No último final de semana, movimentos de moradia realizaram cerca de vinte ocupações em São Paulo, reivindicando soluções para o grave problema habitacional que atinge especialmente as populações mais pobres. Muitos seguiram de ônibus para Brasília, onde se somarão a manifestantes de outros estados para pressionar também o governo federal.
Em São Paulo, estamos passando por um momento-chave que, a depender de como for concluído, poderá significar uma oportunidade de grandes avanços na questão habitacional. Isso porque o novo Plano Diretor Estratégico da cidade deverá ser votado hoje (9) na comissão de política urbana da Câmara Municipal e, muito em breve, será votado também no plenário, onde se encerrará um processo de discussão que teve início no ano passado.
A proposta de Plano que se encontra em debate da Câmara contém uma política fundiária para a habitação, incorporando instrumentos que contribuirão, com terras e imóveis, para viabilizar um volume maior de habitação de interesse social.
Hoje, um dos gargalos fundamentais para a produção de habitação com qualidade é a localização. Com o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), a população de menor renda tem acesso a um subsídio público para comprar a casa própria ofertada pelo setor privado, que é responsável por conceber o projeto, decidindo inclusive a localização, e executá-lo.
Mas, com subsídio fixo e sem política fundiária, e como a operação será tanto mais rentável quanto mais baixo for o custo do terreno, os locais escolhidos para produção de habitação para as classes mais baixas são, em geral, longe das áreas centrais das cidades, das ofertas de emprego e dos serviços e equipamentos públicos.
A prefeitura, por sua vez, sempre alega não ter recursos para adquirir terrenos e prédios bem localizados, onde seja possível construir ou reformar para a produção de habitação de interesse social, inclusive para programas de locação social capazes de diversificar as respostas às diferentes demandas existentes na cidade.
Agora temos uma proposta de Plano Diretor que pretende enfrentar essas questões e desatar esse nó. O projeto em discussão traz três elementos fundamentais que estabelecem uma política fundiária para a habitação.
Em primeiro lugar, amplia o volume de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), em suas várias categorias, com áreas demarcadas no zoneamento, inclusive em regiões de urbanização consolidada e bem localizadas.
Além disso, o projeto apresenta dois instrumentos de captação de recursos por parte da prefeitura, a fim de viabilizar a compra de terrenos e imóveis para constituir um estoque público de habitação social.
O primeiro instrumento é a destinação de ao menos 30% dos recursos do Fundurb (o Fundo de Desenvolvimento Urbano, que é constituído por recursos da venda de outorga onerosa, ou seja, aquilo que se paga para poder construir além do coeficiente básico) para habitação de interesse social. E o segundo é a Cota de Solidariedade, que determina que todos os empreendimentos com mais de 20mil m² devem destinar 10% de sua área para habitação de interesse social.
Esses dois instrumentos vão permitir que a prefeitura comece, por exemplo, a constituir um estoque de imóveis e terrenos para locação social bem localizada e para atendimentos de emergência. Aliás, outra inovação desse plano diretor é que ele prevê a criação de um Serviço de Habitação, que será responsável justamente por atender situações graves e emergenciais, que não podem esperar por soluções que demandam um longo tempo para sua efetivação.
Esses novos instrumentos, aliados a outros já existentes – por exemplo, isenção de pagamento de outorga onerosa para as Zeis, bem como instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que estão mais bem definidos e autoaplicáveis neste Plano Diretor – podem trazer mudanças muito positivas para o enfrentamento do problema habitacional em São Paulo.
Depois de tantos meses de debates e discussões para formular estas propostas, esperamos que nossos vereadores percebam a grande oportunidade que temos neste momento.
*Urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.