Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
Desde a ocupação do Complexo da Maré, em março, pelo Exército, a comunidade passou a viver dentro de uma guerra e contabiliza 28 homicídios. De acordo com a organização Redes de Desenvolvimento da Maré, no período foram 12 mortos dentro do complexo e 16 no entorno. Junto com o Observatório de Favelas, a entidade organizou uma reunião da imprensa com os presidentes de associações de moradores para denunciar os abusos cometidos pelos soldados e as dificuldades que a população tem passado.
Presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança, Pedro Francisco, disse que a região perdeu a paz e a tranquilidade desde a chegada dos militares. “Há sete meses que o Exército está na nossa comunidade e perdemos nossa privacidade. Temos portões arrombados, cadeados quebrados, projetos parados porque os jovens não podem se locomover, professores pararam com os projetos, os idosos não tem mais hora para fazer as atividades”, disse.
Representante da comunidade Vila do João, Marco Antônio Barcellos Gomes também criticou a a atitude dos soldados que, segundo ele, entram nas casas sem mandado. “Já entraram cinco vezes na casa do meu filho, vi o Exército tentar arrombar o portão de um cidadão, falei com ele e disseram que iam me prender por associação para o tráfico, me levaram para o CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, na Avenida Brasil, que está sendo utilizado como base da Força de Pacificação da Maré]”.
Jonata de Azevedo, da comunidade Salsa e Merengue, na Vila do Pinheiro, reclamou da barricada montada em frente à creche Albano Rosa, bloqueando a passagem da ciclovia, e da forma ostensiva como os militares vem agindo. “O Exército anda ostentando o poder bélico, a comunidade fica com medo. Não é assim que eles tem que fazer, tinha que agir com inteligência. Não e cercando a ciclovia com arame que vai melhorar”.
Moradora do Conjunto Nova Esperança, Fidelina Rocha da Silva, de 43 anos, disse que a filha, de 12 anos, foi abordada e ofendida por soldados por estar sem documentos. “Foi no dia 16 de julho, minha filha, de 12 anos ia na padaria, foi abordada, pediram documento, ela disse que não tinha, então os soldados falaram vários palavrões e que da próxima vez iam levar ela e a mãe. Ela chegou em casa pálida, tremendo. De lá para cá tenho uma menina de 12 anos que não sai de casa, nem na igreja quer ir”.
Síndica do prédio onde mora, Fidelina também diz que os soldados costumam entrar no prédio de noite, apagar as luzes e ficar no alçapão do último andar vigiando a comunidade, sem ordem judicial. “Já arrombaram o alçapão cinco vezes. [Ante]Ontem (4) de novo, nem coloco cadeado mais”.
Quanto às prisões arbitrárias, os moradores relatam que muitos chegam a ser levados para o presídio de Bangu, mesmo sem provas. Além disso, dizem não conseguir registrar queixa na 21ª Delegacia de Polícia, em Bonsucesso, sob alegação de que a Polícia Civil não investiga ações do Exército.
A diretora da Redes da Maré, Eliana Souza Silva, disse que o projeto A Maré que Queremos discute a questão da segurança no complexo desde 2009. De acordo com ela, uma semana após a ocupação pelo Exército, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, se reuniu com os presidentes das associações de moradores e se comprometeu a fazer uma pacificação social. Mas, segundo ela, não é isso que vem ocorrendo.
“A abordagem que o Exército está tendo é a mesma que a polícia tinha e que a gente pediu para não ter. O Exército entrou com um discurso de pacificação, mas o que ocorre é um controle bélico dentro da comunidade, que não resulta para os moradores em efeitos de segurança pública. O morador não está sendo respeitado”.
A entidade pediu ontem uma audiência com o secretário para discutir o problema, mas ainda não obteve resposta. A Secretaria de Estado de Segurança informou que, como ainda não assumiu o comando da pacificação, não pode se pronunciar sobre o assunto, mas que as garantias dadas pelo secretário Beltrame na reunião com os presidentes das associações de moradores serão adotadas quando houver a transição, prevista para o fim de dezembro.
A Força de Pacificação da Maré foi procurada, mas não respondeu à reportagem até o fechamento da matéria.