde o início de seu desenvolvimento. O projeto pode ter parecido bom no rascunho, mas as complexidades e necessidades socioeconômicas nunca foram realmente abordadas, muitas vezes em detrimento dos mais necessitados.
O legado olímpico pode acabar se assemelhando à bela Cidade das Artes, ponto arquitetônico central da Barra da Tijuca, onde Thomas Bach acaba de receber a elite política aguerrida do Brasil. É uma jóia de edifício, comemorando o grande legado cultural e artístico do Rio de Janeiro, mas o complexo fortemente protegido fica bem no meio de um turbilhão de tráfego e é isolado do resto da cidade. Não maximiza o seu serviço para o grande público, devido à sua localização e falta de inclusão. Outra grande oportunidade perdida, especialmente em uma cidade que precisa de uma trégua em sua batalha constante para melhorar a qualidade de vida de seus moradores.
*Matthew Niederhauser é artista, jornalista fotográfico e diretor de fotografia. Ele é co-fundador da Iniciativa Megacity, juntamente com John Fitzgerald, e professor visitante no MIT Center for Advanced Urbanism.
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Foto: Redutos na Vila Autódromo ao lado do Parque Olímpico continuam resistindo às remoções após violentos confrontos com a polícia. (Iniciativa Megacity)