Carta de Montes Claros

Em PRMG

Nós, participantes do Seminário sobre o reconhecimento dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do Médio São Francisco, reunidos em Montes Claros/MG, nos dias 1 e 2 de julho de 2015, diante da histórica violação de direitos fundamentais das populações ribeirinhas do Rio São Francisco, da ausência do Estado brasileiro na garantia desses direitos e da crise ambiental hídrica que atravessa o rio e os habitantes de sua bacia, avaliamos que a base para o reconhecimento e a efetivação dos direitos fundamentais dessas populações e para a recuperação ambiental do Rio São Francisco, passam pela regularização dos territórios dos povos e comunidades tradicionais ribeirinhas – em especial vazanteiros, quilombolas, veredeiros, geraizeiros, pescadores e indígenas –, pelo manejo ambiental comunitário, pela garantia de acesso a políticas públicas específicas e geração de renda segundo as práticas culturais dessas comunidades.

Nesse sentido, nós, representantes de comunidades tradicionais, instituições de pesquisa, organizações e órgãos públicos, propomos as seguintes ações:

– articular ações coordenadas para o reconhecimento das especificidades culturais, dos seus saberes e fazeres, que configuram modos de vida, identidades e ancestralidades, os quais se expressam em lutas por reconhecimento de direitos, iniciando-se pela regularização dos territórios que tradicionalmente ocupam;

– elaborar diagnósticos socioambientais e delimitação dos territórios das comunidades tradicionais ribeirinhas; – apoio, por órgãos públicos afins, à Secretaria do Patrimônio da União, para delimitação da Linha Média de Enchentes Ordinárias (LMEO) do Rio São Francisco, de modo a proporcionar efetivas condições para emissão de Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), com vistas à regularização fundiária dos territórios ocupados por povos e comunidades tradicionais;

– implementação de planos de recuperação ambiental e de manejo ambiental comunitário;

– célere avaliação da sustentabilidade ambiental das comunidades ribeirinhas;

– garantia de acesso pleno a políticas públicas pelas comunidades ribeirinhas, inclusive aquelas especificamente voltadas a jovens, mulheres e crianças;

– elaboração de projetos para geração de renda segundo as práticas culturais das comunidades ribeirinhas;

– busca de soluções e alternativas para o abastecimento de água para consumo humano e dessedentação de animais nas comunidades ribeirinhas que dependem da água do rio;

– construir uma política de gestão ambiental destinada a povos e comunidades tradicionais, com a participação de órgãos do governo federal e estadual;

– reportar ao governo do Estado de Minas Gerais as denúncias de abusos e arbitrariedades cometidos pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Polícia Florestal na sua atuação junto a povos e comunidades tradicionais, bem como da omissão por parte desses órgãos no tocante à apuração de crimes ambientais cometidos por terceiros dentro dos territórios tradicionais das comunidades;

– fazer gestões junto ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) e à Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), no sentido da construção de uma Resolução específica para o Rio São Francisco, que reconheça e regularize as práticas dos povos e comunidades tradicionais de uso e manejo dos ambientes fluviais do rio – ilhas, várzeas, margens e lagoas –, bem como os acordos comunitários de pesca;

– fazer gestões junto aos órgãos de fiscalização ambiental sobre o uso irregular e abusivo de agrotóxicos, em especial a pulverização por meio de aviões;

– avaliar junto aos órgãos de licenciamento ambiental (IGAM, SUPRAM etc) o uso e outorga de água para o transporte de minérios no semiárido, no contexto da atual crise hídrica e dos impactos que tais empreendimentos representam para o abastecimento de água das populações tradicionais.

Além dos encaminhamentos acima, à vista dos relatos de atos de violência cometidos contra povos e comunidades tradicionais no Norte de Minas, a exemplo do ocorrido com remanescentes do Quilombo dos Nativos do Arapuim, no dia 19 de janeiro de 2014, nós, representantes de órgãos públicos, instituições de pesquisa, organizações e comunidades tradicionais, consignamos a presente moção de apoio às vítimas de tais desmandos, com encaminhamento do caso do Quilombo dos Nativos do Arapuim ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos – PPDDH/MG –, à Ouvidoria Agrária Nacional e aos demais órgãos competentes, solicitando-se, ainda, ao MM. Juízo de Direito da Comarca de São João da Ponte, em que tramita o processo judicial nº 0002277-35.2014.8.13.0624, o julgamento célere do feito.

Montes Claros, julho de 2015.

Assinam:

  • Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais
  • Centro de Agricultura Alternativa (CAA)
  • Comissão Pastoral da Terra (CPT)
  • Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
  • Ministério Público Federal (MPF)
  • Movimento Geraizeiro
  • Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (Niisa)
  • Opará
  • Unimontes Secretaria do Patrimônio da União (SPU)
  • Tropy-Dry
  • Vazanteiros em Movimento
  • E as comunidades:
  • Acampados da Barrinha/Ilha do Jenipapo
  • Associação dos Vazanteiros de Itacarambi Associação Quilombola Bom Jardim da Prata
  • Associação Quilombola Alegre II
  • Comunidade do Alegre I
  • Comunidade do Brejal
  • Comunidade do Retiro Comunidade do Remanso
  • Comunidade Quilombola da Primavera_Quilombo da Tabua
  • Comunidade Quilombola do Espinho – Quilombo da Tabua
  • Comunidade Quilombola da Malhadinha – Quilombo da Tabua
  • Ilha da Maria Preta
  • Ilha da Ressaca Ilha de Pau Preto
  • Ilha de Pau de Légua
  • Ilha do Amargoso
  • Ilha do Capão
  • Ilha do Coculho
  • Ilha do Retiro
  • Pescadores artesanais e vazanteiros de Barra do Guaicuí, Buritizeiro, Januária, Pedras de Maria da Cruz, São Francisco e Ibiaí
  • Quilombo Bom Jardim da Prata
  • Quilombo da Ilha da Ingazeira
  • Quilombo de Lapinha
  • Quilombo de Praia
  • Vila do Porto Agrário

Comments (1)

  1. É lamentável que a crise hídrica que vivemos hoje não mobilizem o governo para ações emergenciais voltadas para a recuperação das bacias, e continue facilitando licenças de mineração, agronegócios, sem nenhum limite com os agrotóxicos, desmatamento em massa, sempre priorizando poder econômico e deixando de lado milhares de pessoas, as quais se não mudarmos rápido entrarão em colapso…Um Brasil que já foi tão farto, e poderia ter abundancia para todos se não fosse este egoismo, roubalheira e a falta de olhar nem para a própria geração quanto mais para os filhos e netos que herdarão este mundo caótico!!!

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