Seminário debate situação de comunidades tradicionais ribeirinhas do rio São Francisco

Encontro reuniu pescadores, vazanteiros, quilombolas e geraizeiros, além de representantes das instituições públicas que atuam em questões relacionadas aos direitos dessas comunidades

MPF/MG

Cerca de 200 participantes, em um auditório absolutamente lotado durante os dois dias do Seminário sobre o reconhecimento dos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais do Médio São Francisco, a ponto de os organizadores terem de providenciar cadeiras extras para atender a demanda, foi um dos pontos altos do evento que reuniu pescadores, vazanteiros, quilombolas e geraizeiros lado a lado com representantes de praticamente todas as instituições públicas que atuam na defesa e/ou no reconhecimento dos direitos desses povos.

Membros do Ministério Público Federal (MPF) juntaram-se a representantes da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e de órgãos estaduais, como Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Social, EMATER-MG e IEPHA.

Aliados às instituições públicas, estudiosos (Unimontes, Instituto Federal do Norte de Minas) e membros de organizações não-governamentais que conhecem de perto a realidade das comunidades ribeirinhas (Centro de Agricultura Alternativa-CAA, OPará e Tropy-Dry), apresentaram trabalhos e ouviram relatos dos próprios integrantes dessas comunidades sobre as condições de vida agravadas cotidianamente pela demora no reconhecimento oficial, pela falta de políticas públicas a elas destinadas e por conflitos fundiários e com órgãos ambientais.

Na abertura do evento, que contou com a presença do secretário estadual de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, a coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, já lembrava que uma das principais questões que envolvem os direitos das comunidades tradicionais está justamente na desterritorialização causada pela criação e implantação de unidades de conservação.

“Os parques nacionais são criados em locais onde vivem pessoas que, por vezes, são as maiores responsáveis pela manutenção da biodiversidade. No final, essas pessoas são expropriadas do lugar que as constituem e as singularizam. Ao perderem seu território, as comunidades acabam perdendo a principal referência de sua própria identidade”, disse a coordenadora da 6ª Câmara.

Os integrantes das comunidades tradicionais também relataram inúmeros casos de conflitos com órgãos ambientais decorrentes da falta de critérios na fiscalização, pois, segundo eles, qualquer extração vegetal realizada pelas comunidades é alvo de intensa repressão, ao passo que a degradação ambiental causada por grandes fazendeiros sequer é fiscalizada.

Regularização fundiária –
A demora no processo de identificação e titulação do território em que historicamente vivem as comunidades foi apontada como a principal causa dos recorrentes conflitos fundiários, que, por vezes, têm resultado em enfrentamentos, lesões corporais e morte.

Segundo a secretária nacional do Patrimônio da União, Cassandra Maroni Nunes, ao contrário do que se imagina, a emissão dos títulos de posse não é o passo final para a pacificação dos conflitos. “A emissão do título, obviamente, é um passo de extrema importância, mas, na prática, ela nem sempre encerra os conflitos. Em alguns casos, a emissão dos TAUS, por exemplo, acaba sendo o primeiro passo de um processo que pode se revelar extremamente complexo e árduo”.

Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais, Edmundo Antônio Dias, “o reconhecimento territorial é inerente e constitui verdadeiro pressuposto no processo de conquista dos direitos, não apenas territoriais, dos povos e comunidades tradicionais. No caso das comunidades vazanteiras, quilombolas, pesqueiras e indígenas, que habitam as margens de um rio federal, como o Velho Chico, estamos falando de áreas de indiscutível domínio da União. Por isso, a parceria com a SPU é fundamental ao empoderamento dessas comunidades, com o devido reconhecimento dos territórios onde habitam e exercem, de modo sustentável, suas atividades”.

Os integrantes das comunidades lamentaram ainda a falta de políticas públicas direcionadas às suas especificidades e necessidades, além da imposição de outras totalmente divorciadas de seus costumes e tradições, a exemplo do sistema educacional e da gestão ambiental.

Projeto Ribeirinhos – A interdisciplinariedade propiciada pelo seminário será testada na implementação de um projeto para apoio às comunidades ribeirinhas do São Francisco, que foi concebido pelo Ministério Público Federal (MPF), através da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão e do Grupo de Trabalho Povos e Comunidades Tradicionais, em conjunto com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e parceria com a Unimontes, através do seu Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (NIISA).

Apresentado durante o seminário, o projeto prevê a comunhão de esforços de diversas instituições para buscar a concretização dos direitos dessas comunidades, a partir da agilização dos processos de regularização fundiária e da adoção das medidas necessárias para atendimento de suas demandas.

De acordo com a professora Felisa Anaya, que integra o NIISA/Unimontes, “Com histórias próprias e culturas específicas, esses grupos têm em comum a relação peculiar que mantêm com os modos de apropriação e uso de seu ambiente natural, num território que se caracteriza pela mobilidade natural das cheias e baixas do rio. Com a perda crescente do domínio territorial sobre as áreas de terra firme, as comunidades tradicionais vêm se organizando na defesa de seus direitos, uma vez que, se encontram, atualmente, encurralados nas áreas inundadas da União, que são as beiras de rio e ilhas”.

O projeto Ribeirinhos distingue-se por essa peculiaridade: os trabalhos irão abranger apenas as comunidades e povos tradicionais que historicamente ocupam terras da União às margens do Rio São Francisco.

“Por isso, destacamos a importância da parceria com a SPU, já que se tratam de áreas pertencentes à União. Por outro lado, a participação da Unimontes no projeto é essencial, tendo em vista o conhecimento adquirido por seus pesquisadores, em virtude dos trabalhos já realizados junto a essas comunidades tradicionais. A soma dos esforços e das expertises dessas três instituições – MPF, SPU e Unimontes – é um diferencial que, acreditamos, irá agregar resultados concretos em curto espaço de tempo”, afirma a procuradora regional da República Eliana Torelly, coordenadora do GT Povos e Comunidades Tradicionais.

Ao final do encontro, foi publicada a Carta de Montes Claros, que resumiu os temas e reivindicações levados à discussão durante os dois dias do seminário.

Imagem: Seminário apresenta estudos e resultados de ações do Estado e da União para o reconhecimento de direitos e territórios de comunidades tradicionais (Fotos: Davidson Dias)

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