Procuradores descobriram provas contundentes da existência da ‘Operação Gringo’, um braço da ‘Operação Condor’, em material recolhido na casa do coronel Paulo Malhães
O Grupo de Trabalho (GT) de Justiça e Transição do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro revelou a maior prova até hoje obtida de colaboração efetiva entre os regimes ditatoriais da América do Sul para a prática de crimes contra a humanidade. Os documentos foram obtidos na casa do falecido coronel Paulo Malhães, assassinado em abril deste ano, em cumprimento a mandados de busca e apreensão. A documentação foi compartilhada formalmente com a Argentina e já foi anunciada uma Reunião Especializada dos Ministérios Públicos do Mercosul, em Buenos Aires. Essa é a prova mais contundente até agora da ‘Operação Condor’, episódio histórico de cooperação entre as ditaduras latino-americanas.
Relatórios revelam a existência da ‘Operação Gringo’ – Após diligência na casa do coronel Paulo Malhães, o GT Justiça de Transição obteve documentos que comprovam a ‘Operação Gringo’, deflagrada durante a ditadura militar no Brasil, arquitetada e executada pelo Centro de Informações do Exército (CIE) do Rio de Janeiro, que se destinava, dentre outras funções, ao monitoramento, vigilância e prisão de estrangeiros que demonstrassem qualquer atividade considerada como ofensiva ao regime.
Os documentos apreendidos constituem dois relatórios da Operação Gringo (confira a íntegra desses documentos). O primeiro (n° 8/78) tem 111 páginas e o segundo (n° 11/79) tem 166 páginas.
Dentre as informações coletadas nos relatórios, há o monitoramento das atividades de diversas organizações brasileiras e estrangeiras contrárias ao regime militar, e nomeadamente 140 nacionais. Destacam-se o monitoramento de reuniões e atividades de políticos e ativistas da época, como Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Dante de Oliveira, Francisco Julião, Antonio Carlos Nunes de Carvalho e Francisco Buarque de Hollanda.
Outro ponto de destaque é a realização de análise das alianças políticas da época, com menção expressa a Leonel Brizola, Tancredo Neves, Miguel Arraes e Luiz Inácio Lula da Silva, bem como o controle de organizações e atividades sindicais, havendo resistência à criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), considerada um grande “sonho” dos opositores da ditadura militar.
Dentre os documentos, consta ainda um informe em língua espanhola, denominado “Operação Congonhas”, referente à estrutura e à organização de diversas organizações de militância e guerrilha contra a ditadura argentina. “O informe provavelmente foi produzido por militares argentinos e compartilhado com a ditadura brasileira. Embora não assinado, é datado a partir da cidade de São Paulo, relatando diversas atividades de infiltração de militares argentinos operando no Brasil para monitorar, contatar e prender os ‘inimigos’ do regime argentino. Todas essas informações vem sendo há décadas escondidas da população”, detalha o GT Justiça de Transição.
Os documentos recolhidos na casa do coronel Malhães comprovam, portanto, a ‘Operação Condor’, que até então teve a existência negada pelas Forças Armadas e pelo Ministério das Relações Exteriores, os quais se recusam, até hoje, a cooperar com a apresentação de documentos requisitados pelo Ministério Público Federal.
“A descoberta dos documentos demonstra também a importância vital do papel do Ministério Público Federal, uma instituição independente e não subordinada ao Executivo, na cooperação internacional”, destaca o procurador-geral da República Rodrigo Janot.
De acordo com o procurador-geral da República, a descoberta desses documentos é um marco histórico para revelar os responsáveis por crimes durante a ditadura militar. “As investigações do Ministério Público Federal revelaram a maior prova até hoje obtida da colaboração efetiva entre os regimes ditatoriais do Cone Sul para a prática de crimes de lesa-humanidade. A chamada Operação Gringo, um braço da Operação Condor, foi ocultada da população durante muitos anos e só agora veio a público pelo trabalho do MPF. As gerações presentes e futuras têm o direito e a obrigação de conhecer todos os fatos e todos os crimes e violações ocorridos, para que não mais se repitam”, afirma Janot.
Segundo o procurador-geral, a contextualização política e histórica do período da ditadura militar não afasta o dever de promover a responsabilização penal dos autores desses crimes. “A atuação do MPF, nessa questão, tanto pela PGR como por meio do GT Justiça de Transição da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, busca a reconciliação legítima de nossa sociedade com seu passado e sua história, bem como a eficácia do entendimento universal de que graves violações de direitos humanos são imprescritíveis e não passíveis de anistia”, complementa.