Hoje, 26/11/2014, segui de Itamarajú para a Aldeia Boca da Mata junto com o motorista da universidade, o Eduardo para lecionar junto aos estudantes do curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas, o FIEI. Ainda na BR o trânsito parado indicava que algo estaria por vir, havia algo nessa suspensão, nessa espera.
Na entrada da estrada de acesso ao Território Indígena Pataxó, uma operação de guerra: soldados armados, pintados, camuflados, policiais federais, polícia militar da Bahia, grupo de operações especiais, a CAEMA. Não conseguimos avançar. A violência da abordagem eu não conseguirei as expressar com palavras. Um delegado da polícia federal perguntou o que faríamos ali, tentei explicar e ele falou que seria impossível prosseguir, perguntamos o por quê, e ele, sem a mínima vontade de nos responder, disse que estava havia um conflito e me perguntou ainda, diante da minha insistência em entrar, se eu estava afim de entrar e tomar bala.
Tentei argumentar que havia um curso da UFMG acontecendo ali e se os estudantes indígenas sabiam do que estava acontecendo. O policial disse me interrompendo que não falava com índio e depois com um sorriso sarcástico completou que não falava Tupi-Guarani. Insisti e ele me disse que eles entrariam ali e desceriam o cacete, se fosse necessário. E completou que estavam ali pra garantir a nossa segurança. Eu me perguntei, segurança de quem?
Logo depois um outro policial mandou que saíssemos dali pois a gente tinha de desobstruir a passagem. Quando começamos a sair em marcha ré, um outro veículo da polícia federal nos ultrapassou e entrou no território.
Bom, ficamos um tempo na espera até que o Eduardo foi conversar com um policial à paisana que se mostrou menos tenso que os demais e se mostrou simpático nas respostas. Foi aí que soube que se tratava de uma reintegração de posse determinada pela justiça. De pronto perguntei se havia alguém da FUNAI ali pra interceder, ele não soube responder.
Pouco tempo depois chegou uma camionete importada da qual desceu um senhor bem vestido, com um celular na mão. Não parecia ser policial, estava mais para um político. Também não era. Aquele mesmo policial, que foi ríspido comigo, foi até esse senhor de maneira super delicada e perguntou estendendo a mão para cumprimentá-lo: O senhor que é o dono da fazenda?
Pouco tempo depois, chega uma camionete da FUNAI e fomos conduzidos até a porteira novamente pra saber se poderíamos entrar. Foi ali que flagrei o diálogo do delegado que chefiava a ação com o representante da FUNAI que reclamava que a polícia tinha que ter esperado a chegada da FUNAI antes de iniciar qualquer tipo de ação.
Ficamos ainda um tempo à espera e depois seguimos pra Itamarajú pra tentar contato com a universidade e depois disso o que se seguiu foram relatos de atrocidade na invasão, sem respeitar o território já demarcado, não respeitando a presença de crianças, de mulheres grávidas, idosos, nada disso.
Soube pelo garçom do restaurante em que almocei que há três dias vinham chegando policiais federais em Porto Seguro, o que é de se estranhar, pois a decisão judicial saiu ontem [25] à noite.
Eu peço desculpas pelo texto longo e truncado, sem muito cuidado, porque a tristeza e revolta ao ver as imagens dessa invasão e os relatos dos estudantes Pataxó me tomam e não é questão de se fazer uma crônica e sim relatar e denunciar o que pra mim é o prenúncio de um tempo difícil para os povos indígenas brasileiros.
Infelizmente os acenos vindos do Planalto são os piores possíveis; infelizmente o que se percebe nas falas entre os policiais reflete a construção de uma imagem equivocada, propositalmente distorcida sobre os indígenas. Infelizmente para esses povos, o que virá com a escolha do novo ministério aponta para um retrocesso nessa questão. Infelizmente, ao invés de aprendermos com o modo de vida e de estar no mundo, aprendermos sobre a relação com o trabalho, com o modelo de gestão dos recursos ambientais, com a memória.
O que se dará (essa é a tendência) é o aniquilamento dessa perspectiva para no seu lugar reproduzirmos o engodo desenvolvimentista ou especulatório, que nos leva a cada dia pra beira do fim, um fim lento, repleto de sobrevidas que só amplia a agonia, a doença e a fantasia de que estamos no caminho certo e que dias melhores virão.