Daiane Souza, FCP
A ministra Rosa Weber defendeu nesta quarta-feira (25) a constitucionalidade do Decreto 4887/03. Em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2012, o documento que regulamenta o procedimento para a titulação das terras ocupadas por remanescentes quilombolas tem sua legalidade questionada pelo Partido Democratas (DEM) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239/04.
Contrária ao voto do relator da ação, Cesar Peluso, a ministra apontou jurídica, histórica e antropologicamente a importância das comunidades tradicionais de quilombos à construção da sociedade e da identidade nacional brasileira. Humanizando o processo, destacou detalhes do cotidiano quilombola em sua relação com a terra. “Estamos tratando de pessoas e de seus direitos fundamentais”, afirmou.
De acordo com Rosa Weber, na ação existe apontamento expresso de afronta aos Artigos 5º, 24º e 84º do Decreto 4887/03, ao Artigo 6º da Constituição Federal e 68º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). “Porém, o Artigo 68 do ADCT, que reconhece a propriedade definitiva aos remanescentes dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é auto-aplicável por se tratar de um direito fundamental”, disse.
Nesse sentido, a ministra explica que não houve invasão da esfera de competência do Legislativo. “O objetivo do decreto presidencial é direcionar com regras administrativas à atuação do Estado em assegurar um direito já previsto pela Constituição de 1988, não necessitando de lei que o regulamente”, esclareceu.
Identidade étnica e direito à terra ‒ Entre os aspectos questionados pelo partido está o critério de auto-atribuição em que, para serem certificados pela Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC), os quilombolas precisam se declarar como remanescentes negros. Sobre esse assunto, Rosa disse que o auto-reconhecimento é válido, pois ignorá-lo significaria descumprir o princípio da dignidade humana.
Ela citou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, que dispõe: “nenhum Estado tem o direito de negar a identidade de um povo indígena ou tribal que se reconheça como tal”. A ministra destacou, ainda, o que chamou de nativização da população quilombola. Nesse contexto, comparou e apontou as semelhanças entre a cultura tradicional negra às das comunidades indígenas brasileiras.
A ação também sustenta a inconstitucionalidade do processo para caracterização e delimitação das terras quilombolas. Sob a ótica de Rosa Weber, a Constituição reconhece a propriedade definitiva dos quilombolas sobre seus territórios cabendo ao Estado reconhecê-los, promovendo então, a emissão dos títulos dessas áreas. Quanto ao Decreto, ela esclareceu que o objetivo foi retirar as populações quilombolas da marginalidade da lei.
Divergências ‒ Com a declaração de voto da ministra, que julgou a ADI improcedente, o julgamento está empatado. Na relatoria do caso, Cesar Peluso (aposentado), votou pela procedência da ação e, portanto, pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887/2003. Apesar disso, ele modulou os efeitos da decisão classificando como “bons, firmes e válidos” os títulos emitidos até então.
Com o pedido de vista do processo pelo ministro Dias Toffoli, não há previsão para que o julgamento da ADI 3239 volte à pauta do STF.